Quatrocentos.
Dias.
E noites.
Depois de 19.
Depois de 42.
“Oh tia, mas se aquela árvore já morreu como é que ainda tem força para estar em pé?”
400 dias, Miguel.
…não lhe disse. Mas pensei.
Se eu podia passar um dia inteiro sem pensar em trabalho…? Acho que não.
Mas, ainda assim, num sábado de sobrinhos deu para gerir o tempo entre eles, eu e o trabalho.
…podemos prolongar o fim de semana até terça feira à noite para conseguir descansar do fim de semana que acaba amanhã…? Não? Pois……
{valem-me os mimos dos meus Dois, as brincadeiras e a risota. O descanso virá quando for tempo dele.}
Começar a semana convencida que segunda era domingo.
À quinta sentir que era sexta.
Sexta feira com sabor estranho, de dia incerto que tanto podia ser sábado como terça.
A precisar, urgentemente, de descansar. Um dia que seja. Falta muito para segunda feira?
A precisar de um refúgio. Uma espécie de esconderijo. Para desligar e desaparecer. Um dia. Um fim de semana. O tempo que for necessário. Para recarregar. Para me reencontrar ainda que não ande {muito} perdida.
A precisar do cenário perfeito. De partilha. De cumplicidade. De conversas sem horários. De silêncios sem constrangimentos. De vinho tinto porque sim. De vinho branco porque também.
Dizer “precisamos de conversar”. Sem alarmes nem surpresas.
…no alarms and no surprises…
Precisamos de conversar sobre tudo e sobre nada. Conversar sobre os dias de Sol, sobre as noites de chuva. Conversar simplesmente. Ouvindo. Sentindo. Sorrindo.
Fazes-me falta. Mesmo que não consiga, ou não queira, apontar-te directamente e assumir-te um nome. Podes ser, até, um fim de semana. Um refúgio. Um esconderijo. Um copo de vinho. Tinto ou branco, tanto faz. Mas fazes-me falta.
Nem que seja apenas para voltar a identificar as segundas feiras e reconhecer o sabor das sextas.
De um lado, céu azul e um Sol tremendo. Do outro, céu a desabar com a chuva. E um arco íris a lembrar que é a mistura dos dois lados que faz perceber a importância das cores.
Também são isto os meus dias. Assim, tal e qual. Com ou sem metáforas.
E hoje foi exactamente isto. Chuva de um lado, seguida de sol. E voltar a ver as cores depois do cinzento das nuvens.
Há dias bons. Mas também há os outros. Ainda há os outros. Vai sempre haver os outros.
Há dias de sorriso no rosto e brilhozinho nos olhos. Mas também há dias sem sorrisos e olhos húmidos.
Há dias de cantarolar e saltaricar. Mas também há dias de ficar em silêncio imóvel a um canto.
Há dias em que as palavras correm soltas misturadas com risota e gargalhadas. Mas também há dias em que as palavras não saem porque o esforço para não chorar as abafa. Não há risota. Não há gargalhadas. Há um nó na garganta depois de um murro no estômago.
Há dias em que a falta é quase tranquila. Mas também há dias em que a ausência dói ao ponto de querer rasgar a pele. Porque rasgar a pele dói muito menos.
Há dias em que a memória se torna suportável. Mas também há dias em que as memórias do que não foi porque não era para ser, não podia ser, essas memórias parecem o momento presente. E dói tanto hoje como doeu há 393 dias depois de 19 depois de 42.
Há dias em que não conto os dias, já não os sei de cor. Mas também há dias, como hoje, em que sei exactamente e sem grandes contas que são 393 depois de 19 depois de 42.
A ausência dói.
A ausência pesa.
A ausência traz saudades. Mesmo daquilo que não chegou a ser, porque não era para ser, porque não podia ser. Sim, é possível ter saudades do que nunca se chegou a ter. Do que nunca chegou a ser.
E tantas vezes, tantos dias, todos os dias penso, sinto, sei que preferia trocar esta ausência permanente por uma outra temporária. É tudo uma questão de perspectiva…
Não. Hoje não foi um bom dia. Não está a ser. Mas, novamente em perspectiva, está a ser melhor hoje do que foi há 393 dias depois de 19 depois de 42.
(e, admito, estou zangada. Talvez só comigo. Talvez não só comigo. Mas sim, no fundo apenas comigo. Por ter dito sim quando a vontade era gritar não…)
Dias em tons de azul e bege. Trabalho, muito. Tempo contado e cronometrado. Não me chateia nem incomoda nem um bocadinho.
Sinto falta de algumas coisas. Pequeninas que são grandes. Que são nada e são muito e são tanto. Mas tudo tem o seu Tempo. Certo.
Por agora é trabalho. É o trabalho. Sempre me ocupa a cabeça e não me deixa pensar no que não devo.
Dia de barcos. Cacilheiros e navios de cruzeiro. Que se cruzam à chegada. Que se cruzam à partida.
Sem passaportes nem etiquetas. Com bilhetes e autocarros.
Alcântara, Praça da Figueira, Alcântara. Conhecer Lisboa de um novo ponto de vista.
“we have buses every fifteen minutes, the last one being at 4 o’clock”
Sol. Vento. Calor. Frio. Chuva tranquila de manhã cedo. Salpicos salgados de Tejo ao fim do dia.
