Category Archives: {#Capítulo1_2017}

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Olhar para cima. Custe o que custar. Sempre.

Procurar, sempre, o lado positivo. De tudo. Em tudo.

E todas as semanas ele faz questão de me lembrar que há sempre um lado positivo. Em tudo. Eu é que teimo em não querer ver.

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………tantas vezes o esforço parece não ser o suficiente. Parece não compensar. 
Estou a tentar. Juro que estou a tentar. Melhor não consigo……… 

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As memórias não se apagam. Sejam boas ou más, ficam para sempre gravadas. 

As memórias. As novas não se sobrepõem às antigas, as boas não eliminam as más. Guardam-se. Todas. 

Preferia recorrer às boas mais do que às más. Preferia, até, encontrar o lado positivo das más. Se é que existe. 

Procuro construir novas memórias todos os dias. Preferencialmente boas. Mas preciso, muito, acalmar as outras, antigas e más. 

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“Na minha opinião, sim, vale a pena, tu vales tudo.”

Não. Na minha opinião não valho tudo. Nem metade… 

“É o que a Depressão te faz sentir, não é fruto de ti.”

……não sei, já, onde termina a doença e começo eu. A doença… Doença. O peso do rótulo. O peso da palavra. Ou o peso da minha condição? 

Doença… Doente. Doente… Onde está, afinal, a fronteira entre o doente e a pessoa? Eu, doente. Eu, pessoa. Não há fronteira. Somos uma pessoa só. Eu, doente. Doente, eu. Eu… 

Quando é que é a Depressão a falar? Quando é que é a Depressão a sentir? Quando é que sou eu………? 

……quando é que tudo isto vai passar……? 

“esta caminhada que vale o mundo, o teu mundo.”

Não… Não sei… Vale? Estou cansada. Tão cansada… 

“Preciso que continues a lutar e a tentar.”

………não sei como continuar……… 

“Não vou deixar-te desistir. Eu acredito em ti.”

…não me deixem desistir. Por favor… Porque hoje, novamente, já não acredito em mim………… 

E não é justo passar por isto assim. Desta forma. Não, não percorro o caminho sozinha. Mas percorro-o sem o apoio, sem a presença, que me são devidos. E não, não é justo ver-me assim, novamente, sem força e com cada vez menos coragem para continuar. Não, não é justo. Nada disto é justo desde o primeiro dia! E não, não é justo ter que calar e aguentar sozinha porque alguém simplesmente não quer saber do estrago que fez! Não, não é justo ter que ser eu a reviver tudo sem poder questionar, partilhar, perguntar! 

“É injusto passares por isto sozinha.”

Nada disto é justo. Nada disto é, sequer, correcto. 

“Estarei sempre aqui para te ajudar.”

………………por favor, não me deixes desistir…………… 

“Tu vales tudo.”

…………não…não valho tudo. Nem metade, sequer………

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Riscar a pele. O arrepio da caneta. O arranhar do traço carregado. O não sentir nada quando tudo o que procuro é calar a dor. 

Riscar a pele. Tal como se riscam os erros que não se podem corrigir. Como se cobrem de riscos disformes para tentar camuflar o erro, querendo torná-lo imperceptível. Sabendo, sempre, onde ele está, vendo-o sempre no emaranhado de traços carregados. 

Riscar a pele. Porque o confronto com as paredes já não me chega. Já não me conforta. As paredes são frias, duras. O traço aquece, é moldável. Não, o confronto com as paredes já não me conforta. Como não me confortam as palavras. Que oiço, que aceito. Mas que não me acalmam. 

Falta o toque. Falta a pele. O calor. 

Riscar a pele. Solução ou parte do problema. Problema ou parte da solução. Não sei. Sei, sim, que é tão fácil. Tão simples.

Não. Não quero. Não quero essa estranha zona de conforto. Não quero a solução que é parte do problema, do problema que é parte da solução. 

Mas é tão fácil. 

Tão simples. 

Riscar a pele. 

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“Estou muito orgulhoso de ti.”

