Monthly Archives: June 2017

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E os dias vão passando, um atrás do outro atrás do um. Dias mais serenos, mais tranquilos, ainda que tenha plena noção que essa serenidade, essa tranquilizar, são artificiais fruto de medicação de estabilização. 

Vão passando os dias, a correr e simultaneamente sem pressa. Ou sem pressa e simultaneamente a correr? O que for… Porque vão passando, os dias, de um modo linear, numa estabilidade artificial e rígida quimicamente induzida, criando uma falsa sensação de segurança. Onde as vozes vão perdendo força e são substituídas por sussurros novos que me repetem ao ouvido que vai correr tudo bem e que este ano o Verão vai ser melhor. 

O Verão ainda agora começou. E Julho ainda não começou sequer. E os dias vão passando, ao seu ritmo. Até que, de um momento para o outro, o meu ritmo passa a ser outro, volto a acelerar, volto a perder as cores, volto a recordar onde estava nesta data há 3 anos, volto a repetir para mim mesma que tenho saudades tuas, que sinto a tua falta, que nesta data há 3 anos estava grávida, que nunca aconteceu aquele diálogo que cheguei a fantasiar durante tantos anos em que iria chegar a parte em que, com um sorriso, diria “estou grávida”. 

E percebo, nessa minha mudança de ritmo, que afinal ainda sinto coisas. Ainda sinto as coisas. Ainda tenho vontade de andar para trás no tempo e reviver-te. Não apenas sobreviver-te. 

Percebo que aquela falta de vontade de ver o Mundo, aquela ausência de brilho nas cores à minha volta, aquela angústia de nó na garganta, aqueles olhos carregados de lágrimas ao simplesmente agradecer por permitirem que existas, percebo que tudo isso me diz que o Verão ainda agora começou, Julho ainda não começou sequer, e tenho medo do mês que aí vem… Medo de não conseguir não me afundar novamente. Medo de não conseguir não me agarrar àquelas memórias sem chorar. 

E hoje novamente o nó na garganta, hoje novamente a vontade de me fechar, hoje novamente a falta de cor, hoje novamente tudo o que me doeu há 3 anos, o que me faz doer ainda hoje. Mais do que gostaria… 

Hoje, mais uma vez, a ausência de cor. 

Hoje, mais uma vez, um dia atrás do outro atrás do um.

Hoje. Amanhã logo se vê. 

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Das coisas que me tenho esquecido: perceber as pequenas coisas positivas. Muitas coisas pequenas fazem uma grande. 

Como, por exemplo, sair de casa de manhã cedo com muita chuva para, pouco tempo depois, voltar a ver a cor do céu. Azul. E branco. 

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Entre a bandeira vermelha de há um ano e a bandeira verde que se pretende, eu assim, em bandeira amarela. Com cautela, cuidado, atenção. 

Eu, bandeira amarela de praia vigiada por nadador salvador. 

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30 de Janeiro, segunda feira. A última vez que passei para o papel coisas que não passo para o éter. 

“Devias juntar tudo o que escreves. Compilar tudo. Qualquer dia podias escrever um livro.”

As palavras escritas sempre me foram fáceis. Durante anos andei sempre acompanhada de um bloco e uma caneta. Ia escrevendo sem rumo, sem objectivo. Pensamentos? Ideias, talvez. Poesia por uns meses. Depois fechei-me do Mundo, deixei de escrever. Até chegar a Internet lá a casa. 

Comunicar no éter, escrever porque sim. Uma página pessoal, pensei eu tantas vezes. Até que alguém me falou de uma coisa nova, que era mais simples do que uma página pessoal. Chamavam-lhe web logs. Blogs. Estávamos no início do Verão de 2003. Agora que penso nisso, faz por estes dias 14 anos que criei o meu primeiro blog. Com exactamente o mesmo nome que tem este. Sem temática definida. Ia escrevendo sobre tudo, mas acima de tudo sobre nada. Durou 5 anos de escrita constante, diária. Não me lembro porque deixei de escrever…porque a vontade continuava cá. Mas alguma coisa me levou a parar. 

