30 de Janeiro, segunda feira. A última vez que passei para o papel coisas que não passo para o éter.
“Devias juntar tudo o que escreves. Compilar tudo. Qualquer dia podias escrever um livro.”
As palavras escritas sempre me foram fáceis. Durante anos andei sempre acompanhada de um bloco e uma caneta. Ia escrevendo sem rumo, sem objectivo. Pensamentos? Ideias, talvez. Poesia por uns meses. Depois fechei-me do Mundo, deixei de escrever. Até chegar a Internet lá a casa.
Comunicar no éter, escrever porque sim. Uma página pessoal, pensei eu tantas vezes. Até que alguém me falou de uma coisa nova, que era mais simples do que uma página pessoal. Chamavam-lhe web logs. Blogs. Estávamos no início do Verão de 2003. Agora que penso nisso, faz por estes dias 14 anos que criei o meu primeiro blog. Com exactamente o mesmo nome que tem este. Sem temática definida. Ia escrevendo sobre tudo, mas acima de tudo sobre nada. Durou 5 anos de escrita constante, diária. Não me lembro porque deixei de escrever…porque a vontade continuava cá. Mas alguma coisa me levou a parar.
2 anos depois percebi que era uma necessidade que precisava de ser atendida. Recuperei o arquivo do alojamento anterior. Queria recuperar todos aqueles anos de escrita. Instalei o blog em alojamento próprio. Estava tudo pronto para voltar a soltar no éter o que quer que fosse que me apetecesse. Até que, quando tudo estava pronto e por pura azelhice, apaguei tudo sem querer. Não fui a tempo de recuperar backups do alojamento por não ter dado pela asneira mais cedo. Voltei a ter uma página em branco… Ou melhor, todo um novo “caderno” cheio de páginas em branco. E assim ficou por mais de três anos.
Até ao dia em que a ansiedade que me sufocava me fez voltar a debitar no éter. Há 3 anos. Escrever porque sim, porque não, porque também. Porque a ansiedade era quase mais forte que eu e o meu rumo era nenhum. Voltei a escrever como há muito tempo não escrevia. Escrever sem filtros, escrever sem reler antes de publicar, escrever sem auto-censura. Escrever sem compromisso, sem obrigatoriedade ou obrigação. Sem prazos. Sem datas. E assim fui escrevendo. Sem pressa. E completamente sem rumo.
Até que Agosto de 2014 se fez presente. Até que escrever, debitar no éter, se transformou numa espécie de terapia, uma questão de sobrevivência. 1043 dias depois de 18 depois de 42, e escrever diariamente é o que me tem permitido respirar, digerir e avançar. Mesmo que tantas vezes ainda o ar não entre, tantas vezes ainda não consiga digerir, tantas vezes ainda regrida no processo de avançar.
É a escrever que exorcizo fantasmas, mesmo que por vezes dê lugar às vozes que ainda me visitam. É a escrever que reflicto sobre o que ainda me dói, mesmo que não perceba no imediato. É a escrever que lanço no éter o que, por algum motivo, não consigo fazer chegar de outra forma. Mesmo que tanta coisa não chegue a lado nenhum. É a escrever que vou dizendo o que nem sempre tenho oportunidade de verbalizar. Ou coragem para o dizer……
Perdi o rumo da escrita por aqui. Ou se calhar não o perdi e o rumo do que vou escrevendo é exactamente este. Com altos e baixos. Baixos muito baixos tantas vezes. E a tentar, todos os dias, voltar aos altos.
E no meio de tanta coisa escrita alguma coisa há-de fazer algum sentido. Mesmo que raramente leia o que ficou para trás.
Voltei aos cadernos, entretanto. Inicialmente apenas como uma ferramenta complementar ao acompanhamento psicoterapêutico. Seria apenas para breves apontamentos no início de uma relação terapêutica que ainda não sabia o rumo certo a tomar. Mas sempre tive dificuldade em fazer breves apontamentos. Ou resumos. Escrever pouco nunca me foi fácil. Como é que se consegue reduzir a meia dúzia de pontos um Mundo imenso que trago comigo?
Fui escrevendo todos os dias, pondo no papel tudo aquilo que não cabe no éter. Fui escrevendo tudo aquilo que não sei dizer em voz alta a menos que esteja a ler. Fui escrevendo todos os dias, fui lendo algumas vezes, chorei a ler em voz alta outras tantas. Nunca tinha percebido até ler em voz alta o quanto pode doer o que vou escrevendo…… Seja no éter ou no papel.
Hoje apetece-me voltar ao papel. Acabo, no entanto, por me dedicar ao éter. E desta vez não posso, de maneira nenhuma, perder tudo o que escrevi nestes últimos 3 anos, tudo o que debitei no éter.
Tenho que compilar tudo. Juntar tudo de uma forma física. Porque o lugar das palavras escritas é no papel. Irei fazê-lo. Juntar tudo, guardar em capa própria. Encadernar, porque não? Mas não será mais do que um arquivo pessoal. Que me é importante manter por perto. Porque tudo o que tenho escrito nos últimos 3 anos não tem que ser um livro como já várias pessoas me sugeriram. Porque o que tenho escrito nos últimos 3 anos não interessa a ninguém. Não ensina nada a ninguém. Não é útil para ninguém. Afinal, quem iria dar-se ao trabalho de ler aquilo a que nos últimos dias dei por mim a chamar de “Diário de uma Depressão”…?
Continuarei a escrever. Enquanto me fizer sentido. Enquanto me for necessário. Diariamente como nos últimos 1043 dias. Com mais ou menos coisas para debitar no éter, com mais ou menos altos e baixos. Continuarei a escrever. Porque não sei ser de outra forma que não em palavras escritas.
Livro? Não. Um dia não escrevo um livro. Simplesmente porque não tenho nada para escrever que faça sentido chamar-lhe livro.