Category Archives: {#Capítulo9_2017}

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Podem ser só distorções. Projecções. Transferências. O que lhe quiserem chamar. Mas há dias em que não é tão fácil lidar com isto.

Presença. Partilha. Toque. Cheiro. Tudo isto presente sendo ausente.

Saber respirar fundo e conhecer limites. Quando, ao mesmo tempo, fujo e rio nervosa.

Distorções.

Projecções.

Transferências.

Cada vez mais perita nisso. E a ser, como sempre, adolescente. É nisto que resultam os dias de sol, sem nuvens. E é por isso que desenho um chapéu de chuva num dia de sol. Estou cansada de esfolar os joelhos. Preciso de capacete, cotoveleiras e joelheiras em formato de chapéu de chuva. Especialmente nos dias de sol.

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Desgaste. Cansaço. Dores. Físicas, não emocionais.

Também tenho dias assim. Do lado de cá da zona limítrofe. Ou Borderline.

Porque, apesar de tudo, também tenho dias normais de pessoas normais com rotinas normais e que chegam a ser quase aborrecidos por serem tão normais.

Mas também é bom. Com excepção, claro, das dores.

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Circuitos eléctricos. Disjuntores. Analogias, nada mais.

Cansada, muito.

E todo um resto que não se explica. Sente-se.

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Cair em câmara lenta.

Ansiedade que não o é.

E as vozes no telhado que ainda me gritam.

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Se eu podia rir-me daquelas letras vermelhas em fundo amarelo de uma qualquer “Área Reservada”?

Poder, podia. Mas seria por absoluto desdém. E por isso mesmo rio-me. E é pena.

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Já me tinha esquecido de como era ter um gato bebé em casa.

E é bom.

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Depressão vs Perturbação de Personalidade Borderline. Descobrir as diferenças…

Saber que não estou sozinha. Que não sou a única. Que somos muitos. E que somos, também, mais fortes do que tantos em tantas vezes nos julgam.

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Deixar ir. Aprender a.

Parece simples quando percebemos que já aconteceu. Quando, de repente, percebemos que já foi. O mais difícil é o caminho até lá.

Como é que se deixa ir algo? Mesmo que, ou especialmente porque, deixa sempre sementes por aí de algo que nunca sabemos à partida o quê.

Deixar ir. Aprender a. Quando, na verdade, deixar ir é quase automático, é como se houvesse um click, é completamente independente do nosso esforço.

Deixar ir. Aprender a. E tenho tanto que preciso soltar e simplesmente deixar ir. Sem saber como fazê-lo.

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Dizer adeus ao Verão. Amanhã, dia de Equinócio, o equilíbrio entre a Luz e a Escuridão.

Equilíbrio que vou tendo de tempos a tempos. Mesmo não estando preparada para o Outono.

Vai correr bem.

Vai.

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Dos pequenos grandes passos: ela. 9 meses e 12 dias depois.

Vai correr tudo bem. Só posso confiar que sim. E vai, também, fazer-me bem.

Vai.

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Demasiado cansada dos últimos dias. Semanas?

De volta às noites mal dormidas. Demasiadas questões na minha cabeça e a 5ª feira que tarda em chegar.

Não é possível parar. Vou respirando por aí, um pé depois do outro, um dia atrás do um.

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Parar. Não é possível. Não é possível porque é mesmo assim. Como eu, também sou mesmo assim. Gostava de ser menos assim, agora que olho para trás.

E é a olhar para trás que questiono. Questiono tudo. Tudo o que senti até hoje. Tudo sempre sentido intensamente. “Tu sentes demasiado”, já o ouvi. Será? Será que sinto realmente? Muito ou pouco, não interessa. Será que sinto sequer ou é o meu cérebro, aquele que tem cicatrizes, que me faz acreditar que sinto realmente alguma coisa?

Questiono se, quando me doeu muito, me doeu realmente assim tanto ou se foi o meu cérebro que não soube processar e dosear? E questiono, também, se alguma vez amei. Ou se foi o meu cérebro que me iludiu ao não saber dosear o que absorvia e me fez acreditar que tinha borboletas na barriga e que era amor o que sentia.

Questiono. Hoje questiono tudo. Depois do diagnóstico questiono tudo, se tudo o que senti e vivi não foi apenas uma ilusão, uma distorção de um cérebro profundamente marcado por demasiadas experiências dolorosas. Questiono tudo aquilo que sempre achei que senti e que sempre soube ser de forma diferente dos outros.

E se não passou tudo de uma distorção…? A distorção já faz parte de mim. Porque não também distorcer o que sempre senti…?

Queria poder parar. Para perceber tudo isto que entendo mas não me entendo. E não quero ser só o resultado de traumas, más experiências. Mas não é possível parar porque é mesmo assim. Como eu, que também sou mesmo assim.

