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#day304 out of 365plus1
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Não serão as dores a fazer-me parar. Mesmo quando se tornam insuportáveis, desesperantes e praticamente incapacitantes.
Continuarei a ir onde tiver que ir. A fazer o que for de fazer. Com ou sem limitações, não posso deixar que as dores me vençam.
Cada novo dia é uma incógnita. Cada novo momento é uma incógnita. Mas não serão as dores a fazer-me parar. Abrandar talvez. Ter outros cuidados. Evitar excessos.
Os últimos meses têm sido de agravamento notório do nível da dor. Não gosto disso. Não gosto de dor. Não gosto do cenário actual. Mas aprendo todos os dias a viver e a conviver com ele. E chegam-me sugestões, informações, indicações de como lidar com este cenário.
Não, não serão as dores a fazer-me parar. Mesmo que tenha que o fazer momentaneamente até acalmarem. Para logo de seguida continuar.
Não, não serão as dores. Eu não serei as dores. Elas estão comigo, mas eu não serei as dores.
{mesmo que tantas vezes, cada vez mais vezes, a vontade seja baixar os braços, parar, deixar-me cair e chorar. Com dores.}
I should have known…
Talvez um dia leias o que te escrevo. Provavelmente nunca irá acontecer. Mas devias.
Escrever sempre me foi natural. Escrever sobre tudo, mas especialmente sobre o que trago cá dentro. Sempre foi uma espécie de terapia. De exorcismo? Muitas vezes de catarse, sem dúvida.
Raramente leio o que escrevo. E, se e/ou quando o faço, faço-o apenas para mim.
Hoje já não escrevo tanto no éter. Faço-o em papel, a caneta ou lápis. Do que deixo no papel pouco, muito pouco, é partilhado no éter. O que o lápis deixa marcado no papel é para ser trabalhado no plano físico, não exposto a outras leituras que não apenas a minha.
Raramente leio o que escrevo. Nunca tinha lido em voz alta nada do que escrevi. E se, muitas vezes, o processo de escrita é doloroso, ler em voz alta o que o lápis deixa marcado no papel chega a ser violento……
Percebo que é importante esse passo. De respirar fundo e verbalizar. Ler em voz alta o que escrevo. Mesmo que me sinta violentamente agredida pelas minhas próprias palavras, é um processo necessário para uma espécie de libertação. Mas, acima de tudo, de aceitação.
Escrever é-me natural. Sempre o foi. Confrontar-me com o que escrevo, dizendo em voz alta cada uma das palavras que marquei no papel, é estranho. Difícil. Doloroso. Violento. Mas necessário.
Ninguém disse que ia ser fácil…
Da desvalorização da dor na infância e adolescência com “isso são dores de crescimento” ou “perca peso que isso passa”: aos 39 anos, são 2 destas, por favor.
Não desvalorizem as queixas dos vossos miúdos. Se o médico desvalorizar com supostas dores de crescimento ou o peso um bocadinho acima, insistam. As queixas existem por algum motivo, a dor está lá e é preciso perceber a real causa.
Durante anos ouvi que a dor que tinha na anca era dor de crescimento. E que, se perdesse um bocadinho de peso, passava. Ou que “isso foi um mau jeito qualquer”.
Deixei de crescer. Perdi peso. Ganhei. Voltei a perder. E o mau estar sempre lá.
Hoje dizem-me: já passou, há muito tempo, o momento de tratar e prevenir um mal maior. Tenho comigo uma bomba relógio na anca direita e uma anca esquerda também em muito mau estado.
Não há nada a fazer à anca direita a não ser substitui-la. Colocar prótese. Mais tarde na esquerda também. Não avançamos já para a prótese porque, mais uma vez me dizem, sou demasiado jovem para este cenário e colocá-la já vai trazer problemas antes do tempo. Por enquanto é muita fisioterapia para tentar atenuar outro dos problemas da anca. Nunca menos de 20 a 30 sessões intensas. Daqui a 6 meses reavalia-se. Até lá é proteger ao máximo para que a bomba não detone.
Sim, já podia ter sido detectado o problema há muito tempo. Quando me queixei pela primeira vez com dores na anca. Não tinha mais de 10 anos. Mas estava a crescer. E estava um bocadinho acima do peso. Rodeada de médicos como cresci, nem um valorizou a dor.
Não desvalorizem as dores dos vossos miúdos. Especialmente quando se tornam demasiado presentes.
Sei que devia ficar quieta. Sossegada. Sei que, provavelmente, é essa a melhor opção. Sei que é cedo quando receio que cada novo dia já seja tarde. Sei que tenho que optar, não sabendo exactamente entre o quê. Sei que quero agir, fazer acontecer, dar um passo. Mais um passo, na verdade. Mas tenho medo.
É verdade que fui eu quem resolveu dar outro passo há uns meses. Um passo que me foi necessário dar na altura em que foi dado. Também é verdade que foi por causa desse passo que percebi a importância dos ramos da minha árvore. E hoje, como de há umas semanas para cá, a vontade é voltar a reunir os ramos, todos eles, mesmo que tenha afastado alguns. Que me tenha afastado de alguns.
