Category Archives: {#Capítulo3_2017}

{#página90} 

– Gosto de saber que estás melhor! 

– Não estou melhor. Estou…diferente.

– Não! Consigo perceber que estás melhor. 

– Não. Estou diferente. 

– Tu estás melhor! 

– Não… Apenas diferente… 

Verbalizar assusta-me… Por isso mantenho: estou apenas diferente. 

{e as projecções, sempre as projecções! Para o bom e para o mau. Até quando? E como saber distinguir entre uma projecção e outra coisa qualquer…?} 

{#página89} 

Luz e sombra. 

Branco e preto. 

Positivo e negativo. 

Insisto em não ver. Em não querer ver. A luz, minha. O branco, meu. O positivo, que tenho. 

Mais facilmente aceito o meu lado escuro, a minha face negra, os meus pontos abaixo de zero. Os outros, os opostos do que vejo, não os reconheço. Não os sei reconhecer em mim. Não os sei aceitar. Não os quero assumir como opostos de sombra, de preto, de negativo. Prefiro mantê-los no cinza, ali no meio. Média. Mediana. 

Assumi-los seria exigir de mim mesma mais, muito mais, do que sei ser capaz de ser. Exigir de mim mesma o que nunca soube ser. O que nunca fui? Mediana, é só o que quero ser. Não menos que isso porque não sou apenas escuridão, não mais que isso porque não sou apenas luz. Cinza. Cinza sei ser. Cinza linear, médio, na proporção certa de preto e branco. 

Onde foi que me perdi no percurso de me ver e aceitar que, se calhar, também tenho luz, branco, positivo? Onde foi que deixei de acreditar que, se calhar, também posso pôr na balança aquilo que nunca lhe soube o peso por achar, apenas, que simplesmente faz parte e não tem que ser medido? Onde foi que passei a reconhecer qualidades apenas nos outros e nunca em mim mesma? Onde foi tudo isto que me tornei sem dar conta? 

Um dia, dizem-me, irei saber reconhecer aquilo que hoje insisto em não querer ver. Dizem-me que não querer ver faz parte. Que não querer ver é um processo interno de defesa. Dizem-me. Não querer ver, digo eu, é o resultado de todos os processos externos que me demonstraram ao longo do caminho que esse lado luz, branco, positivo, esse lado que insisto em não querer ver, esse lado que querem que me esforce por aceitar que existe, não querer ver, digo eu, é o resultado de todos esses processos externos que desde sempre me recordam que não sou mais que sombra, preto, negativo. 

Por isso cinza. Proporção certa de preto e branco, luz e sombra, positivo e negativo. Média. Mediana. Jogar pelo seguro. Não exigir de mim mesma o que não posso oferecer. A mim própria. 

Não. Não vejo. Não quero ver. Não sei sequer se saberei alguma vez ver. Sei, apenas, que me defendo ainda antes do ataque. Ergo muros, barreiras, visto a armadura, ponho a máscara, aguardo o embate. Sempre doerá menos quando voltar a falhar. A falhar comigo mesma. 

{#página88} 

Não será o último pensamento do dia. Outros, tantos!, virão ainda antes de adormecer. Mas é um pensamento recorrente de final de dia: hoje não foi assim tão mau. 

Medo? Claro. Como não? Medo de voltar àqueles outros dias que, afinal, nem foram há tanto tempo assim. Medo das surpresas do carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas. Medo, no fundo, do que desconheço porque ainda não chegou, porque amanhã ainda é longe e não é agora. Medo, sempre medo. O medo. De ser cedo, demasiado cedo ainda. De não estar preparada. De não estar pronta ainda. De não ser ainda tempo. Tempo de não sei bem o quê ao certo. Só sei que ainda é cedo. Muito cedo. 

Ou será apenas medo de aceitar que é possível ter dias bons? Que também tenho direito a eles? Que também os mereço? Que, apesar de tudo, também são meus para os sentir como são: bons. Bons só porque sim. 

Hoje não foi assim tão mau. É uma forma receosa de assumir que hoje foi um dia bom. Que não quero verbalizar com medo que o feitiço se quebre. Porque já o tinha dito antes e afinal voltei a entrar na feira popular sem comprar bilhete e que me levou rapidamente ao carrossel. Esse mesmo. O tal carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas. Não sei se a viagem já terminou. Desconfio que não. Acredito, ou faço por querer acreditar, que as moedas que não são precisas acabaram por se esgotar e o carrossel comboio fantasma montanha russa já só desliza pela inércia de tanto tempo em movimento. Mas e se não for nada disso? E se for só mais um daqueles troços ilusórios que antecedem mais uma queda vertiginosa seguida de mais umas quantas curvas apertadas para rodopiar no eixo roubando-me novamente o Norte, tirando-me novamente o chão…? 

