Daily Archives: 04/07/2015

#day320

A magia existe. Já o disse aqui tantas vezes. E já disse aqui também tantas vezes que o Jardim da Estrela está carregado dela.

Se dúvidas houvesse, hoje teriam acabado.

Um dia que amanheceu cinzento. Não apenas o céu mas eu mesma também em tom de cinza escuro depois de mais uma noite em branco a ouvir os sussurros dos meus demónios que insistem para que voe. A minha luta com eles. Os diálogos na minha cabeça que não chegam a ser diálogos, apenas monólogos, porque não chegam aos destinos. Adormecer, finalmente, perto da hora de acordar, sempre às voltas com o desassossego.

Sair de casa tão mais tarde do que era suposto porque o peso do desassossego e da noite agitada, em branco, me prendia os movimentos.

Seguir caminho a custo, acompanhando as nuvens cinzentas como eu, a ameaçar chuva como eu. Não conseguir falar a ninguém à chegada, porque o nó na garganta apertava e ameaçava desfazer-se em pranto.

Recusar as brincadeiras matinais habituais que começam ainda no café ao pequeno almoço. E dizer quase sem pensar, de olhos molhados, “hoje não, pára com isso ou mando-te à merda”. Sufocar o choro que quis rebentar ali e rematar com “só não te mando já à merda porque tenho memória” e perceber na troca de olhares que a mensagem foi recebida e entendida. Porque não me esqueço e sou grata, muito, por aquele abraço naquele dia em Belém em que tudo começou a terminar.

Evitar, a todo o custo, falar. Evitar, a todo o custo, levantar os olhos do chão para que não se visse a chuva que ameaçava cair.
Entrar no Jardim……

……entrar no Jardim e tudo começar a mudar. Montar a banca em piloto automático rapidamente. Depois de tudo pronto recolher-me para o meu nicho. Uma espécie de ninho na base de uma árvore. Aquela cuja espécie desconheço mas que já chamo de minha.

Sentar-me no chão, como sempre, encaixar-me, literalmente, naquele nicho e deixar-me ficar. E o céu a ficar azul e eu a perder o cinzento escuro. As nuvens que desapareceram e os meus olhos que secaram.

Regressar lentamente pelo peso do sono e já não do desassossego ao meu posto. E dar por mim, de repente, a alinhar nas brincadeiras que tinha recusado pouco tempo antes, retomando a normalidade.

É ali, sem dúvida, que me encontro. Que me liberto de tantos pesos, que acalmo desassossegos.
É ali que o céu passa de cinzento a azul, lá fora e cá dentro.

É ali que me alimento do que me traz paz. Que me escapou por momentos, dias, mas que faço questão de manter agora que está a regressar. É ali, também, o meu porto de abrigo.

E é moída e cansada que hoje me deito sem diálogos que são monólogos, sem fantasmas que se apresentam e sem demónios que me sussurram para que voe.

Hoje? Durmo em paz. Porque a magia existe.10568959_10153149863008800_4710281386355455737_n

{desassossego}

de·sas·sos·se·go |ê|
 substantivo masculino
 1. Inquietação.
 2. Perturbação de ânimo.

 "desassossego", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/desassossego

É aquela inquietação que tem vindo a subir de dia para dia, quando tudo o que queria era manter aquela Paz que fui conquistando. É aquela perturbação de ânimo que se tem vindo a sentir de dia para dia, quando tudo o que queria era manter-me positiva e tranquila ao fim de tantas tempestades.

Inquietação que me corrói por dentro, que me amassa, que me faz voltar a não querer dormir. Porque, mesmo não querendo, acordou os fantasmas que vivem no interior da minha cabeça. E com os fantasmas vêm os demónios. Que me sussurram planos de vôo, que me dizem para os ouvir, que me incitam a criar asas. Que me fazem tremer novamente, porque sei que continuo a dar-lhes ouvidos mesmo que já saiba que daquelas vozes, que por vezes parecem doces, nada de bom vem.

Voa!, dizem-me. Mas eu não quero. Não o vôo destes demónios que me visitam quando a inquietação os acorda. Os fantasmas, esses, não me assustam. Apenas estão lá para me lembrar do que passou, do que foi, do que afinal não foi, do que podia ter sido mas afinal não. Esses, os fantasmas, não me sussurram, não me cantam, não me encantam. Mas os demónios…esses riem-se, divertidos. E dizem-me que voar é bom. E quanto mais alto melhor, dizem-me eles. Oiço-os tantas vezes, demasiadas vezes, a rirem ao meu ouvido, divertidos, e a garantirem-me que voar é bom. É libertador, dizem eles. Mas eu não quero. Não os quero ouvir. Mas oiço. E mesmo que não lhes faça a vontade, mesmo que não lhes obedeça, sinto-os muitas vezes a empurrarem-me. A puxarem-me do lado de fora do abismo. Para junto deles. E continuam a rir e a cantar.

