#day347

Hoje faço batota nas fotos. Vou repescar uma de há um ano. Uma das duas únicas de há um ano que sobreviveram. Como eu.

Lembro-me deste dia como se tivesse sido hoje. Sei exactamente a que horas acordei. Os passos todos que dei desde que saí da cama até sair de casa. O abraço apertado que deixei ao microsobrinho como que a pedir-lhe um bocadinho da força e coragem que sempre teve. A frase da minha mãe antes de fechar a porta, “vá, agora vai com calminha, está bem? Vai telefonando.”

Sei exactamente onde fui tomar o pequeno almoço e o quanto me custou aquele percurso de 500 metros a pé. Não pela distância, mas pela direcção quando tudo o queria era voltar para trás.
Sei exactamente o que pedi ao balcão e o que pedi interiormente. Lembro-me da empregada do costume comentar a minha ausência de sorriso naquela manhã. Naquele sítio onde me recebem sempre com um sorriso, onde respondo sempre com um sorriso. “Muito sono, hoje. Noite difícil, esta”, menti.

A boleia que chegou. A viagem para Lisboa praticamente em silêncio. Numa espécie de cumplicidade. Ou entendimento mútuo.

As escadas, os corredores, a sala, a espera. A ansiedade. O frio daquilo tudo num dia cinzento de final de Julho. Mas sem chuva. Não conseguir ficar sentada à espera. Deambular pelo corredor. Tirar fotos só porque sim a tudo e a nada só para apagar a seguir. A música no telemóvel. Yann Tiersen, que mais?

O silêncio. Gelado. O não conseguir falar. O não querer falar. O querer sair dali rapidamente.

A chamada, finalmente. Respirar. Simplesmente respirar. E a saída.

…e as dores que aumentaram logo ali. O enjôo. O almoço que não se aguentou no estômago muito tempo quando foi preciso regressar porque algo estava errado. O calor. Muito. Tanto. A espera, novamente a espera. Dia cinzento mas demasiado quente. Gelado cá dentro.

Os telefonemas. As lágrimas. As primeiras depois de muitas. As mais contidas porque só choro a sério em casa. As mensagens. Novamente os telefonemas. E quero lá saber se amanhã é dia de ligar para Belém! Quero o contrário disto! Mas o contrário era impossível há já vários dias.

O corpo cansado. A alma quase inexistente porque não estava realmente ali. Dormir. Dormir ajuda, apesar das dores.

O jantar. Lembro-me tão bem dele como do almoço. Teve melhor sorte.

As conversas, poucas. Pouco havia para dizer, para conversar. Não naquele momento, não assim.

O meu corpo e o meu espírito num turbilhão. Por fora uma tranquilidade falsa. De faz de conta. Percebo hoje, um ano depois, que já era muito boa nesse jogo. Do faz de conta. Hoje, um ano depois? Sou perita.

Um ano depois. Um muito longo ano depois. Em que revivi este dia 365 vezes, pelo menos. 366 hoje.

Não, não me esqueço de nada deste dia. Mas gostava de esquecer. Gostava que o nó na minha garganta não estivesse cá como tem estado o dia todo há já uns dias. Gostava de conseguir respirar novamente sem romper em lágrimas quando o ar já não entra. Gostava de recuperar aquele sorriso ao canto da boca que tinha há uma semana. E o brilhozinho nos olhos de quem olha em frente e não para o chão.

Gostava. Mas esquecer não é possível. Nem opção. É mais uma história da minha História. A mais dorida e doída de todas as minhas histórias. Não posso, também, fazer de conta que não aconteceu. Embora seja perita a fazer de conta tanta coisa.

Mas, um ano depois, apesar das memórias e da intensidade da memória, apesar de sentir hoje no meu corpo tudo o que senti naqueles dias que começaram neste dia, apesar de ter revisitado hora a hora, minuto a minuto, tudo o que vivi nesse dia, estou serena. Apesar da pressão no peito que não me deixa respirar, apesar do nó na garganta que me impede de {voltar a} chorar, apesar da tristeza que hoje me acompanha, estou serena. Sem ter que fazer de conta.

E só por isso este dia foi um bocadinho menos mau do que poderia ter sido.

Mas a memória, as memórias……está cá tudo.

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