“can you give me your cabin number please?”
Shuttle 7. Claro que tinha que ser o 7. Como não?
Lisboa é tão bonita. Que é. “It’s beautiful. Much more than Paris.” Não sei se será. Saberei um dia. Saberei? Sim. Saberei um dia. Porque Paris aparece-me sempre. Todos os dias. Quando e onde menos espero.
“The Love Boat” em loop. Royal Princess à minha frente.
“posso ir na bagagem? Prometo que ocupo pouco espaço” e rio-me.
Dia longo. Estupidamente tranquilo.
Estrelar, que significa desenhar estrelas para continuar o trabalho que é de e em casa.
E com isto tudo uma tranquilidade que chegou e se alojou e que acolho e abraço. Assim. Sem mais.
Sinal vermelho. Parar. Para dedicar parte do Meu Tempo a Mim mesma.
Esticar. Relaxar. Respirar.
Aumentar o vocabulário. Ásana. Pránáyama. Prána. Repetir ciclos: Puraka, Kumbhaka, Rechaka, Shúnyaka.
Perceber que, mesmo 20 anos e muitos kilos depois, ainda chegou com as palmas das mãos ao chão com facilidade e consigo fazer aquelas coisas estranhas que fazia sob a orientação de Kot “respira, não pensa. Não pensa não dói” Koteki.
Primeiro dia de Yoga. Achava que ia ser bom. Foi ainda melhor. Foi tudo o que estava a precisar.
Tenho saudades. De noites que prometem pouco e cumprem tanto. À lareira ou longe dela. Com vinho ou sem ele. Com conversas sem horários nem programa ou silêncios que se completam.
Tenho saudades. De sorrisos ao canto da boca. De brilho nos olhos.
Tenho saudades. De banhos de mar, sol no rosto, sal na pele, pé na areia.
Tenho saudades. De tantas coisas. Estupidamente simples. E fáceis de alcançar.
É bom ter saudades. É menos bom ter saudades.
Tenho saudades mas não me falta a cor nos meus dias turbulentos de trabalho ou perda de Tempo. E o que eu não gosto de perder Tempo. E o que eu gosto ainda menos que me façam perder Tempo…
Mas agarro as cores, todas. Com unhas e dentes e guardo-as comigo. Porque um dia deixo de ter saudades. E tenho noites que nada prometem e tudo cumprem.
Começar o dia em grande, a julgar pelo saldo largamente negativo.
Dia longo de cansaço.
Duas Catarinas que se encontram numa diferença de 30 anos mas que parecem ter ambas não mais que 12, ainda que a mais nova tenha apenas (ou já) “oito barra nove” e a mais velha ainda não tenha assimilado que vai a meio dos 38.
Regresso a casa ao sabor do rio, numa temperatura de Verão que se esvai ao ritmo do Tejo.
Um dia que pareceram dois. Ou três…
……e uma vontade loucamente tranquila de sentir. Pele com pele. Mão na mão. Dedos a enrolar o cabelo.
Demasiado cansada de um dia que já vai demasiado longo. Que começou ontem de manhã e se espera que termine agora.
Não dormir. Tão diferente de dormir pouco. Tão diferente de dormir muito pouco. Não dormir. Sem saber porquê. Sem perceber porquê. Simplesmente não dormir.
Mas nem por isso deixo de perceber que as cores, afinal, ainda existem. Mesmo em dias que começaram na véspera e acordaram cinzentos como que numa despedida antecipada do Verão.
Como não perceber o cor de rosa ali? No topo, apenas no topo, de {mais} uma árvore.
E, se pudesse ser uma árvore, seria esta com certeza.
Dou por mim a esquecer-me das cores.
Dou por mim envolta numa espécie de bruma sem cor.
Dou por mim numa fuga ao que me rodeia, escondendo-me do Mundo, escondendo-me dos outros, refugiando-me no trabalho.
Falta-me, vou percebendo, tudo o resto. Os outros, o Mundo, eu própria. A cor. As cores.
Falta-me, um bocadinho, a vontade de sair da bruma. Porque é mais fácil ficar por aqui. Sossegada. Quieta. Sem atrapalhar. Sem pesar a ninguém. Nunca o quis ser, um peso. E fui. Não quero ser mais.
Deixo-me ficar quieta. Em silêncio. Sem borboletas nem saltaricos nem cantorias nem cafés ou copos de vinho. Sem bolas de sabão nem conversas de horas sem rumo que falam de nada e tudo. Sem jantares, lanches ou almoços.
Deixo-me ficar. Em silêncio. Com uma vontade louca de pedir desculpa por nada e por tudo. Com uma vontade louca de dizer sim e de dizer não. Com uma vontade louca de distância do que não me faz bem e uma vontade louca de tocar, pele com pele, tudo o que me faz bem.
Dou por mim nesta bruma sem cor. Sem som. Sem toque. Sem pele.
Mas dou por mim, também, a deixar passar os dias. Um atrás do outro atrás do um. Porque, aprendi, o Tempo ajuda. Não cura. Mas atenua. E dissolve a bruma. E devolve a cor. As cores.
Não é tristeza. É, apenas, uma espécie de melancolia. E também isso irá passar.