2 anos depois percebi que era uma necessidade que precisava de ser atendida. Recuperei o arquivo do alojamento anterior. Queria recuperar todos aqueles anos de escrita. Instalei o blog em alojamento próprio. Estava tudo pronto para voltar a soltar no éter o que quer que fosse que me apetecesse. Até que, quando tudo estava pronto e por pura azelhice, apaguei tudo sem querer. Não fui a tempo de recuperar backups do alojamento por não ter dado pela asneira mais cedo. Voltei a ter uma página em branco… Ou melhor, todo um novo “caderno” cheio de páginas em branco. E assim ficou por mais de três anos. 

Até ao dia em que a ansiedade que me sufocava me fez voltar a debitar no éter. Há 3 anos. Escrever porque sim, porque não, porque também. Porque a ansiedade era quase mais forte que eu e o meu rumo era nenhum. Voltei a escrever como há muito tempo não escrevia. Escrever sem filtros, escrever sem reler antes de publicar, escrever sem auto-censura. Escrever sem compromisso, sem obrigatoriedade ou obrigação. Sem prazos. Sem datas. E assim fui escrevendo. Sem pressa. E completamente sem rumo. 

Até que Agosto de 2014 se fez presente. Até que escrever, debitar no éter, se transformou numa espécie de terapia, uma questão de sobrevivência. 1043 dias depois de 18 depois de 42, e escrever diariamente é o que me tem permitido respirar, digerir e avançar. Mesmo que tantas vezes ainda o ar não entre, tantas vezes ainda não consiga digerir, tantas vezes ainda regrida no processo de avançar. 

É a escrever que exorcizo fantasmas, mesmo que por vezes dê lugar às vozes que ainda me visitam. É a escrever que reflicto sobre o que ainda me dói, mesmo que não perceba no imediato. É a escrever que lanço no éter o que, por algum motivo, não consigo fazer chegar de outra forma. Mesmo que tanta coisa não chegue a lado nenhum. É a escrever que vou dizendo o que nem sempre tenho oportunidade de verbalizar. Ou coragem para o dizer…… 

Perdi o rumo da escrita por aqui. Ou se calhar não o perdi e o rumo do que vou escrevendo é exactamente este. Com altos e baixos. Baixos muito baixos tantas vezes. E a tentar, todos os dias, voltar aos altos. 

E no meio de tanta coisa escrita alguma coisa há-de fazer algum sentido. Mesmo que raramente leia o que ficou para trás. 

Voltei aos cadernos, entretanto. Inicialmente apenas como uma ferramenta complementar ao acompanhamento psicoterapêutico. Seria apenas para breves apontamentos no início de uma relação terapêutica que ainda não sabia o rumo certo a tomar. Mas sempre tive dificuldade em fazer breves apontamentos. Ou resumos. Escrever pouco nunca me foi fácil. Como é que se consegue reduzir a meia dúzia de pontos um Mundo imenso que trago comigo? 

Fui escrevendo todos os dias, pondo no papel tudo aquilo que não cabe no éter. Fui escrevendo tudo aquilo que não sei dizer em voz alta a menos que esteja a ler. Fui escrevendo todos os dias, fui lendo algumas vezes, chorei a ler em voz alta outras tantas. Nunca tinha percebido até ler em voz alta o quanto pode doer o que vou escrevendo…… Seja no éter ou no papel. 

Hoje apetece-me voltar ao papel. Acabo, no entanto, por me dedicar ao éter. E desta vez não posso, de maneira nenhuma, perder tudo o que escrevi nestes últimos 3 anos, tudo o que debitei no éter. 

Tenho que compilar tudo. Juntar tudo de uma forma física. Porque o lugar das palavras escritas é no papel. Irei fazê-lo. Juntar tudo, guardar em capa própria. Encadernar, porque não? Mas não será mais do que um arquivo pessoal. Que me é importante manter por perto. Porque tudo o que tenho escrito nos últimos 3 anos não tem que ser um livro como já várias pessoas me sugeriram. Porque o que tenho escrito nos últimos 3 anos não interessa a ninguém. Não ensina nada a ninguém. Não é útil para ninguém. Afinal, quem iria dar-se ao trabalho de ler aquilo a que nos últimos dias dei por mim a chamar de “Diário de uma Depressão”…? 

