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Já devias saber que muitas vezes ouves comentários que te fazem doer. Aliás, sabes que sim. Ainda é difícil ouvi-los, mesmo que em por acaso em linhas de conversas cruzadas. Mesmo que não sejam dirigidos a ti.

Podes ter vontade de te levantar e dizer “vamos mudar de assunto” ou até “e que tal não falarmos disso” ou ainda “não fales do que não sabes”. Podes ter vontade de intervir e expôr o que sentes, o que pensas e o que, de facto, sabes. Porque sabes mais e melhor do que quem puxou o assunto que apenas sabe de ouvir falar. De ouvir dizer. De experiências de terceiros.

Podes ter vontade disso tudo. Tens esse direito. Porque não é o tempo que durou uma experiência que lhe vai atribuir maior ou menor importância. Que lhe vai dar maior ou menor valor. Que vai dar maior ou menor sofrimento na hora da perda.

Uma perda é uma perda. Uma perda inesperada será sempre uma perda inesperada. Seja um amigo, seja um familiar, seja um filho.

Seja um filho às 8 semanas que foram 42 dias, seja um filho às 19 semanas, seja um filho aos 6 meses, seja um filho aos 4 dias, seja um filho aos 28 anos.

Uma perda será sempre uma perda. Não importa quanto tempo durou. Um filho será sempre um filho. Não importa quanto tempo esteve por perto. Fará realmente diferença a questão do tempo?

Já devias saber que muitas vezes ouves comentários que fazem doer. Comentários que desvalorizam a tua perda porque, afinal, foram só 42 dias. E vais ter vontade de intervir. E de dizer que a dor da perda de um filho não se quantifica. Não é a quantidade de tempo que vai definir quem sofre mais. Se a mãe que não o chegou a ser porque não passou de 42 dias de gestação ou se a mãe que nunca deixará de o ser apesar da perda com 28 anos.

Uma perda é uma perda. A perda de um filho é a perda de um filho. Não é quantificável. Muito menos é comparável.

Já devias saber que muitas vezes ouves comentários que fazem doer. E que nessas alturas volta tudo à superfície. E apetece gritar, apetece fazer má cara, apetece sair dali.

Já devias saber. E, no fundo, sabes. Simplesmente ainda não te habituaste. Não sei se alguma vez te irás habituar. Mas não podes, nunca!, esquecer-te que sim!, tens direito à tua dor da tua perda. E que não!, ninguém tem o direito de a desvalorizar, quantificar, comparar. Porque uma perda é uma perda. Uma perda de um filho é uma perda de um filho. E a tua perda do teu filho é a tua perda do teu filho.

Uma perda é uma perda. Mesmo que tenham sido 42 dias.

A minha perda é a minha perda.

A minha perda do meu filho é a minha perda do meu filho. Mesmo que tenham sido 42 dias.

Há 950 dias.

{comentários}

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