Daily Archives: 12/02/2015

#day178

Depois de ontem veio o hoje. E se o ontem foi o que foi, mau, magoado, dorido, zangado, triste, o hoje foi {mais} tranquilo.
A mágoa, a desilusão, continuam cá. Mas de hoje, o que conta mesmo, o que foi realmente importante, foi a nota de alta.

A partir de hoje, 8 meses depois, aquela porta volta a estar ali assim, à distância. Onde passei tantas vezes e, lembro-me bem, de cada vez que passava baixava a cabeça para fazer de conta que aquela porta, entrada para resolução de dores, não existia. Porque sempre achei que se evitasse olhar para ela, nunca teria que a cruzar.

A partir de hoje, dia de alta 8 meses depois, quando por ali passar, olharei para aquela porta de cabeça erguida. Por já a ter cruzado e porque faz parte da minha História. Olharei para aquela porta à distância porque não quero precisar de voltar a cruzá-la. Mas estarei sempre profundamente grata pelo que acontece para lá daquela porta.

E hoje foi um dia bom só por isto. Aliás, não só por isto. Mas essencialmente por isto. Nota de alta.

Sim, hoje FOI um dia bom.10990018_10152820636763800_6254172703952733594_n

APAV 8 meses depois {parte 3, a última}

Dos dias que contam: hoje, nota de alta. Hoje, última visita ao sítio onde não quero voltar. Mas onde precisei chegar.
Para reaprender a respirar sozinha. Para aprender a aceitar. Para aprender a compreender mesmo o que não tem explicação.

Foram 8 meses. De um apoio que precisei muito. E que, digo sempre, ainda bem que existe. Embora a sua existência se deva apenas e só a tudo o que de mau existe.

A APAV não apoia apenas casos de violência doméstica. Apoia qualquer tipo de vítima e de igual forma. E, aprendi, o que leva à existência da APAV não acontece só aos outros. Até porque os outros podemos ser nós um dia.

Não me identifico como vítima. Embora me digam que sim, não o sou. Sou, sim, familiar de vítima de crime violento. E também nestes casos a APAV está lá. E se sempre pensei que nunca iria precisar de recorrer aos seus serviços, porque como toda a gente sempre pensei que “isso só acontece aos outros”, descobri à força que os outros também somos nós. De um dia para o outro, quando menos se espera, passamos para o outro lado, para o lado “dos outros”. Onde nunca quisemos estar. Onde nunca pensámos que algum dia estaríamos.

Nunca tive problemas em pedir ajuda. Seja em que campo for. Porque ninguém caminha sozinho, porque ninguém sabe tudo, porque ninguém tem sempre resposta. Sempre que precisei de ajuda, pedi. E não me arrependo, em nada, de ter pedido a ajuda certa à instituição certa.

Sei que algumas pessoas me olharam de lado. Outras houve que me criticaram. Duramente. A umas e outras digo apenas o mesmo: fui onde tive que ir, onde precisei, muito, de ir.

Porque não soube, durante 7 meses, lidar com o que aconteceu. Não soube aceitar. Não soube entender. Não soube encaixar e arrumar. E deixei, também, de saber respirar. Tão simples quanto isso: respirar.

Elogio, muito, o trabalho da APAV e a disponibilidade imediata desde o primeiro telefonema. E que foi o que bastou. E a rapidez e prontidão com que me receberam. Bastou receber um telefonema da técnica responsável para ter o acompanhamento marcado para 24 horas depois. Acompanhamento semanal. Com horário de início, mas sempre sem horário para terminar.
Uma hora? Duas horas? Três horas quando foi preciso. E foram várias as vezes em que foi preciso. E foi ali, devagar, que me deixaram ser, me deixaram estar. Me deixaram falar, me deixaram chorar. Me deixaram estar em silêncio. Perguntar porquê. Perguntar “e agora?”. Perguntar apenas. As respostas foram todas dadas por mim. À medida que fui aprendendo a encaixar. A construir gavetas para arrumar assuntos doridos. E a cada nova sessão a certeza que respirava já um bocadinho melhor. E a cada nova sessão a certeza que já me doía menos abrir essas gavetas e enfrentar o que lá está guardado.

Hoje, 8 meses de APAV depois, 15 meses depois daquele dia de Novembro de 2013, respiro, abro gavetas e enfrento e aceito. Ou “aceito” porque há coisas que simplesmente temos que “aceitar” porque nada mais há a fazer. Mas respiro. Estou em paz. Tranquila. Já não fico à espera que o portão se abra. E já aceito que, quando abre, não chega quem eu gostaria de voltar a ver.

Hoje, recordei o primeiro dia de APAV. O quanto me doeu o primeiro passo para descer aquela rampa. O quanto me doeu tocar àquela campainha. O quanto eu não queria entrar naquele espaço. Porque achava que não pertencia ali, porque “só acontece aos outros”. O ar que não entrava à medida que me aproximava da porta. O peso que carregava dentro de mim por não conseguir chorar há 7 meses.
Entrei. Sentei-me. E chorei. Pela primeira vez, chorei. Falei. Fiquei em silêncio. Voltei a chorar. Voltei a falar. Duas horas e meia depois, ao sair, estava mais leve. O ar entrava. E tinha uma certeza: ali vou aprender a seguir em frente.

Hoje saí com um sorriso. Despedi-me com um “não quero cá voltar” e um “muito obrigada por tudo”. Fechei aquela porta atrás de mim, subi a rampa, segui o meu caminho sem olhar para trás. E segura de que, mesmo não querendo lá voltar, sei que quem precisar tem ali um porto seguro para reaprender a viver, para reaprender a respirar, para recuperar o sorriso.

Muito obrigada a toda a equipa APAV. Aos técnicos, aos voluntários, aos funcionários, todos. O vosso trabalho É muito importante. E é feito de coração. Muito obrigada por estes 8 meses, mesmo que alguns bastante doridos. Muito obrigada por me reensinarem a respirar. Muito obrigada por tudo. E em jeito de agradecimento, será para a APAV que irei consignar o meu IRS daqui para a frente, não apenas este ano.


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