Hoje não foi assim tão mau. Quero acreditar que sim, que vai continuar a ser assim, não tão mau. Mas não verbalizo, não quero, não consigo verbalizar!, que foi um dia bom. E que também tenho direito e também mereço dias desses. 

Último pensamento do dia: hoje não foi assim tão mau… 

{#página86} 

A hora das sombras longas. Aquela hora em que é suposto começar a abrandar. 

Lembrar-me de desacelerar. De respirar. De sentir. De ser. 

Eu. Na hora das sombras longas, aquelas sombras que me recordam que sou mais do que a soma de todas as partes, que sou maior que os meus medos, os meus receios. 

Vai correr tudo bem. Porque sim. Porque eu quero. Porque eu posso continuar a ser maior do que a soma de todas as minhas partes. As boas e, especialmente, as más. 

{mantenho: vai correr tudo bem…} 

{#página85} 

Mimos, edredon, sofá, Meu Um e Meu Dois. 

São 40. Nunca pensei chegar tão longe. Dizem que o melhor começa agora. Pois que venha. Estou cá. 

São 40. Mesmo que permaneça lá atrás pelos 27. 

São 40. 

Parabéns para mim. 

{#página81} 

……………inspira…expira…repete. Respira. Também a raiva vai passar. Também a magoa vai passar. A raiva tens que deixar sair. A magoa tens que perdoar. Inspira. Expira. Repete.

Respira. E segue o teu caminho. Em frente.

{#página80} 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de provocar danos. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de espetar farpas. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de incomodar. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de me aproveitar da fragilidade. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de magoar. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de ser instável. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de pôr o dedo na ferida. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de me fazer presente. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de ser problema. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

E a vontade de ser um peso. 

Um dia atrás do outro atrás do um. 

………… 

Um dia atrás do outro atrás do um. E a vontade de ser melhor que tudo isto… Mas não sou. 

{#página79} 

Talvez um dia eu consiga ser melhor. Mas não hoje. Não agora. Não ainda. Não já.

Desculpa. Por tudo.

{#página78} 

É possível sentir saudades do que não se teve? Sim, é.

Há dias em que as saudades são mais brandas. Outros há em que doem demasiado. Há, também, aqueles dias em que as saudades nos levam pelo caminho do imaginário. Imaginar como seria, como teria sido, o que acabou por não ser.

Tenho saudades do meu filho. Aquele que não chegou a nascer e que faria por estes dias 2 anos.

E hoje, especialmente hoje, tenho saudades da barriga que não cheguei a ter. Que não chegou a crescer. Mas que sinto, na memória que não é real, enorme, redonda. Tenho saudades de acariciar a minha barriga, de sentir os movimentos do meu bebé, de lhe falar. Tenho saudades do peso da minha barriga. Tenho saudades de não conseguir ver os pés. Tenho saudades de a encostar, sem querer, a tudo com que me cruzava por não conseguir ter olho para as distâncias e porque todos os dias a minha barriga estava diferente.

Tenho saudades de me sentir pesada. Tenho saudades de apoiar e cruzar as mãos junto ao peito ali onde começava a curva da barriga. Tenho saudades, tantas, de lhe tocar… Simplesmente tocar na minha barriga, como um tesouro, como um bem precioso.

Tenho saudades disso tudo. Mesmo não tendo passado por nenhuma dessas experiências. Porque 42 dias não foram tempo suficiente para que a barriga crescesse. Para que o corpo mudasse. Para que olhasse ao espelho e me visse diferente.

Tenho saudades da minha barriga. Aquela que não cresceu. Aquela que não chegou a pesar. Aquela que não guardou os movimentos do meu bebé. Aquela que não se encostou a nada porque não foi preciso medir as distâncias. Tenho tantas saudades dela. E, no entanto, nunca cheguei a tê-la.

Feliz dia do Pai. Até mesmo para quem não o quis ser. O dia da Mãe ainda está longe. Mas não vai ser melhor que o dia de hoje.

Amo-te muito. Mesmo que só te tenha tido por 42 dias. Em mim. Mesmo que, agora, sejas unicamente meu, para sempre. Fazes-me falta. Muita. O teu sorriso que nunca vi. O teu riso que nunca ouvi. A tua mão pequenina que nunca senti. O teu sono que nunca dormi.

Amo-te muito. Mais um dia sem ti, mais um dia que vives em mim.

