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“- Vou-te fazer uma pergunta: como é que sabes que Luiz de Camões existiu?” 

Perceber que, apesar de repetir inúmeras vezes no início da conversa que o meu filho não existe, é na memória que provo a sua existência. 

Não existe, já, no plano físico. Para alguns pode até nem ter existido. Pode não ter tido importância, relevância, o que for. Mas existiu. Para mim. Comigo. Mas, especialmente, em mim. 

E, apesar de não o ter ao meu lado, mantenho-o comigo, em mim. 

Dizem-me que a memória não se apaga. “Mesmo ao fim de 30 anos”. E será essa memória que ficará comigo. Que irei preservar. E, acima de tudo, honrar. 

Não tenho o meu filho. E é estranho, muito, ouvir alguém a referir-se a ele como se ele estivesse ao meu lado. Ouvir alguém a tratá-lo pelo nome. “O João”, e eu ainda não me habituei a que haja quem o trate pelo nome. Mesmo que seja apenas naquelas duas horas programadas aos sábados de manhã. 

Ele, o João, ali existe. Nunca foi posta em causa a sua existência a não ser por mim. Até perceber que é a memória, são as memórias, o que me prova que o que não esqueço realmente existiu. E existe para mim. Mesmo que tudo o que tenho de palpável que me confirma a sua existência caiba numa pequena bolsa. 

O João existiu. Durante 42 dias, do nada transformou-se em tudo. Cresceu dentro de mim. E é dentro de mim, em mim, que continuará a existir. 

“Mesmo ao fim de 30 anos”. 

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