Continuarei a escrever. Enquanto me fizer sentido. Enquanto me for necessário. Diariamente como nos últimos 1043 dias. Com mais ou menos coisas para debitar no éter, com mais ou menos altos e baixos. Continuarei a escrever. Porque não sei ser de outra forma que não em palavras escritas. 

Livro? Não. Um dia não escrevo um livro. Simplesmente porque não tenho nada para escrever que faça sentido chamar-lhe livro. 

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Sair da zona de conforto. Preciso. Mas não saio. Quero. Quero? Quero, mas até que ponto? É mais fácil não sair. Simplesmente deixar-me ficar por aqui. Um aqui melhor hoje do que há um ano, ou há 6 meses. Até mesmo 3 meses. A medicação ajuda, de facto. Ajuda a estar melhor. Não ajuda a sair da zona de conforto, no entanto.

Hei-de sair. Pode ser aos poucos? Procurar novas rotinas, reencontrar pessoas. Até mesmo encontrar pessoas novas, quem sabe? Não sei… Assusta-me. A ideia de sair da sombra, mostrar-me. Aos velhos amigos e conhecidos. Mas sobretudo a potenciais novos.

No fundo, o que me assusta sou eu mesma. E a minha interminável capacidade de fazer asneira e repetir os mesmos erros de sempre.

Um dia. Um dia respiro fundo e saio da zona de conforto. Mesmo sem saber como se dá o primeiro passo. E o segundo. E todos os seguintes. E se voltar a repetir os mesmos erros de sempre? Paciência… Talvez seja a única forma de ser o que sou.

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“- Vou-te fazer uma pergunta: como é que sabes que Luiz de Camões existiu?” 

Perceber que, apesar de repetir inúmeras vezes no início da conversa que o meu filho não existe, é na memória que provo a sua existência. 

Não existe, já, no plano físico. Para alguns pode até nem ter existido. Pode não ter tido importância, relevância, o que for. Mas existiu. Para mim. Comigo. Mas, especialmente, em mim. 

E, apesar de não o ter ao meu lado, mantenho-o comigo, em mim. 

Dizem-me que a memória não se apaga. “Mesmo ao fim de 30 anos”. E será essa memória que ficará comigo. Que irei preservar. E, acima de tudo, honrar. 

Não tenho o meu filho. E é estranho, muito, ouvir alguém a referir-se a ele como se ele estivesse ao meu lado. Ouvir alguém a tratá-lo pelo nome. “O João”, e eu ainda não me habituei a que haja quem o trate pelo nome. Mesmo que seja apenas naquelas duas horas programadas aos sábados de manhã. 

Ele, o João, ali existe. Nunca foi posta em causa a sua existência a não ser por mim. Até perceber que é a memória, são as memórias, o que me prova que o que não esqueço realmente existiu. E existe para mim. Mesmo que tudo o que tenho de palpável que me confirma a sua existência caiba numa pequena bolsa. 

O João existiu. Durante 42 dias, do nada transformou-se em tudo. Cresceu dentro de mim. E é dentro de mim, em mim, que continuará a existir. 

“Mesmo ao fim de 30 anos”. 

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Vantagens de ter a praia ao fundo da rua: chegar quando todos começam a ir embora. Terminar o dia com uma praia inteira só para mim. 

Mar chão. Maré vazia. Água limpa e pouco fria. 

Pé na areia. Corpo no mar. Sol. 

Tenho que aproveitar mais esta proximidade. E, decididamente, melhor.  

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“- Não te deixes procrastinar. Sabes que é fácil…”

Sei. E prometi a mim mesma que não o faria. Mas nem sempre consigo manter as minhas promessas. Mesmo com planificação prévia. 

Amanhã começo a cumprir a planificação. Antes que fique demasiado tarde. Embora também me saiba bem dedicar um dia a fazer nada. Ou, pelo menos, nada do que estava programado. Porque as mãos, essas, mantiveram-se activas para ocupar a cabeça. 

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Indicações {psico}terapêuticas: “não te esqueças, apanhar Sol por causa da vitamina D e muita água. Nem que seja para molhar os pés.”

Não, não é “maluqueira” nem “doideira” como lhe chamaram hoje. É um pouco mais sério que isso. Talvez por isso, pelos nomes que lhe dão, que me dão, eu prefira manter-me aqui. À distância. 

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“- Tia, estás diferente… 

– Diferente? Porquê? 

