Daily Archives: 16/08/2014

E se eu chorar

…se eu chorar não me peças para não o fazer, nem tentes enxugar-me as lágrimas. Nem me digas que chorar faz bem. Claro que faz. Já sei, sabemos, que sim.

Se eu chorar, abraça-me apenas. Sem eu te pedir. Segura-me as mãos, chora comigo. Deixa-me ficar, quieta. Não tens que me dizer nada, ou se quiseres dizer relembra-me apenas que estás aqui.

Se eu chorar? Hei-de chorar tantas vezes ainda. Mas relembra-me que a Lua brilha todas as noites, mesmo quando não a vemos, mesmo quando está como eu, vazia. E a Lua olha por mim, sempre. Assim como eu olho para ela, sempre.

Se eu chorar? Se eu chorar só preciso de saber que, na tua ausência, na vossa ausência, a Lua há-de sempre olhar por mim.

Sou só parva

Anda comigo ver a Lua, que como eu já não está cheia. Mas que brilha lá em cima, ainda tímida, envergonhada.

E dá-me a mão. E diz-me que também isto vai passar. Que ainda é cedo, mas vai passar. E que não, não “sou só parva”.

Encosta-te a mim, quando eu deitar a cabeça no teu ombro e te disser baixinho que dói cá dentro. Uma dor que vem do vazio que é visível, uma dor que é indizível.

E quando te disser que tenho saudades, saudades do que já não é, saudades do que já não tenho, saudades do que pouco ou nada tive e que foi tanto e foi tudo, quando te disser que tenho saudades abraça-me com força. E diz-me, mesmo que num sussurro, que amanhã vai ser melhor, mesmo que a saudade, essa, dure para sempre e doa todos os dias.

Ou então não digas nada. Não me abraces. Mas segura-me na mão, nas duas. Com força. Aquela que preciso para continuar a sobreviver.

E deixa-te ficar assim. Comigo. Porque sim, estou carente. E porque sim, preciso que me dês a mão.

“Não digas nada, dá-me só a mão. Palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega. Parece-te estranho que a mão chegue, não é, mas chega. Se calhar sou uma pessoa carente. Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo.”

António Lobo Antunes