Sou árvore. Com raíz, tronco, ramos. Mas nem por isso segura. Sou árvore em crescimento, ainda instável. Ou será que sou sempre instável? Sou árvore em crescimento que verga ao vento, que cede à pressão do que não conhece mas sobretudo do que não entende e do que não sabe.
Mas sou também árvore que sente. E que lê o que sente. E lê o que vê. E mantenho que não me enganei, que não errei a leitura que fiz do que vi, do que senti. O brilho estava lá. Como nunca antes o tinha visto tão explícito. Tão seguro. Tão certo. Não, não errei. Não li mal. Não imaginei o que vi, o que senti. Mas especialmente o que vi…
Estava lá tudo nesse dia, naquele ramo que me é demasiado importante para abdicar dele. Um ramo que faz parte da minha árvore, ou será apenas um enxerto que pode não pegar? Não. Mesmo que seja apenas um enxerto já pegou. Sei-o. Porque vi-o. Porque o sinto.
Devia ficar quieta, eu sei. Mas não quero que o Tempo se esgote. Porque se hoje ainda é cedo, amanhã já poderá ser demasiado tarde. E esse ramo acabará por enfraquecer e inevitavelmente partir se não for alimentado. Não quero que isso aconteça. Não posso deixar que aconteça. Mas sei que devia ficar quieta. Sossegada. Porque esse ramo, assim como a árvore que sou, também está em crescimento. E é frágil. E, sinto-o, está em luta consigo próprio sobre se se mantém firme ou se se deixa levar pelo vento que me faz instável e simplesmente segue para longe em busca da estabilidade que procura.
Sim, sou instável. Tal como uma árvore em crescimento. E não posso nem quero abdicar de cada um dos meus ramos. Mas devia ficar quieta. Sossegada. Eu sei.
Eu sei…
“Não posso esquecer-me dela, a Lua. Está sempre lá, mesmo que não a veja.
Não posso esquecer-me de ser como a Lua. Umas vezes Crescente, mesmo que a Poente, outras vezes minguante, mesmo que a Nascente. E, entre ambas as fases, as outras: as Meias Luas, perfeitas no equilíbrio. Cheia, a transbordar de Luz, mesmo que a luz da Lua seja apenas um reflexo do que vem do Sol, nunca uma Luz própria. E a Lua Nova. A Escuridão. Quando a Terra tapa o Sol e não permite que a Lua se ilumine.
Como eu. Tantas vezes. Tantas vezes Lua Cheia. Tantas vezes Lua Nova. Tantas vezes Crescente, tantas vezes Minguante. Tantas vezes Meia Lua, equilíbrio perfeito entre a Luz e a Sombra.
A Lua. Eu. Eu. A Lua. Ela está lá sempre. Mesmo que não se veja, mesmo que o Sol se esconda atrás da Terra. Mesmo que a Terra apague a Lua.
Eu. Estou cá sempre. Mesmo que não me veja, mesmo que não brilhe, mesmo que os químicos me apaguem. Sou eu por inteiro. Com fases. Com ciclos. Com Luz. Com Sombra. ”
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{escrito em papel a 4 de Setembro}
Tinha deixado a porta entreaberta. Um dia decidi fechá-la. “É apenas temporário. Hei-de voltar a abri-la”, disse. Disse-lhe. Disse-te.
Bati à porta há pouco tempo, a medo. Que não estivesse ninguém em casa. Mas estava. Não foi preciso esperar para que me abrissem a porta assim que toquei. Entrei. E saí. Foi visita rápida. Quase visita de médico. Mas o suficiente para perceber que ainda lá mora alguém que me abre a porta.
Voltei a tocar à campainha. Desta vez não me era necessário que abrissem logo. Como previsto, demorou a chegarem à porta. Não entrei. Aliás, entrei mas não passei da entrada. Não quis. Ali era o suficiente para o que me levou a bater à porta desta vez. Demorei-me um pouco mais desta vez, ainda assim.
Saí e deixei a porta por fechar. Ela ali está, entreaberta. Sei que, se quiser voltar a entrar, terei que voltar a tocar à campainha. Afinal, mesmo com portas entreabertas não se entra em casa de ninguém sem tocar à campainha.
Ela ali está, a porta. Entreaberta. Sei que, afinal, ainda lá mora alguém. A porta, à minha saída, ficou entreaberta. Mas não queria ser eu a tocar novamente à campainha quando uma porta pode ser usada nos dois sentidos.
Fechar novamente a porta? Mantê-la entreaberta? Fechá-la novamente não faz sentido. Já não faz. Mantê-la entreaberta pode ser uma opção, mas tenho medo das correntes de ar que a possam fechar.
Entretanto, fico deste lado, do lado de fora. Até decidir se volto ou não a tocar à campainha.