Daily Archives: 23/05/2014

Cheio, intenso e sem açúcar

Referia-me assim ao café hoje de manhã. Que é assim que o tomo, sempre, que é assim que deve ser porque para ser alguma coisa que seja em grande, que seja forte, que seja puro.

Aplica-se a tanto mais do que apenas café. Até ao vinho, por exemplo. E tanto o café como o vinho dos últimos dias de constância na minha cabeça não passam de meras metáforas para realidades que estão do lado de fora e que apenas como metáforas consigo partilhar.

Sim, gosto muito de café. Sim, estou a gostar do vinho. Mas, lá está, sem aditivos, puros, em quantidade e em qualidade. Tudo. Tudo, como todos os dias atrás de dias. Experiências atrás de experiências. Assim, as emoções, as sensações, boas ou más, mas sempre grandes, fortes e puras. Porque os aditivos, como o açúcar no café, tiram o verdadeiro sabor das coisas, seja ele demasiado amargo, ou com um travo já de si doce. E a medida sempre alta, porque para ser que seja em grande. E a qualidade, sempre a mais intensa, mais forte, mas nunca queimada. Porque se é para sentir, então que me percorra cada poro, cada camada de pele.

E porque também isto é estar viva. E é querer viver. A vida. Assim, cheia, intensa e sem açúcar.

b12a1a68-60f7-4ae6-84d1-d727b48d364a

“Born bad…is such a sin!”

…ou quando o título do post não tem nada a ver com ter ou não nascido bad e sim com o filme de esta noite. Que me apanhou de surpresa por querer, há tanto tempo, revê-lo e quando menos o esperava o encontro ao chegar a casa depois de um dia estranho, ansioso, dorido, abanado.

Saber de manhã, ou pelo menos à hora que para mim ainda é manhã, que alguém de quem gosto muito se despistou com o carro e fez um pião de 360 graus. Saber que está, ainda, e estará mais uns dias no hospital. Nada de grave, felizmente. Diz ela que sim, está bem, mas mesmo assim…abanou-me. Abalou-me. Diz ela também que a vida é muito frágil, estranha e breve, e é, claro que é e sei tão bem que é. E doeu ler a notícia. Mesmo sabendo que está bem, tantas memórias me vieram à flor da pele. Sim, Pê, estás bem, felizmente! E espero que os 360 graus do pião sejam também 360 graus nessa cama de hospital, porque nem sempre uma viragem de 180 é positiva. Prefiro-te a virar a 360 e ver-te voltar ao que eras antes do pião.

…mexeu cá dentro. Porra, mexeu tanto. Por não esperar, por não saber o que pensar, mesmo que lendo repetidamente “eu estou bem”. Mexeu, fez-me viajar no tempo, 6 meses e 12 dias. Fez-me pensar “merda! e se…?!”. Não se aplica o “e se”, mas mexeu. Remexeu. Remoeu. Pê de Põe-te Boa, já sabes. Pê de não vais ficar aí muito tempo, vais estar apenas por Pê de Precaução, tenho a certeza. E quando saíres vamos comer o nosso 100, beber o nosso café, falar, falar, falar, falar! Mas amanhã vou, tenho que ir, dar-te um abraço. Não posso não o fazer. Não posso perder tempo, já o tenho dito, não tenho tempo para perder tempo e não posso perder tempo não estando com as Pê de Pessoas que gosto tanto.

Dia tão estranho. Mistura de sentimentos. Mistura de situações. Sim, misturei o não misturável. Sim, sei que o fiz desde o primeiro momento mas não me consegui descolar da mistura porque à flor da pele ainda cá está tudo. E a ansiedade instalou-se e minou-me como sempre faz. Por vezes aparece de mansinho, outras aparece como um estalo inesperado. Hoje não percebi como foi mas instalou-se. Cortou-me o ar, fez-me tremer. Fez-me pensar “e se…?” e eu detesto pensar “e se…?” porque e se não?
Dizem, digo também, que a ansiedade é pensar no que ainda não aconteceu. Pensei, sim, no que poderia ter acontecido. E vi e revi na minha cabeça um filme que não gosto, não gostei, nunca irei gostar. E revivi outro filme. E doeu. E moeu.

O dia arrastou-se. Literalmente. Arrastou-se ao ritmo dos minutos lentos que demoram a passar. Arrastou-se até começar a reagir. Mesmo depois de muita música para queimar tempo, mesmo depois de viagens à memory lane, viagens das boas, daquelas viagens a memórias guardadas com carinho por serem boas, muito boas, realmente muito boas. Daquelas de arrepiar a pele, de acelerar a respiração. De querer viver, novamente, o aqui e agora. Mesmo sabendo que não, não vai haver esse aqui e agora.

Arrastou-se o dia com tanto para fazer e nada, praticamente nada, feito. Uma luta por dentro, como é tantas vezes, como custa tantas vezes.

Obrigar-me a sair depois do jantar para um olá surpresa num aniversário surpresa, não foi fácil. Venham daí as drogas, pensei. Claro que sim, a ansiedade só lá vai com as drogas e esta semana já vai na segunda vez que recorro a elas, quando ao fim de 20 anos já deveria saber lidar com esta coisa que não é uma coisa mas sim um bicho muito feio e filho da mãe. Mas saí. E pensei bolas, quero viver e viver também é isto, é sair de casa depois do jantar só para ir dar um beijinho surpresa num aniversário surpresa, estar um bocadinho, conversar um pouco e voltar para casa. Sim, viver também é isto. Aliás, viver é isto, não é arrastar um dia, minuto a minuto, só porque o tempo tem que passar e não podemos fazer nada contra isso. Sim, viver é muito mais do que ver os minutos a avançar no relógio. Viver também é o arrepio na pele provocado pelas memórias. Também é sair para fazer uma surpresa. Também é levar um abanão porque alguém rodou a 360 graus. Viver é tão mais isto, caramba…

…e chegar a casa e ser surpreendida por um filme. Nada mais do que um filme, que finalmente me acalmou a ansiedade. Um filme que há tanto tempo queria rever, que apanhei já quase a meio mas que vou rever novamente amanhã. Ou depois.

Um filme violentíssimo, muito, mas ao mesmo tempo uma história de amor. Disfuncionais, os protagonistas desta história de amor. De amor e mortes, muitas. Sem sentido, claro, como todas. Mas de amor. Sem dúvida. E retenho a frase que diz tudo: “Only love can kill the demon. Hold that thought.”
E é isto. Mesmo. Sem mais. Assim, tal e qual. Só o Amor pode matar o demónio. Seja esse demónio o que for, mesmo que seja apenas e só ansiedade. E o Amor, o Amor, esse, vem em tantas formas.

E ficam as memórias, prevalecem as boas, claro que sim, as que fazem, ainda hoje, tantos anos depois, arrepiar a pele e acelerar a respiração.

…e a ansiedade que acalma e aparenta estar longe daqui…

……mas continuo sem ver a Lua, sem ir ao terraço, sem beber vinho, sem ter cafezinhos, sem criar novas memórias. E isso, tudo isso, também é viver. E o que eu quero, mesmo, é viver. Porque, como diz a Pê, a vida é frágil, estranha e breve.

Para ti, Pê.

Papoilas. Ou manchas de vermelho paixão.