Amanhã serei passado.
#day366 out of 365plus1
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Não gosto de elogios. Não sei lidar com eles.
Não gosto que me apontem as minhas falhas também, mas apenas porque as reconheço e sei o que são: falhas. E ninguém gosta de falhar.
Também por isso não gosto de elogios. Porque, sei-o, acabarei por não corresponder, acabarei por falhar.
Não gosto de elogios também por me tirarem da média. Por me fazerem sentir a escapar da norma. Quando tudo o que quero é seguir a norma. Ser normal.
Um elogio deixa-me sem saber como reagir. Eleva-me a um patamar que não reconheço. Faz-me sentir acima da média quando tudo o que procuro é isso mesmo, ser apenas média. Não quero ser nem pior nem melhor que nada. Não quero criar expectativas que sei que não irei corresponder. Porque acabo sempre por não corresponder. Porque “não tem perfil” ou “és instável, sempre foste”.
Não quero ser outra coisa que não a norma. Não quero ser outra coisa que não média. Não quero ser outra coisa que não apenas mais uma. Não quero a diferença. Não quero ser diferente. Seja num atendimento telefónico, seja na forma como sinto tudo, seja onde ou como for. Não quero continuar a ser diferente.
Não, não sei lidar com elogios. Não, não sei sequer se os mereço porque sei, à partida, que acabarei por desiludir, acabarei por falhar. Quero apenas que me deixem ser igual. Sem factor diferenciador. Estou cansada de ser diferente…
presente | adj. 2 g. | s. m. | interj.
pre·sen·te
(latim praesens, -entis)
adjectivo de dois géneros
1. Que está no lugar onde se fala ou de que se fala. ≠ AUSENTE
(…)
substantivo masculino
8. Coisa oferecida a alguém. = DÁDIVA, MIMO, OFERTA, PRENDA
“Presente”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/Presente
7° Natal do Miguel.
4° Natal do Filipe.
A minha primeira noite de Natal com os Meus Dois.
O carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas também descarrila. Basta uma pequena pedra no caminho, ou até mesmo um mero grão de areia na engrenagem e a viagem, já de si assustadora, torna-se quase um pesadelo. Especialmente quando pensamos que a viagem no carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas está mais serena e tranquila e quase conseguimos perceber que a energia que a move está cada vez mais fraca. Quase conseguimos adivinhar que o porto seguro está logo ali, depois daquela curva que vem depois da descida, daquela mesma curva que antecede a subida. Porque estamos lá em cima e de repente esse lá em cima é muito lá em cima não sendo demasiado e mantém-se sem oscilações durante algum tempo dando uma sensação de continuidade lá em cima. E por momentos quase se acredita que o carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas é, também ele, vítima da inércia e por falta de impulso continuará a sua marcha mas agora de forma mais constante, mais serena, mais tranquila.
Até que há uma pedra no caminho. Ou um grão de areia na engrenagem. O descarrilamento. E a viagem mais constante, mais serena, mais tranquila, transforma-se numa queda livre de um trapézio sem rede de segurança. E vem de novo a vertigem da queda, a dor do impacto. A falta de luz. Para logo se perceber que, afinal, a pedra no caminho, o grão de areia na engrenagem, o descarrilamento, também eles fazem parte do percurso dessa viagem não desejada no carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas.
Quero acreditar que um dia, não sei quando, essa viagem terá o seu fim. Quero acreditar que um dia, lá mais à frente, essa viagem que nunca procurei começará novamente a ser mais constante lá em cima, mas não demasiado lá em cima, mais serena, mais tranquila. Até eventualmente se transformar numa outra viagem qualquer. Sem a vertigem da queda, sem a dor do impacto de quem cai do trapézio sem rede de segurança.
Até lá apenas vou acreditando. Não sei ao certo em quê. Não sei ao certo em quem. Sei que não totalmente em mim. Porque continuo sem verbalizar tantas pequenas coisas que me são enormes de verbalizar. Mas o som simples não sai.
Do que não posso esquecer-me: tenho muito pelo que agradecer. Tenho muita gente a quem agradecer.
