Há um ano escrevia as dores que me corriam por dentro. Em jeito de carta aberta a quem nunca chegou a ser mas foi. Mesmo não sendo.
Há um ano percebi o quão poderoso pode ser o desespero da dor, daquela dor que não se vê por não ser física.
Há um ano senti necessidade e vontade, muita, de acalmar essa dor não física e sabia perfeitamente como fazê-lo. Nenhuma dor física seria mais forte que a outra. Mas, sabia-o, permitir-me-ia esquecer por momentos a dor maior.
Há um ano dizia que não queria mais, que não aguentava mais. E não queria mesmo. E não aguentava mesmo.
Há um ano despedi-me. De tudo e de nada. De tudo o que me fazia doer. De nada que era só o que tinha.
Há um ano pedi uma mão que me trouxesse de novo à tona. “Não posso fazer mais nada por ti”, responderam-me. Respondeu-me. Ainda que pudesse.
Há um ano bati no fundo do fundo. Vi a única solução possível. Porquê continuar? Para quê suportar uma dor insuportável? Calar a dor. Calar aquela voz que me sussurrava e dizia “já chega”. Calar tudo.
Não esqueço. Como poderia? Lembro-me de todos os pormenores daquele dia, daquela noite. Todos os gestos. A vontade que me fazia mexer e a força que obrigava o meu corpo a ficar quieto. As vozes que me sussurravam, uma que dizia que sim, a outra que dizia que não. Os telefonemas que surgiram absolutamente por acaso e que cada vez que surgiam me traziam de volta daquele lugar escuro.
Sozinha em casa, há um ano. E a dor. E as lágrimas que teimavam em não parar de cair. O pedido de ajuda recusado. A única pessoa que poderia realmente ajudar-me naquele momento e que me disse, com todas as letras, “não posso fazer mais nada por ti”. Podias……
Foi há um ano. A dor acalmou. O que escrevi naquele dia em jeito de carta no éter voltaria a escrever. Já não como uma despedida. Apenas porque a saudade, essa, mantém-se. Ainda recordo tudo. Mas a dor já não me grita. Já não choro como há um ano embora ainda seja fácil, demasiado fácil, sentir o rosto molhar-se e a voz a tremer.
Não esqueço, como fazê-lo? Faz parte de mim, da minha História. E faz-me lembrar, tantas vezes, que podia não estar cá.
Dia estranho o de hoje. Dorido. Mas daquelas dores que o corpo dita e que facilmente se controlam quimicamente. E ao mesmo tempo a tentar não sentir a dor que senti há um ano. Que a sinto, como que cravada na pele.
Foi há um ano. Podia não estar cá.
Um ano depois, estou cá. A mão que pedi há um ano mantém a recusa da ajuda que já não preciso. E percebo, agora, que também isso me dói.
Não interessa a cor dos dias. Interessa a cor que lhes dou. E, se hoje variou nos tons de cinzento, amanhã tenho toda uma paleta para escolher. Porque não quero, nem vou, regressar àquele fundo do fundo onde estive há um ano e onde tudo era negro.
Regressemos aos dias de cor. De cores.