Passam os dias. Faço por não os contar. Deixei de os contar. Até voltar a contá-los novamente. Porque os dias passam mas aquele vazio de nada, vazio de tudo, continua. Uns dias mais esquecido, uns dias mais sentido, uns dias mais recordado.
Tento fugir do mundo à minha volta e do que não posso fugir porque o mundo existe e é mesmo assim. E nunca ninguém disse que o mundo, esse à minha volta, à volta de tanta gente, de toda a gente, nunca ninguém disse que esse mundo era justo. Ou certo, sequer.
E há o vazio. E a ausência. E o que podia ter sido. E não foi. Já não é. Já não está a ser. E quem sabe se algum dia, alguma vez, será de novo. Duvido, como sempre duvidei até ser. Como sempre achei que nunca seria. Até que foi. E de repente, num momento, deixou de ser. Será alguma vez novamente? Será alguma vez? Mesmo que seja, este vazio fica sempre cá. Porque é insubstituível. Porque é um vazio que tem um lugar próprio, só dele. Ou dela. Não sei. Nunca saberei. Mas mesmo não sabendo não deixa de o ser. Ou melhor, deixou de ser para passar a não ser…porque já não é.
E precisamente por já não ser, e por muito que me esforce para avançar, é impossível não pensar. Não imaginar. Não recordar. E é impossível não baixar os olhos novamente e fixar apenas o chão. E ter novamente a visão turva e húmida. Porque o vazio, o peso do vazio, é todos os dias um bocadinho maior. Com o passar do tempo, que não conto mas sei que passa, devia ser mais pequeno. Dizem. Dizem-me. Disseram-me. Mas não é. Não devia ser. Nem devia ser vazio. Mas é. É o que tenho cá dentro. Porque, cá dentro, não há nada. Já não.
Tenho saudades do que já não é. E imagino tantas vezes como seria neste momento se ainda o fosse. E saem-me palavras duras que digo para mim mesma que não podem ser, mas que saem. Porque ainda dói. E saem também palavras doces dirigidas ao que já não existe, ao que já não é. Não faz sentido. Mas faz. Porque, para mim, é como se ainda existisse alguma coisa. Pelo menos por momentos. Até me recordar porque é que ainda dói.
E vai doer até quando…? Não sei. Sei que a memória não se esvai, não se apaga, nunca.
E continuo sem saber o que fazer com tudo o que resta do que não foi. Guardo comigo, mesmo não lhe mexendo, mesmo não revendo, mesmo não querendo olhar. Mas não sei o que fazer com o que resta. Com a única coisa que resta do que não foi. E que eu sempre quis tanto que fosse.
Não sei também se voltará algum dia a ser novamente. Lá está, continuo a duvidar como sempre duvidei até ser. Mas mesmo que um dia seja, mesmo que um dia se repita, há sempre um vazio cá dentro. Do que foi e não chegou a ser.
E não ter onde ir para me sentir mais perto do que não foi. Não ter onde me sentir em paz. Numa espécie de ponto de fuga. Dói também. E isso, também isso, faz parte do vazio do que não foi.
E há tantos outros vazios que não vão ser preenchidos. Porque o que foi já não o é. E sim, ainda dói.