#day261

Os cemitérios são locais estranhos. Ou melhor, não são estranhos, mas parecem.
São uma espécie de museu, onde são depositadas memórias. Porque o que lá se deixa, o que lá se deposita, não passa disso mesmo: memórias.
Dos que foram, dos que partiram à nossa frente, é só isso que fica.

Porque quando entregamos alguém a um cemitério entregamos apenas o que é palpável, físico. Que se desfaz com o tempo, que também ele deixa de existir.
A outra parte, aquela que não é visível, não é palpável, a mais importante, já lá não está. Já não pertence ao plano físico.

Restam, então, as memórias. E as presenças na ausência.

Hoje fiz as pazes com os cemitérios.
E percebi que é possível sentir-me em paz ali.

Percebi hoje o que é aquilo que sempre senti num cemitério. Uma paz difícil de explicar. E ao mesmo tempo uma espécie de inquietação que não sei, ainda, explicar. Mas que está lá. Como um sussurro.

Quantas histórias conta um cemitério? Quanta História está depositada num cemitério?

Dei por mim hoje em paz num cemitério e a sentir novamente aquela paz estranha e aquela inquietação. E a recordar-me de, na infância, passar horas a brincar no cemitério ao lado dos escuteiros. A visitar o túmulo da minha tia-bisavó, que Portugal conheceu mas eu não. De ficar ali, a apanhar pedrinhas e flores. De me sentar na beira da pedra tumular como se estivéssemos a conversar, eu e a minha tia-bisavó.

Fazia o mesmo noutros túmulos que me eram desconhecidos. Mas que de alguma forma pareciam chamar-me.

Percebo, agora, que era para mim algo perfeitamente natural e normal brincar no cemitério e ficar à conversa com os túmulos e jazigos e campas, mesmo sem emitir um som. E percebi também que, ao crescer, essa naturalidade se perdeu. Por se ter perdido a inocência ganhando em perdas que nem sempre se entendem como partidas, fins de ciclos.

Percebo agora que encaro os cemitérios de forma mais pacífica do que até há bem pouco tempo. Porque voltei a sentir o que sentia na infância. Porque voltei a conversar, a ouvir, a sentir. As histórias e a História que os jazigos de hoje partilharam comigo. Alguns com 160 anos de História e histórias.

Não, não enlouqueci para falar de cemitérios. Não enlouqueci para dizer que converso com campas, túmulos ou jazigos. São, apenas, coisas minhas. Metáforas ou não. Mas que apenas têm que fazer sentido para mim.

E saí de lá em paz, como entrei. Leve. Muito leve.

E pela primeira vez tudo se encaixou e fez sentido.
E voltei a ter 7 anos, altura em que saltaricava pelo cemitério e apanhava pedrinhas e cantarolava baixinho.

Não, não enlouqueci. Mas também nunca escondi que não sou muito normal =) e é tão bom não o ser ♥11036898_10153008871453800_6098891820320015968_n

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