Sim, gosto muito de abraços. Aprendi o poder de um abraço com o terapeuta fofinho logo na primeira consulta com ele, nos idos de 2016, quando, no final da consulta, ele me perguntou: “posso dar-te um abraço?” Eu não estava, de todo, habituada a uma pergunta destas. Ou seria um pedido? Nunca soube, nunca saberei. O que sei é que, logo desde essa primeira consulta, o abraço tornou-se obrigatório para finalizar as consultas. Obrigatório porque eu comecei a habituar-me a esse aconchego depois de uma sessão de exposição de fragilidade, depois de deixar sair tudo o que tanto me doía. Esse abraço no fim da consulta, apertado e sinceramente sentido, ensinou-me a força do aconchego que um abraço pode e sabe ser. E ensinou-me também que os abraços ajudam a voltar a respirar. Acalmam. Tranquilizam. Fortalecem.
Foi com o terapeuta fofinho que aprendi o poder de um abraço. E foi a partir daí que dei por mim a facilmente abraçar outras pessoas nas mais diversas situações, das melhores às piores.
Já não estou fisicamente com o terapeuta fofinho há mais de 2 anos. Já há muito tempo, ainda pré-pandemia, ele não estava em Lisboa e as nossas consultas aconteciam todas as semanas via Skype, onde é impossível abraçar quem está do outro lado. Mas, sempre que ele desce à capital e consegue encaixar-me na agenda social das visitas a família e amigos, já sei que pomos os abraços em dia. À chegada e à partida, como passou também a acontecer nas consultas ainda presenciais: um abraço à chegada antes de iniciar a sessão para relaxar e mudar o chip, um abraço no final para aquele aconchego antes da partida.
E foi assim que aprendi a gostar tanto de abraços.
Mas hoje aconteceu ficar a conhecer outro abraço sobre o qual já tinha lido várias vezes e que, apesar de me despertar alguma curiosidade um bocadinho mórbida, sempre soube, pelos relatos e descrições que fui lendo, que seria um abraço demasiado desagradável, muita vezes doloroso e sempre aflitivo…o chamado Abraço da Esclerose Múltipla, essa coisa que me apanhou na curva e para a qual continuo a não estar preparada.
Estava tão tranquila. Relaxada. A fazer contas ao tempo para sair de casa para ir ao Yoga. Estava quase na hora de lanchar e eu tinha acabado de almoçar há relativamente pouco tempo, depois de ter acordado tão tarde… Estava no sofá, a conversar com a minha mãe. E, de repente, sem pré-aviso, tinha o peso do Mundo inteiro nos meus ombros. Que, devagar, se começou a espalhar, cobrindo por completo os ombros e as omoplatas. O pescoço não tinha qualquer peso. Nem força. Parecia até que estava completamente solto do resto do corpo, talvez apenas preso por uma frágil linha que ameaçava romper a qualquer momento. A verdade é que, enquanto sentia o peso do Mundo inteiro nos meus ombros, o pescoço não tinha sequer qualquer força para segurar a cabeça…
Respirar. Era preciso respirar fundo. Com calma e de forma consciente. Até que percebi que, aquele peso todo que sentia nos ombros e se espalhou às omoplatas, de repente deixou de ser apenas o peso do Mundo inteiro para se transformar também num bloco de cimento. Duro. Muito duro. Ao ponto de me dificultar a respiração profunda e calma que eu tentava que me ajudasse a relaxar…
A respiração passou a ser muito superficial e sem ritmo definido. Ao mesmo tempo que tentava voltar a respirar fundo e com ritmo definido, percebi que o tal bloco de cimento que cobria e prendia os meus ombros e as minhas omoplatas se tinha espalhado até aos braços. Dos cotovelos até aos ombros. O peso. A rigidez do bloco de cimento que, de repente, ganhou proporções de granito. Mover os braços era extremamente difícil…quase impossível…
A cabeça solta, presa ao pescoço por uma frágil linha, a respiração superficial mas um pouco acelerada ainda que sem ritmo definido, aquele bloco em que o meu torso se tornou e que, afinal, não era de cimento mas sim de granito. Os braços imóveis entre os ombros e os cotovelos. Tudo isto durou longos minutos. Até que comecei a perceber-me presa por correntes que cada vez me apertavam mais e mais à volta dos braços. Como num abraço. Onde, em vez de ser aconchegada por dois braços quentes e tranquilizantes, era simplesmente apertada, cada vez mais apertada!, por correntes, ou por um qualquer cinto, que me prendiam desde os ombros até aos cotovelos…
Não houve dores. Apenas a pressão do peso do Mundo inteiro em cima de mim, a pressão da rigidez do granito, a força extrema das correntes que me apertavam dos ombros aos cotovelos. Tudo isto como num abraço. Mas o abraço mais desconfortável, mais aflitivo, quase agoniante que senti até hoje.
Não sei quanto tempo durou. Só sei a intensidade que teve. E a certeza de que este não era, nem é!, o abraço de que preciso. Mas, sei agora, este é, de facto, o famoso Abraço da Esclerose Múltipla. A minha curiosidade mórbida ficou, finalmente, a saber como é. Pavoroso. Horrível. Aflitivo. Desconfortável. Agoniante. Gostava de poder dizer que não quero repetir. Mas já sei que estou sujeita a que se repita a qualquer momento, sem sequer haver pré-aviso.
E o que eu queria mesmo era um abraço do terapeuta fofinho…não este que tive hoje e que vem acompanhado de um grande sofrimento.
Não!, o que eu queria mesmo era aquele abraço quentinho e protector, aconchegante e tranquilizador. Não só o abraço do terapeuta fofinho. Mas, acima de tudo, o abraço dele. Não este…