Mesmo quando olho para trás e não veja motivos de orgulho.

“O caminho ainda é longo, vai demorar o tempo que for preciso porque é o TEU tempo.”

Mesmo quando olho para trás e vejo que já passou muito tempo que não é imenso mas já é tanto.

“Podes não perceber, mas eu vejo que estás melhor.”

Mesmo que sinta que não, que estou apenas diferente. Ou praticamente igual.

“Vou estar aqui sempre para ti.”

Mesmo sabendo que sempre é relativo.

Não, o caminho não é fácil. Já é longo. Ou nem tanto. Mas não é fácil. É cansativo. É uma luta diária para não regressar onde já estive. E muitas vezes a vontade é de baixar os braços de vez e desistir de lutar.

“Mas estou muito contente por ti, porque tu queres sair dessa zona que já conheces, a tua zona de conforto.”

Mas não sei sair dessa zona de conforto para o desconhecido. Não sei ser de outra forma. Não sei se saberei reaprender a ser de outra forma. Não sozinha.

“Sabes que eu estou cá. Sempre. Enquanto pessoa que se preocupa contigo.”

Sei. E, também aqui, tenho medo de falhar.

E se eu não conseguir………?

{#página23} 

Se estou melhor hoje do que há dois anos? Não. Não estou. E, se calhar, nem estou tão diferente como pensava.

{#página22} 

“Um dia, se fores mãe”

“Quando fores mãe entendes”

“Mas tu não és mãe”

“Netos só for pelo teu irmão porque de ti não vem nada, né?”

…………é, de mim “não vem nada“…………

{#página20} 

20 depois de 366 depois de 500 depois de 18 depois de 42………………

………mas já não conto os dias……… 

{#página19} 

Ponto de luz. Luz de presença. 

Hoje, perfeita. Metade luz, metade sombra. 

Ela, eu. Eu, ela. 

Ciclos. De luz, de sombra, de luta entre luz e sombra, de equilíbrio.

Eu, ela. Ela, eu. 

Ponto de luz. Luz de presença. Ela, sempre. Lá, sempre. 

{#página18} 

“Do que é que precisas para perdoar alguém?”

…que admitas a tua parte da responsabilidade nos danos causados… Tão simples. Tão complicado. Até lá, não. Ainda não consigo perdoar. Perdoar-te.

Perdoar-me.

{#página17} 

Humpty Dumpty sat on the wall,

Humpty Dumpty had a great fall.

All the king’s horses

And all the king’s men

Couldn’t put Humpty Dumpty

Together again.

É, ainda, muito ténue a linha do equilíbrio. Aquela linha que me diz que, do outro lado, é tudo tão mais fácil, tão mais simples, tão mais cómodo e confortável.

Não é difícil ultrapassar essa linha. É, ainda, demasiado fácil. E tentador. É simplesmente ir. Deixar-me ir.

Não é fácil manter-me em cima do muro, não ultrapassar essa linha. Não é fácil porque não sou capaz de simplesmente varrer as situações para um canto, ou até mesmo escondê-las debaixo do tapete como se, não estando visíveis, não existissem.

“Um dia atrás do outro atrás do um”. Retenho e repito. Há tanto tempo. “O tempo todo que precisares”, disseram-me. Disseste-me. Mas que hoje, para ti, já é demasiado tempo.

A raiva está cá. Toda. Se calhar já não o ódio, mas a raiva. Toda. E a vontade de expôr. De falar. E dizer a quem não conheço que deves ser um orgulho. Que és, realmente, um orgulho. Especialmente pela forma como tão bem sabes varrer seja o que for para debaixo do tapete.

É tão demasiado ténue esta linha… Que não ultrapasso não sei porquê. Mas que me garante que do outro lado é tudo tão mais simples, mais fácil, mais cómodo e até mais confortável.

