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Não sei que idade tem. Nem tento adivinhar. Quase diria que tem idade para ser minha avó. Mas depois lembro-me da minha idade: 27 anos com 19 de experiência. Talvez ainda seja possível ter idade para ser minha avó, não faço mesmo ideia.

Apoia-se numa bengala a grande custo. E acredito que entrar e sair do autocarro seja, para ela, uma daquelas aventuras penosas, tal é a dificuldade notória que tem em mover-se.

Sentou-se ao meu lado. Mas, para se sentar, perguntou se se podia apoiar em mim. Disse-lhe que sim, claro. Deixou-se escorregar para o banco ao meu lado, aquele que fica do lado do corredor sem protecção ou braço de apoio. E, nas curvas, bem que era necessário.

Deixou-se ficar apoiada a mim. Perguntou-me se me importava que levasse a sua mão na minha perna. “É para não cair”, disse-me meio envergonhada. Claro que não me importo, disse-lhe. E assim vamos da Praça de Espanha até à Costa, com algum trânsito no caminho e algumas curvas apertadas que a fazem apertar-me o joelho num aperto que não me incomoda.

Já não tenho nenhuma avó. Mas tenho saudades. Porque, tenho a certeza, se fosse hoje os nossos passeios de avó e neta também seriam assim.

E, de repente, lembrei-me da D. Carlota que ajudei em 2016 a percorrer 100 metros em mais de 60 minutos. Que me agradeceu quando a deixei no banco e pediu-me um beijinho. Em troca pedi-lhe um abraço e que não voltasse a sair sozinha de casa.

E agora, no autocarro, esta avó que não é minha quis dar-me a pregadeira que trazia com ela como agradecimento. Recusei. Ela insistiu. Voltei a recusar. E disse-lhe que se me desse um beijinho eu aceitava e ficava feliz. E assim foi. Deu-me um beijinho e eu dei-lhe um sorriso. Ainda não chegámos à minha paragem e ela continua agarrada à minha perna. Mas eu vou sair já na próxima paragem…

Rita. A senhora que veio ao meu lado hoje no autocarro chama-se Rita. Porque eu gosto de saber o nome das pessoas. Assim como soube o nome da D. Carlota que ajudei em 2016 e que, na altura, me fez ganhar o dia simplesmente porque confiou em mim para a ajudar a percorrer aqueles longos 100 metros que demoraram mais de uma hora a serem percorridos devido à extrema dificuldade daquela senhora em deslocar-se (e que, mesmo assim, arriscou ir à rua sozinha para ir ao banco).

A D. Rita. Só o facto de se ter sentado ao meu lado e ter confiado em mim durante toda a viagem para não cair, fez-me ganhar o dia.

Gosto de saber o nome das pessoas. E gosto de momentos como aquele de 2016 em que me cruzei com a D. Carlota ou a viagem de hoje ao lado da D. Rita. Nenhuma delas sabe, mas fizeram-me ganhar o dia. E não duvido que, tenha sido em 2016 ou tenha sido hoje, fiz a diferença no dia de alguém.
E isso é tão bom.

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