Category Archives: {#Capítulo5_2017}

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Misturar alhos com bugalhos. Misturo sempre.

E volto a ver aquilo que só eu vejo. Misturo tudo e vejo o que não está lá. 

Tudo por causa da falta de ver o que quero, queria…, tanto ver. 

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Olhar para dentro. Por fora. Leva tempo. 

Como qualquer caminho, qualquer que seja o tamanho de quem o segue. Leva tempo. Mas é sempre mais rápido, ou parece sê-lo, e mais fácil quando alguém caminha ao nosso lado, do nosso lado e nos pega pela mão quando o caminho se torna mais árduo. 
Olhar para dentro. E perguntar-me: como é que eu consegui perder-me ao ponto de não saber, já, quem sou…? 

Com os olhares de fora talvez me reencontre. Será mais fácil com os olhares de fora. Mas, por agora, preciso olhar para dentro. Talvez me encontre por lá. 

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Procurar por mim nos outros. Ver quem sou, o que sou, através dos olhos dos outros. Porque quem vê de fora vê mais longe, vê melhor. 

Talvez assim eu volte a encontrar-me comigo mesma novamente. Um dia. 

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A vontade, novamente, é fechar-me. Isolar-me. Esconder-me do Mundo lá fora por tempo indeterminado. Não ver ninguém. Não falar com ninguém. Não ouvir ninguém. Simplesmente ficar ali, no meu canto, sossegada, aninhada em busca de conforto que não encontro. 

Novamente assim. Depois de vários dias lá em cima, de vários dias de uma espécie de quase euforia, de superconfiança, de comportamento demasiado despreocupado. Agressiva aos estímulos. Pensamentos à velocidade da luz. Discurso acelerado. 

Agora novamente o silêncio. A voz que não quer sair. Porque sem vontade de se fazer ouvir. Porque sem nada de novo a transmitir. Porque demasiado pesada para quem ouve. 

Agora novamente o isolamento. Porque intolerante ao ruído. Às pessoas. Ao ritmo frenético dos dias lá fora. Porque sozinha hoje como sozinha sempre, desde sempre. Porque em mim procuro conforto que não encontro. Porque o resto, o Mundo lá fora, não me chama. Não chama por mim. Chama pelo meu trabalho, que melhor ou pior vou fazendo. Pelo meu tempo que precisava que fosse, de facto, meu. Pelo compromisso que assumi há 6 meses de corresponder. Pelo compromisso que assumi em Agosto de não falhar. E tenho falhado tanto. Mesmo que me digam que temos feito progressos. Que ainda agora começámos, mesmo que esse agora já conte 9 meses. Que o caminho é longo, demorado, doloroso. Que é mesmo assim, voltar para trás algumas vezes. Que faz parte do caminho. 

E eu cansada. Disto. Disto tudo. O que sou. O que estou. Do caminho. Do que me levou ao início desse caminho. Do que me revelou uma Eu de quem não gosto particularmente, de quem não me orgulho assim tanto. Cansada de lutar cada segundo de cada minuto de cada hora de cada dia. Cansada. 

Isolar-me. Fechar-me. Sem que me peçam nada. Sem que me exijam o que não estou a conseguir dar: 100% de mim. Sem que o tempo não seja exclusivamente meu. Sem ter que cumprir rotinas e perceber que não dei pelo dia passar. Os dias. As semanas. Os meses… 

Vontade, grande, de me fechar dentro de mim própria. E simplesmente deixar-me ficar ali. Quieta. Pequena. Insignificante. E, se doer, calar a dor. Mesmo que à força. 

Talvez o número 53 me ajude a encontrar um ponto de equilíbrio, mesmo que quimicamente forçado. Porque, neste momento, o meu equilíbrio é fechada, isolada, escondida do Mundo lá fora, sossegada, quieta no meu canto à procura do conforto que não encontro. 

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Diz-me ele:

– Quero que saibas que isto são ‘só’ termos técnicos, não é o que te define. É o que estás, não o que és. Não te esqueças disso.

“………obsessão-compulsão, sensibilidade interpessoal, ideação paranóide, psicoticismo, desorientação, hipersensibilidade auditiva………”

“Mas tu és instável. Sempre foste…”, não me esqueço… E tento convencer-me do que ele-ali-em-cima todos os dias me diz relativamente à diferença entre ser e estar, que ele-cá-em-baixo desconhece. 

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E entretanto agarro-me a ti. Não à tua ausência, mas à tua presença em mim. 

