Daily Archives: 06/06/2017

{#página157} 

53. Avenida do Brasil. 

“- Então, como se sente?”

Aí é que está. Não sinto. 

“- Está apática, é isso? ”

Não. Não é nada disso. Cínica. É isso que estou. Não sinto. A não ser desprezo. Ou algo assim. Não há um mínimo de variação. Nem gosto nem desgosto, nem conforto nem desconforto. É-me igual. Seja o que for, é-me igual se sim ou se não ou se talvez quem sabe. 

Não sinto. Não me toca. Não mexe de maneira nenhuma. E entretanto é Junho. E não tarda é Julho. E Agosto. É-me igual. Sou eu sem Norte e a perder o pé. E sem sentir. E sem saber o que é isto de não sentir. E sem saber o que sou ou quem sou. Só sei o rótulo do Cartão de Doente. Se eu queria isso? Mas isso o quê, o rótulo ou o facto de realmente estar doente? Não, ainda não aceito o facto de que efectivamente estou doente. Ou será que sou? Não sei, dá-me igual. Há realmente diferença entre o ser e estar? Não interessa. Interessa apenas o rótulo que não quis para mim. Mas que já ninguém me tira. Aguente-se!

“- Mas era o que estava a precisar agora, não era?”

Era? Não sei. Sei lá! É-me igual. Não sinto. Não sei lidar com isto de não sentir e de me estar a borrifar para tudo e para todos. Não quero saber. E é Junho. E daqui a pouco Julho. A correr Agosto. Se precisava disto? Disto o quê? Cínica. É isso que estou. Que sou? Seja. O que for é-me igual. 

E continua a ser tão fácil, tão demasiado fácil acabar com isto tudo. Já não sinto. Não faz diferença. Nem faz sentido. Muito menos faz sentir! E agora percebo isso de uma forma mais fria. Mais distante. É tão fácil. Tão demasiado fácil. 

Não era suposto ser assim? Não sei. Se calhar era. Mas assim como nunca quis o rótulo de doente para mim também nunca quis o que me trouxe até aqui. Nunca quis os últimos 3 anos. E onde é que estou? Estou nesta coisa que não sei o que lhe chamar. Doença? Sei lá. Mas será que interessa assim tanto saber? Que diferença faz? É isto e pronto. Nem lá em cima, nem lá em baixo, nem um mínimo de oscilação, nem um mínimo de alteração. No fundo nem um mínimo de emoção. 

Não sei ser isto. Não sei sequer se tudo isto vale a pena. Não sei nada, no fundo. A não ser isto: eu não quis nada disto para mim. Mas, afinal, foi a isto que cheguei. 

Vale a pena tudo isto? Até quando…?