Então tento ficar quieta e sossegada no meu canto, tento assimilar, encaixar e digerir e convencer-me que sou mais que um diagnóstico.

Mas não sou. Sou Borderline. E por ser Borderline tudo o que vivi não passou de uma forma desajustada de sentir…… Desajustada e distorcida e, portanto, irreal, falsa.

Não é possível parar. Por isso fico quieta o pouco tempo que posso. E tento não me derrotar quando a única vontade é chorar. Sem saber muito bem porque motivo.

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“Tu és instável. Sempre foste.”

Sim. Sempre fui. Sempre senti intensamente, o bom e o mau. Sei agora que, entre outras coisas, tudo isso tem um nome: Borderline.

Ainda estou a digerir para aceitar. E vou repetindo: Borderline.

Mas já decidi: não sei quando, muito menos sei como, mas vou ser melhor que isto. Vou ser muito mais do que uma perturbação de personalidade, muito mais do que um cérebro carregado de cicatrizes traumáticas, muito mais do que um rótulo. Custe o que custar, vou ser mais e melhor do que isto.

Só não sei, ainda, como.

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“Aproveita o fim de semana para saíres, ires a algum lado, estar com pessoas.”

Ou, por outras palavras, não fiques em casa a pensar no assunto. Como se não pensar fosse simples como carregar num botão.

Saí hoje. Sem vontade nenhuma. Mas saí. Amorfa. Apática. E com a cabeça em loop. Borderline. Tudo intensamente até ao limite. O bom. E o mau.

E não é possível voltar atrás………

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Digerir e encaixar.

“Smile and wave, dear. Smile and wave.”

Entregar e confiar.

“Smile and wave.”

Sorrir e acenar.

E não esquecer que sou muito mais do que um diagnóstico, um rótulo. Sou muito mais do que uma doença ou uma perturbação ou um síndrome ou uma personalidade ou a porra que for! Sou muito mais!

Sorrir e acenar! Porque não é uma doença mental que me define, não é uma doença mental que me derruba. Porque eu sou, quero ser, tenho que ser!, muito mais que um diagnóstico!

Eu não sou isto… Mas sou. A diferença entre o ser e o estar. Eu não estou apenas. Doente. Eu sou……… Eu que nunca quis ser normal, da norma, média, mediana, sou afinal aquilo que sempre disse: diferente.

Borderline. Limítrofe.

Doente.

Mental.

E enquanto tento digerir o diagnóstico que me encaixa como uma luva, aqui estou como sempre: sozinha. E agora com uma certeza ainda maior de que é sozinha que vou ficar sempre.

Quem tem medo de um Borderline? Todos.

Smile and wave, dear. Just fucking smile and wave!

[……e hoje que só precisava de um abraço para a noite toda………não o tenho……]

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Borderline, Perturbação de Personalidade. Um rótulo, uma condição ou o quê?

Não me imaginava Borderline. É todo um novo caminho a conhecer.

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invisível | adj. | s. m.

in·vi·sí·vel

adjectivo

1. Que não se vê ou não pode ser visto.

substantivo masculino

2. O que não se vê.

Eu, tantas vezes.

Daqui.

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O Tempo perguntou ao Tempo quanto Tempo o Tempo tem.

O Tempo respondeu ao Tempo que o Tempo tem tanto Tempo quanto Tempo o Tempo tem.

Há quanto tempo ando eu a perder tempo quando há não tanto tempo dizia que não tinha tempo para perder Tempo…? Estou cansada desta coisa do tempo porque o que mais se perde é tempo. Perde-se para sempre? Para sempre é muito tempo. E eu não vou ter todo esse tempo.

Perdidos. O tempo e eu. Por aí. O tempo não se recupera. E eu? Talvez, se me virem por aí. Se me virem por aí digam-me onde estou a ver se me encontro. Recuperar não sei como se faz. Talvez seja preciso uma bússola. Ou qualquer outra ferramenta para me encontrar e, quem sabe, recuperar. Seja lá isso o que for, porque o tempo que se perde não se recupera. E talvez seja assim também comigo.

Quem sabe? O tempo, talvez…

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Às vezes sinto-me embrulhada e enrolada em mim mesma. Sem saber muito bem como me desembaraçar disto. Mas depois lembro-me que me dizem que sou capaz de tudo aquilo a que me proponho. E lembro-me, também, daquela coisa que sinto que chamo de autonomia dependente. Se é que sequer existe. Autonomia para fazer (quase?) tudo, dependente de afectos e apoios.

……e não sei como sair disto……porque, cada vez tenho menos dúvidas, tudo isto assusta quem está de fora…