Não, o caminho não é fácil. Não está a ser. Nunca foi, mas especialmente agora, de novo, cada novo dia é um dia pesado. Por tudo. Pelas ausências, pelas perdas, pelos silêncios. Pela falta de força, apesar da vontade. Pela falta de coragem de olhar para o espelho e de olhos nos olhos verbalizar aquilo em que não acredito.
Mas tenho muito pelo que agradecer mesmo que tantas vezes me esqueça.
Mas tenho muita gente a quem agradecer mesmo que insista em esquecer-me.
As ausências, as perdas, os silêncios, pesam. Moem. Doem. Assustam. Mas tenho que agradecer até pelas ausências, pelas perdas, pelos silêncios. Ainda que me façam chorar.
Aquela sensação, estranha, de que já aqui estive. Que já presenciei isto. Que já vivi isto. Nunca o tendo presenciado, nunca o tendo vivido.
Aquela sensação, estranha, de estar a assistir a um filme que já se viu algures no Tempo. Ver de fora, como numa plateia. Ou como se saísse do meu corpo por instantes para assistir àquela cena.
Já ali estive algures no Tempo. Não há tanto tempo assim. Mas estive. Déjà vú, dizem que se chama assim. Sensação estranha, chamo-lhe eu. E não gosto.
Março. Não sei o quê nem porquê, oiço Março a escoar na minha cabeça enquanto revivo o que nunca aconteceu antes.
Sensação, estranha, de não entender estas sensações.
Verbalizar. Tarefa da semana. Verbalizar.
É mais fácil verbalizar quando se acredita. Quando se sabe que o que verbalizamos é, de facto, verdade. É real.
Não verbalizo. Por muito que, interiormente, repita tantas vezes mesmo não acreditando e querendo acreditar, querendo que seja verdade, que seja real. Não verbalizo.
Mas uma mentira repetida inúmeras vezes acaba por se tornar uma verdade, dizem. Não, uma mentira será sempre uma mentira por muito que a repita, por muito que a verbalize.
Estou cansada de mentir a mim mesma. De dizer a mim mesma que sou mais do que isto, que sou melhor do que isto. Porque não sou. Porque isto é o que sou, quem sou. E por isso não verbalizo.
Porque não acredito. Porque não sou. Porque sei que não sou. Porque, no fundo, sou isto. Mesmo querendo ser mais e melhor, sou apenas isto.
Verbalizar. Tarefa da semana. Não concretizada. Mais uma vez.
Não verbalizo.
Por vezes é preciso alguém que me chame de volta à Terra. Que umas vezes me diga para não racionalizar o que sinto e outras que não me deixe cair no medo obrigando-me e ajudando-me a racionalizar o terror que tantas vezes toma conta de mim.
Por vezes é preciso alguém que me pegue nas mãos e me diga “vamos até onde puderes agora, mas eu sei que podes muito mais”.
Por vezes é preciso alguém que me diga “eu acredito em ti e nas tuas capacidades” para que eu mesma comece a deixar de duvidar ainda que só um bocadinho.
Por vezes é preciso alguém que olhe para lá do farrapo e veja quem sou por inteiro: perdida mas com vontade de encontrar o Norte.
Por vezes é preciso alguém que me diga “estou aqui para o que precisares, sempre que precisares”.
Por vezes é preciso alguém que seja e faça isto tudo. Mesmo que esse alguém seja um profissional preparado para trabalhar tudo o que trago cá dentro.
Já não é só um profissional. É uma espécie de amigo que faz terapia. E que nos últimos quase 4 meses tem sido fundamental para que o meu caminho não seja totalmente às escuras. E hoje, mais uma vez mas especialmente hoje, duas horas de uma enorme violência emocional num caminho que, sendo meu, já sei que não percorro sozinha. Porque há uma luz para lá da escuridão, que é de presença e também farol para que não me perca.
Ninguém entra na vida de ninguém por acaso. Mesmo que seja um profissional preparado para trabalhar tudo o que trago cá dentro. Mesmo que seja alguém que cumpre o papel profissional de trazer de volta à Terra quem está aterrorizada.
Às vezes é preciso alguém. Que me acompanhe uma vez por semana sem pressa. Que me oiça activamente. Que me diga, todas as semanas, que sou muito mais e melhor do que me permito aceitar.
Mesmo que seja um profissional. Mesmo que seja um técnico de saúde mental.