Os demónios, mesmo quando estou junto ao chão, dizem-me para voar. Porque há tantas formas de voar. Mas eu não quero. Quero voltar a sentir-me de pés no chão, ainda que a cabeça seja um bocadinho de vento por vezes. É no chão que quero sentir cada um dos meus passos, cada um dos meus movimentos. Não quero conhecer a vertigem do vôo que os meus demónios me garantem ser tão boa. Não quero. Mas não consigo silenciá-los. Não agora. Já não.

E cresce a inquietação. E com ela regressam os diálogos na minha cabeça. Que não passam de monólogos, é certo. Porque nunca chegaram, nunca irão chegar, aos destinos. Os diálogos onde te digo, tantas vezes, que a culpa não é apenas minha, é também tua. É dos dois. Ou quando te digo, a ti, que acreditei demais, confiei demais, aceitei demais. E que, se calhar, sonhei demais.

Os diálogos, que nunca irão chegar aos destinos, aconchegam os meus fantasmas, alimentam os meus demónios. E o desassossego que trago, novamente, cá dentro, perturba o ânimo, tolda-me o pensamento, deixa-me com dúvidas quanto ao próximo passo. Se em frente, de pés no chão, se para cima com a vertigem do vôo. Não. Não. Não. Não quero a vertigem. Não quero o vôo. Não quero estar, novamente, à beira do abismo. Porque, desta vez, sei que é tão mais fácil saltar. E eu nunca gostei do caminho fácil. Mas oiço os demónios a rir, contentes, felizes, e quase acredito neles. Quase confio neles. Quase quero dar-lhes ouvidos.

Os fantasmas e os demónios regressam sempre que me falta a luz de presença. Que neste momento não sei onde está. Onde encontrá-la. Não encontro farol que me guie. Abre os olhos, dizem-me, e vê. Está mesmo aí. Mas o único farol que vislumbro está apagado. Nunca teve a luz que julguei que tinha, que acreditei que lhe tinha visto. Não passava, essa luz, de um reflexo do que eu mesma procurava. Não era luz própria, não era luz de presença. É, por isso mesmo, um farol em que não posso confiar, porque pela ausência de luz própria ora o vejo como um todo e o reconheço, ora fico na dúvida se sequer existe.

Falta-me a luz. Mas não a quero procurar. Arrisco-me a confundir-me novamente. E em vez de uma luz de presença que julgo ver, posso encontrar as luzes de uma pista de aterragem de um vôo que não desejo mas que os meus demónios me garantem ser tão bom.

Tenho saudades de estar novamente em paz……paz que deixei escapar não sei quando nem sei porquê. Que trazia comigo e acreditava estar tão sólida, mas que afinal me era tão frágil ainda. E o tempo passa e olho para trás, um ano, é o suficiente, e recordo tudo. A ansiedade que me consumia, que me fez perder o Norte e me levou a procurar não sei bem o quê e que encontrei não sei bem como. A dúvida que veio depois. A certeza. E tudo o resto que veio daí. E a dor. Acima de tudo a dor. Não quero nada disto para mim novamente. Mas os meus fantasmas estão cá para me recordar de tudo. E os meus demónios a insistirem comigo para voar. Acaba-se o desassossego, dizem-me eles. E eu quase acredito. E quase confio. E quase quero voar. Quase. Quase. Quase. Não quero! Não. Não quero. Não quero este vôo. Mas, ao mesmo tempo, não quero reviver datas. Não quero revisitar memórias. Não quero nada disto. Não quero chorar novamente, mesmo que os olhos se inundem ao mesmo tempo que escrevo o que não quero. Não quero sentir tudo de novo, mesmo que agora seja unicamente a memória a fazer-se sentir. Não quero reviver os dias de Julho. E os meus demónios insistem, voa! Voa e não sentirás nada nunca mais. Não quero voar! Mas também não quero o Verão. Não quero os dias 18, 20, 22, 25, 28, 31. Não quero nada disto. Sei as datas de cor, sem olhar para cábulas, recordo-as todas. Mas não quero voar.

Quero, novamente, a paz que já encontrei e que sei que existe. Falta-me a luz de presença. Falta-me a âncora para me manter no lugar, falta-me a mão para me manter à tona, falta-me a bússola para me mostrar o Norte. Não, o caminho não é voar. É manter os pés no chão enquanto dou um passo de cada vez. Mas, para isso, preciso de não me afundar novamente…

……e, só por isso, por estar prestes a descarrilar, digo baixinho para mim mesma: preciso de ajuda.