1001. Depois de 42.
1001 dias. 1001 noites. 1001 vezes o Sol nasceu. 1001 vezes o Sol se pôs. Afinal parece que o teu pai tinha razão, que nada iria mudar, que nada mudou, quando me disse na última vez que o vi: “o Sol continua a nascer e a pôr-se todos os dias”.
Tudo mudou. Claro que tudo mudou. Mudei eu. Mudou o teu pai. Mudou o Mundo como o conhecia antes de ti. Mudou a minha forma de amar também. Porque deixei de amar apenas aqueles que de alguma forma estão perto, que conheço as feições, que posso tocar, que posso ouvir, que posso cheirar. Aprendi que é possível amar quem nunca se viu. Não…não é verdade que nunca te tenha visto…… Vi-te quando o meu corpo te expulsou de mim. Vi-te perfeitamente definido, contornos perfeitos de um bebé de 42 dias de gestação. As mãozinhas que já se percebiam, a cabeça, o que viria a ser as perninhas se te tivesse mantido comigo, em mim, por 40 semanas e não apenas 42 dias.
Aprendi a amar de forma diferente. Porque tudo mudou. Aprendi que é possível alguém viver em nós em cada segundo de cada hora de cada um dos 1001 dias depois de 42 e mais além. Aprendi que é possível amar quem nunca se tocou, quem nunca se ouviu, quem nunca se cheirou. Não vou dizer que nunca te senti. Porque também aí estaria a mentir. Porque da mesma forma que te vi quando o meu corpo te expulsou, também te senti a soltares-te de mim. Não posso dizer que tenha sido um parto. Mas apenas uma expulsão…
Aprendi que é possível amar quem tão pouco tempo teve para ser mais mas que hoje é, para mim, tudo o que de melhor eu tive. E que não soube cuidar.
Aprendi que é possível amar quem já só existe em mim, comigo. Que não é visto nem sentido por mais ninguém mas que existiu, foi real, foi meu, parte de mim, em mim.
Aprendi, também, que nem sempre posso falar abertamente por saber que poucos irão entender o porquê de falar de 42 dias. Aprendi, também, que é preferível o silêncio, as lágrimas escondidas, o fazer de conta. Porque, aprendi, só existe para o Mundo aquilo que foi palpável.
No meu mundo existes tu. Mesmo que tenham já passado 1001 dias, 1001 noites, de vazio depois de 42. Existes mesmo que não te veja, não te sinta, não te oiça, não te cheire. Existes quando penso em ti 24 horas por dia, todos os dias, há 1001 dias, 1001 noites.
Aprendi a amar desta forma estranha para os outros. Mas que é a única forma que tenho de te amar. Aprendi que só é permitida e aceite a tua existência sem julgamentos 2 vezes por semana dentro daquelas 4 paredes onde procuro por mim. Ali é-me permitido que existas. Ali é-me permitido que te ame. Que fale de ti. Que fale por ti. Que fale para ti. Ali é-me permitido ser da única forma que posso ser mãe. Sem julgamentos. Sem críticas. Apenas amor, o meu. Por ti.
Não soube ser mãe de outra forma. Peço-te desculpa por isso todos os dias. E sei que me ouves, me vês, me sentes. E me queres bem. Ainda que seja cedo, mesmo 1001 dias depois da tua ausência.
Aprendi tanto, meu amor. Aprendi que não é doentio, como me disseram, contar os dias da tua ausência. Aprendi que a contagem dos dias é a única forma que tenho de me lembrar que exististe, que existes. Como se algum dia me fosse possível esquecer-te.
Tudo mudou. O Sol continuou a nascer e a pôr-se. 1001 vezes. Mas tudo mudou. Começando por mim, mesmo que ainda não te saiba dizer quem sou hoje porque continuo à procura de mim.
A única coisa que não mudou? O facto de não estares aqui, comigo, ao meu lado. Mas aprendi que é possível mudar a forma de amar. Como mudou a minha.
1001 dias. 1001 noites. Sem ti. Mas não deixo de te amar. Todos os dias. Porque, para mim, existes. Em mim. Todos os dias.