{#página77} 

Há dias melhores que outros. 

Hoje foi um dos outros… 

962. Depois de 42. Um dia talvez deixe de contar. 

{#página76} 

es·pe·ci·al 

adjectivo de dois géneros

1. Relativo a espécie.

2. Particular.

3. Privativo.

4. Excelentedo melhordestinado a um fim ou uso particular.

“especial”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/especial

Não. Não sou. Por muito que insistam em dizer-me que sim. 

Especial é o arco-íris às primeiras cores da manhã. Não eu. 

Não. Não sou. 

{#página75} 

If you want to go fast, go alone. 

But if you want to go far, go together. 

Quero ir longe. Mais longe. O caminho? Ainda agora começou. Uns dias tenho pressa. Outros sei que ter pressa não resulta. Não tenho tempo para perder Tempo. Tenho todo o Tempo para chegar longe. 

Não sozinha. Não conseguiria nunca chegar onde já cheguei sozinha. Mesmo que durante tanto tempo, demasiado tempo, repetisse para mim mesma que o meu caminho era para ser feito sozinha. Não era. Não é. Não vai ser. 

“Estou verdadeiramente orgulhoso de ti. Muito, mesmo.”

“Já percebeste que és especial?”

“Tens todo o meu aval para fazeres essa asneira que queres fazer. E sabes que eu vou estar sempre aqui atrás para ti.”

“Para mim, pessoalmente, és especial.”

“Tens feito um trabalho muito bom.”

Temos. Em conjunto. 50/50. Porque sozinha sei que seria impossível. Porque, sozinha, o mais certo seria ter desistido. Lá atrás, quando as vozes me gritavam para saltar, quando os riscos na pele me atenuavam momentaneamente a dor, quando era o confronto com as paredes que me trazia algum conforto. 

Divisão de responsabilidades. Tanto para o mau como, agora, para o bom. 

Sei que um dia terei que voltar a caminhar sozinha. Até lá vou aprendendo. Retendo. Crescendo. Respirando. Mas não sozinha. Não sozinha. Mesmo. 

Se sou grata? Tanto! E o caminho ainda agora começou. 

Voltarei a tropeçar e a cair as vezes que forem precisas. Voltarei a esfolar os joelhos e a desinfectar feridas. Voltarei a chorar. Muito. Voltarei a dizer que estou cansada disto que nem eu sei explicar exactamente o que isto é. 

Mas, sei-o já, quando voltar a tropeçar, a cair, a chorar e a pensar em desistir vai ali estar alguém que, sem crítica ou julgamento, me vai dizer “eu estou aqui para ti, não estás sozinha”. Mesmo que lhe diga sempre que não, não sou especial. Eu? Eu sou apenas eu. Com tudo o que isso implica. 

{#página74} 

Às vezes não é preciso mais nada. Um abraço é o suficiente. 

Desenho-o para mim, para quando for preciso, para quando me faltar. 

Como hoje. 

{#página73} 

Presença vs ausência. 

Há presentes ausentes. Mas aprende-se a lidar com essas presenças ausentes. 

E há ausentes presentes. Por um motivo ou outro, deixam de estar, nunca estiveram, nunca quiseram estar, não poderam ficar. Por um motivo ou outro são ausências sempre presentes. Com algumas dessas ausências aprende-se a lidar, a aceitar que já não é possível de outra forma. Ficam para sempre presentes, mesmo que para sempre ausentes. Outras ausências são-no porque não têm lugar para serem presentes, porque no tempo em que ainda eram presentes sempre foram ausentes. 

Existem, ainda, aquelas ausências que serão sempre presentes precisamente porque não o poderam ser. Presentes. Porque não eram para ser? Talvez… 

E depois há aquelas ausências auto-impostas e que, se calhar por isso mesmo, continuam demasiado presentes. Não, não posso dizer que essas me fazem falta. Na verdade não fazem. Não me são presenças saudáveis. Mas também não são ausências melhores… Não me fazem falta, mas sinto-lhes a ausência. Não, não vou voltar atrás. Não posso. E ainda a raiva. A frustração. O desalento. A desilusão. Não. Não vou voltar atrás. Mas ainda preciso de aprender a aceitar que esta ausência auto-imposta é, de longe, o melhor para mim. Porque quem quer saber pergunta, quem quer mesmo saber telefona. Faz-se presente. Mesmo que eu o faça ausente. Que continua demasiado presente. 