– Não sei… Estás mais velhota. 

– Hum… E estou diferente para melhor ou para pior? 

– Hum… Acho que é um bocadinho dos dois!” 

Há quem me diga que estou melhor. Que nos últimos meses fiz, fizemos, progressos. Digo-lhe sempre que estou diferente. Não gosto, não quero?, dizer que estou melhor. Por medo, talvez. Medo de voltar ao ponto que me levou até ele. É normal que possa acontecer, voltar a cair, diz-me ele enquanto vai repetindo que preciso de verbalizar que sim, que estou melhor. Respondo-lhe sempre que estou diferente. Que não consigo verbalizar o que ele me pede. Que tenho medo. E ele lá vai dizendo que, se voltar a cair, saberei melhor como voltar a levantar-me. Que será mais fácil. 

E se não for…? 

É, também, por isso que prefiro agarrar-me à opinião dos 7 anos do Miguel: estou diferente. Mesmo que seja para melhor e para pior em simultâneo. 

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“- Tenta abstrair-te das vozes.”

Um dia consigo. Mas não hoje. Não agora.

Não ainda.

Não já. 

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O problema é a minha cabeça quando tem demasiado tempo sozinha com ela mesma. Faz filmes, leituras, confunde-se ainda mais do que já está. Enrola-se, embrulha-se, perde-se por aí. Não foca. 

Não sossega. Ainda não aprendeu a manter-se quieta. Focada num só ponto de cada vez. Ainda não encaixou que andar em constante turbilhão não deixa avançar para lado nenhum. 

O problema é a minha cabeça quando tem demasiado tempo sozinha com ela mesma. Analisa tudo. Desde a postura corporal dos outros às palavras ditas de forma espontânea passando por pequenos gestos que têm a pouca importância que têm. 

Porquê analisar tudo? Porquê querer decifrar tudo? Tudo tem um porquê, é certo. E eu ainda não saí da idade dos porquês. Mas porquê querer forçar uma interpretação quando não há razão para tal…? 

O problema é, de facto, a minha cabeça. Que vagueia por aí, baralha-se, enrola-se, confunde-se e Inevitavelmente acaba por se perder. Simplesmente porque tem demasiado tempo para estar sozinha com ela mesma. 

Vão ser umas longas férias a tentar obrigar a minha cabeça a focar-se… Por muito que planifique antecipadamente cada um dos 15 dias que tenho pela frente, conquistar e manter o foco adivinha-se tarefa pouco fácil. E ainda hoje é o primeiro domingo de férias…

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Planificar, que não é o mesmo que planear. Plano A, plano B, plano C. 14 dias estruturados. Horas marcadas para não ficar demasiado tempo sozinha comigo mesma. Talvez assim as vozes não incomodem tanto. 

Planificar, que não é o mesmo que planear. Há 8 anos que não sei o que é isto de ter 2 semanas inteiras por minha conta. Daí o medo do vazio dos dias que me dizem que são meus. Daí que tenha necessidade de planificar dias com horas marcadas para tudo, menos para imprevistos. 

Planificar, que não é o mesmo que planear. Vai correr bem. 

Vai ter que correr bem. 

Já vos disse que estou de férias…? 

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A dúvida:

– o que foi não sendo, ou que não foi sendo, que não era para ser, que não podia ser, existe mesmo assim ou faz parte apenas de uma realidade alternativa, uma realidade paralela, uma realidade irreal…? 

Começo a duvidar da minha própria realidade. 

Começo a duvidar da minha própria percepção. 

Começo a duvidar das minhas próprias memórias… 

……e se não passar tudo de uma fantasia, de uma construção de falsas memórias? 

Aconteceu mesmo ou a minha mente atraiçoou-me de uma forma demasiado cruel, demasiado sórdida? 

Nunca tinha posto em causa a minha percepção, a minha memória. O que senti. O que vivi. Vivi? Quero, apesar de tudo, acreditar que sim, que o vivi de facto. Que aconteceu. Que foi real. Que não foi uma fantasia trazida à flor da pele por um qualquer desequilíbrio mental que perturba a realidade e transforma a vontade de realizar um desejo numa realidade que existe apenas na mente de quem sente demais. 