Não quero voltar atrás na minha resolução de final de ano, final de ciclo. Muito por orgulho. Muito por saber que manter a minha decisão é o melhor para mim. O mais saudável. Mas a raiva… A raiva vai crescendo. Todos os dias mais um bocadinho. “Um dia atrás do outro atrás do um”. A ironia dos dias……

Um dia. Um dia exponho quem ainda hoje me magoa. E tenho perfeita noção que essa exposição servirá unicamente para magoar, ferir. Porque eu assumo a minha parte da responsabilidade dos danos. Mas não estava sozinha quando os danos foram provocados.

Humpty Dumpty sat on the wall…

{#página16} 

O que fazes com as primeiras cores da manhã? O que te fazem, a ti, as primeiras cores da manhã?

Com vista privilegiada para o nascer do dia, com o horizonte aberto, sem obstáculos, qual o valor que dás a cada nova cor que o dia te traz?

Às vezes esqueço-me que é tudo uma questão de perspectiva. De ponto de vista. O nascer do dia é o mesmo. As cores, as primeiras cores da manhã, essas são também as mesmas. Muda apenas o ângulo. E, ainda que observadas ao mesmo tempo, no mesmo exacto momento, podem ser tão diferentes. Porque tu, com uma vista privilegiada para o nascer do dia, com o horizonte aberto, sem obstáculos, tens as cores como certas, garantidas. Sem esforço consegues chegar-lhes. Mas e elas? As cores que te entram por essa vista privilegiada, nesse horizonte aberto, sem obstáculos, essas cores que tomas como certas, garantidas, será que chegam a ti? Permites sequer que te cheguem?

Talvez o problema passe, também, por aí. Pela facilidade de uma visita privilegiada, de um horizonte completamente aberto, absolutamente sem obstáculos. Talvez o problema passe, precisamente, por tomares essas cores como certas, como garantidas. Tudo isso te traz essa sensação de conforto que, no fundo, não passa de um conforto ilusório. Porque não te esforças para perceber que existem outras formas de chegar às primeiras cores da manhã. Sem vistas privilegiadas, com uma linha de horizonte muito fechada, repleta de obstáculos. Mas nem por isso com menos cor.

Ainda me lembro dessa vista privilegiada. É, de facto, um privilégio acordar com as primeiras cores da manhã a tocar os lençóis. Mas prefiro, muito mais, a linha de horizonte fechada, repleta de obstáculos, onde as primeiras cores da manhã pintam os recortes dos prédios.

{#página15} 

“Uma das tuas maiores dificuldades é lidar com a perda, não é?” 

A perda. Seja ela de que forma for. Não sei lidar com a perda, com a ausência. Não sei gerir o vazio que fica. Não sei reorganizar o espaço e o tempo que me ficam. 

Aceito que “a vida é sempre a perder” como se canta por aí. E aceito melhor aquela perda definitiva, sem possibilidade de regresso, do que a perda da ausência, da distância, de caminhos que se separam porque algo ficou por resolver. 

A perda. Os assuntos mal resolvidos. Ou nem sequer resolvidos, nem bem ou mal. Não sei lidar nem com um nem com outro. Mais facilmente enfrento e tento resolver. Mais facilmente aceito que o Tempo trace rumos e caminhos distintos. 

Não, não sei lidar com a perda. Mesmo que, desta vez, auto-imposta. E com todas as outras perdas que levaram a esta auto-imposição. 

Mais uma vez, cansada. Da perda. Das perdas. E de não saber lidar com elas. Nem geri-las. Nem aceitá-las. 

{#página13} 

Hoje, Avaliação de Desempenho. Todos os dias, avaliação.

Hoje, novamente, os elogios. Os adjectivos que não reproduzo por puro pudor.

Hoje, a aprender a aceitar o elogio. Como algo que faz parte.

Avaliação de Desempenho. Aprender a aceitar que sim, mereço. E que faz parte. Um dia, ainda não hoje, aceito sem questionar.

{#página11} 

Vantagens dos dias ainda curtos: poder assistir ao nascer do Sol. 

Ver o lado positivo de cada coisa. Nem sempre vejo. Muitas vezes me esqueço. Está na altura de me ir recordando.