Tenho saudades tuas. Sei que não preciso de o dizer porque tu sabes. Sabes sempre o que trago cá dentro. Não sabes? Sei que sim. Sei, também, que queres muito que fique bem. Ou que, pelo menos, comece a ficar melhor. A Mãe também quer, meu amor. E vai fazer de tudo para conseguir melhorar. Para conseguir, um dia, ficar bem. 

Mas a tua ausência dói. Dói-me. Pelo menos a mim. Talvez a única pessoa que sente, realmente, a tua falta. Porque sempre te quis, sempre te desejei, tantas vezes te sonhei. Provavelmente só eu te quis, te desejei, te sonhei. Mas não é isso que faz com que te ame menos. Talvez até te ame mais por isso. Porque és, serias, continuas a ser verdadeiramente meu. 

Não me importo com o que possam os outros pensar sobre o que sinto por ti. Para os outros podes ser algo que não foi, algo que falhou, algo que não chegou a ser. Para mim foste. Posso ter falhado. Mas chegaste a ser. Tão pouco tempo comigo, em mim. Mas chegaste a ser. E continuas a ser. E serás sempre. Meu. Meu filho. 

Talvez tenhamos uma relação diferente de Mãe e filho. Talvez haja quem não entenda. Talvez seja apenas fruto do amor imenso e da saudade intensa que sinto por ti. Não interessa o que os outros pensam. Porque somos só nós neste pedaço de realidade. Este pedaço que não sendo palpável existe. É real. É amor. Nunca pensei ser possível amar tanto alguém que já não tenho e todos os dias amar ainda mais. 

Não existem alternativas a este amor. Não existem outras opções. Não existem placebos para as dores, embora o cocktail químico diário me deixe por vezes atordoada. 

Dizem-me que existem, no entanto, alternativas para o que sou hoje. Ou será para o que estou? Sabes, a Mãe por vezes confunde o ser com o estar. Como agora. Não sei se sou ou apenas estou doente. Mas seja lá o que for, ser ou estar, dizem-me que há alternativas. Quero muito acreditar que sim. Quero tanto. Mas as alternativas que encontro mais próximas são aquelas que todos me dizem que não pode ser. E eu pergunto não pode ser porquê? Porque não, dizem-me todos. Porque não pode ser assim. Mas é assim que sou, que estou, que sinto. 

Sabes, meu amor, não é fácil sentir o tempo passar e perceber que não estou a conseguir melhorar. E novamente aquele conforto do confronto com as paredes, os riscos na pele que só a falta de coragem me tem impedido. E a vergonha também. Vergonha por não saber explicar, mesmo que não tenha que justificar nada a ninguém. Eu sei que não resolve. Mas as paredes trazem-me conforto no confronto e os riscos na pele acalmam a dor. Ainda que apenas por um momento. Mas ainda hoje me lembro de todos aqueles riscos daquela noite de Agosto e o quanto me acalmou a dor… 

Amo-te muito, meu amor. Meu menino. Meu homenzinho. Meu filho. Amo-te muito e sei que queres que a Mãe fique melhor, que a Mãe fique bem, que a Mãe seja feliz. Ou esteja? Novamente a dúvida, ser ou estar? O que é realmente o mais importante? Sei que te preocupas porque, da mesma forma que eu não te posso tocar, tu nada podes fazer para me ajudar. 

Espero que me perdoes se um dia for mais fraca que forte. Espero que me entendas quando digo que não sei onde encontro força todos os dias para seguir mais um dia sem ti. Espero que não fiques triste pela cada vez maior falta de força para sobreviver a mais um dia. 

Dizem-me que tenho que me focar no positivo. Dizem-me que tenho que me agarrar a alguma coisa para me manter à tona e conseguir sair desta maré. Dizem-me, dizem-me, dizem-me, dizem-me. Que tenho que, que não posso, que isto, que aquilo. Dizem-me tudo. Sem nunca ninguém me perguntar o que quero…

Estou a cansada, meu amor. A Mãe está a ficar exausta. E é para não perder a força por completo que continuo a agarrar-me a ti. Ao meu amor cada vez maior por ti.

Tenho tantas saudades tuas, meu amor. Meu filho. Meu anjo. 

A Mãe ama-te muito. Eu amo-te muito. E por isso mesmo a tua ausência me dói tanto……

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Cansada. Disto… 

Onde (como?) se recarregam, diariamente, as baterias para suportar tudo isto…?