Faz sentido tudo isto? Ao fim deste tempo todo? Faz sentido a dúvida sobre a fantasia e a realidade? Faz sentido não perceber a diferença entre uma memória real de uma falsa memória implantada por uma mente perturbada? 

Não sei hoje onde estou no meu caminho, nem se estou de facto a caminhar para algum lado ou se apenas estarei a enlouquecer… As vozes sussurram baixinho que não é verdade, que não é real, que não existe. Mas existiu… Ou não? Existiu. Eu sei que existiu. Eu lembro-me! Ou não?! Ou será apenas uma construção da minha mente? 

Sinto-me perdida neste momento. Perdida. Sem distinguir o que é real e o que não é. Ou melhor, o que foi real e o que não foi. Não sei que dúvida é esta que não me faz sentido. Mas instalou-se devagar e não a consigo afastar. Foi ou não verdade?! E como é que eu sei que não foi apenas uma partida de mau gosto da minha cabeça?! Como é que eu sei distinguir uma memória real de uma falsa memória?! 

Porquê isto? Porquê isto agora? Porquê a dúvida? Porquê?! Não entendo. Como é possível ao fim de todo este tempo, quase três anos, ter dúvidas sobre o que aconteceu…? Como é possível agora duvidar de mim mesma?! 

Aconteceu. Foi real. Foi tudo real. Mesmo que nada reste, foi real. Aconteceu! 

Mas as vozes sussurram-me ao ouvido ao mesmo tempo que riem trocistas: não existe. 

Parem, por favor. Parem de me sussurrar. Parem de me atormentar. Parem de me fazer duvidar! Por favor…

…por favor… 

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As vozes nunca se calam realmente. Falam mais baixo, já não gritam, mas nunca se calam realmente. 

Vão-me recordando que por cá continuam. Vão-me recordando porque motivo cá continuam. Vão-me lembrando tudo aquilo que me dizem ser a Depressão a falar. 

Cá continuam, sempre presentes, com bilhete tirado já para os próximos dias. 

E eu em luta. Conflito aberto com as vozes, com os dias que correm, com quem se propôs orientar-me, comigo. Porque por muito que diga a mim mesma, ou serão as vozes a dizê-lo?, que estou em conflito com quem está do outro lado, na realidade estou em conflito apenas comigo. Porque falhar com ele é falhar comigo. Projecto. Projecto a frustração que sinto. E digo a mim mesma que estou chateada quando não tenho a mínima razão para isso. Digo que estou zangada e começo a fugir. A negar. A evitar. Quando o problema, o único problema aqui, sou eu. 

As vozes não se calam. E o conflito comigo mesma continua em crescendo. E a vontade de me fechar, de me isolar numa tentativa vã de me proteger regressa. 

Fujo. Não nego se mo perguntarem. Estou em fuga. 

De mais nada que não de mim mesma. 

Mais uma vez. 

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Terça feira. E o trabalho num dia feriado e o calor insuportável lá fora. 

Olhar para as coisas de uma forma diferente. Usar e abusar de novas perspectivas. Talvez consiga. Talvez resulte. 

Talvez. 

… 

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Mudar de perspectiva. Não é fácil. Mas há que me diga que não é impossível. 

Quantas vezes já tentei mudar? Perdi-lhes a conta. Mas, na realidade, todas essas tentativas de mudança de perspectiva nunca foram consolidadas. Por falta de suporte base? Não sei…mas decididamente por falta de apoio estrutural. 

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Domingo. E não fazer planos. 

Desisti, há muito, de fazer planos. Não desisti, no entanto, de tentar planificar os dias. Os próximos estão, há muito, estruturados e planificados. E, até, de certa forma, planeados. Mesmo não fazendo planos. 

O que me assusta são os outros, os que vêm depois dos próximos. Assustam-me as horas vagas. Demasiadas horas, demasiado vagas. Com um ou outro apontamento ao início do dia. Mas e o resto do tempo…? 

São demasiados dias, com demasiadas horas, demasiado vagas. Demasiado tempo sozinha com os ecos que ainda ressoam na minha cabeça. 

Não faço planos. Desisti deles há muito tempo. Mas preciso de planificar todos aqueles dias, todas aquelas horas em que os estímulos virão todos de dentro. 
Domingo. E o medo dos dias comigo mesma.