Não. Não vou voltar atrás. Não posso. Não quero. Não depois do longo caminho dos últimos 6 meses e meio. Dos últimos 2 anos e meio. Não vou voltar atrás e fazer-me, a mim, presente a quem nunca quis ser mais do que ausente. 

Presença vs ausência. 

E a memória. De tudo. Especialmente do que estará sempre presente mesmo sendo, para sempre, ausente. E não, ainda não consigo perdoar. Ainda não consigo perdoar-te. Mas talvez já esteja mais perto de perdoar-me… Mas não a ti, ausência ainda demasiado presente. 

{#página72} 

Gostava de poder dizer que não sinto a tua falta. 

Mas estaria a mentir… 

(Um dia… Um dia deixo de sentir a tua falta…) 

{#página71} 

Eu sei que as vozes ainda se fazem presentes mais do que gostarias. Sei que te esforças para não as ouvires. Mas sei também que já começas a não lhes dar razão. Mesmo que tantas vezes aches que as vozes estão certas. E é por isso que tens medo, eu sei. 

Tens medo de perder este momento, este sentir de agora, esta espécie de serenidade em que te encontras. Que conquistaste a muito custo. Tens medo de voltar àquele lugar escuro e frio, àquele carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas. Tens medo que este momento seja só mais um daqueles troços antes da vertigem, do abismo, da descida rápida no vazio. Tens medo de sentir tudo aquilo de novo. Os riscos na pele, o conforto do confronto com as paredes. 

Faz parte. Esse medo faz parte. É normal que tenhas medo. É o lado emocional a falar. É a emoção. É o irracional. 

Mas também tens a razão ao teu lado. A parte racional que te diz que tudo isto é normal. Mesmo que estranhes toda este espécie de serenidade do momento. Mesmo que acredites que a serenidade precede sempre a tempestade. É a experiência que to diz. Mas a razão diz-te o contrário. A razão diz-te que coisas menos boas irão sempre acontecer e tu não tens como controlá-las. Mas mesmo depois dessas coisas menos boas acontecerem a serenidade acaba por regressar. A muito custo muitas das vezes. É verdade. E não é justo. Porque é que a tempestade é sempre mais fácil? Talvez por não a poderes controlar. Mas a serenidade podes conquistar. Reconquistar. Regressar a ela. Por muito duro que seja o caminho, sabes hoje que sim, é possível regressar à serenidade. 

És mais de emoção do que de razão. E é por isso que tropeças tantas vezes e cais outras tantas. Porque sentes. Tudo. O bom e o mau. Intensamente e à flor da pele. É assim que és e ninguém te pede que mudes. Ou não devia pedir… Porque essa, a das emoções à flor da pele que sente tudo intensamente, és tu. Por inteiro. Com tempestades. Com serenidade. Com carrossel comboio fantasma montanha russa que não precisa de moedas. Com vozes que gritam aos teus ouvidos e que hoje fazes por não as ouvir. 

É uma sensação estranha essa que sentes agora, essa espécie de serenidade. Não é? Eu sei. Mas também mereces senti-la. Mesmo que tenhas medo de a perder de um momento para o outro. 

Lembra-te: por muito que haja uma parte que te falte, não estás sozinha. Nunca te esqueças disso. E sempre que a emoção precisar do equilíbrio da razão sabes onde procurá-la. Tudo, seja o que for, é sempre mais fácil quando percebemos, sabemos e aceitamos que não estamos sozinhos. E tu não estás. 

Ainda que as vozes, em surdina, teimem em repetir que sim. E que é sozinha que mereces estar. Por tudo. 

{#página70} 

Colhes sempre o que plantas. 

E é tão bom perceberes, e aceitares, que começas a colher o que começaste a plantar há 6 meses e meio. 

Se tem valido a pena? Sabes tão bem que sim. Mesmo que nos dias menos bons insistas em dizer que não notas diferenças. Sabes que sim, que estás melhor, que estás diferente. 

O caminho, já sabes, não é fácil. Nunca te disse que seria. Ainda vais tropeçar algumas vezes. Provavelmente até voltarás a cair. Mas sabes que não estás sozinha. Já não estás sozinha. Tens quem te segure, quem esteja contigo quando cais, que te ajuda a racionalmente regressar e recuperar do tombo emocional. Que te permite ser mais emoção do que razão mas que simultaneamente te leva a racionalizar as emoções. Ensina-te, mesmo que não dês por isso, a procurar o ponto de equilíbrio. Esse mesmo ponto que não tens encontrado, que não tens conhecido. 

Colhes sempre o que plantas. E hoje começas, finalmente, a perceber que é possível colher o equilíbrio. 

Vai correr tudo bem.