Hoje…?
Completa e absolutamente perdida.
Por aí…
Não. Não estou bem. Não. Não está fácil.
………e já não sei qual é o caminho para ficar bem, ou pelo menos melhor………
Hoje…?
Completa e absolutamente perdida.
Por aí…
Não. Não estou bem. Não. Não está fácil.
………e já não sei qual é o caminho para ficar bem, ou pelo menos melhor………
Domingo foi, há já muitos anos, instituído cá em casa como sendo o Dia de Santo Pijama. Aquele dia em que se dorme até mais tarde, toma-se o pequeno almoço à hora de almoço, almoça-se quando for e, noutros tempos, o jantar de garfo e faca era quase opcional. Mas o que era quase obrigatório era não sair do pijama o dia todo. Ou seja, não sair de casa o dia todo. Há muito tempo que não celebrava o Dia de Santo Pijama na sua plenitude, porque sentia sempre necessidade de sair de casa um bocadinho para espairecer, apanhar ar, beber café.
Mas hoje, mesmo não tendo café em casa desde sexta feira (ou quinta? Já nem sei…) e estando a esplanada do costume fechada ao Domingo, não saí do pijama o dia todo. Banho? Vai ficar para amanhã quando acordar. Hoje, depois de mais uma noite inquieta e tardia, não houve sequer coragem para sair do pijama e do sofá…
Ainda tinha pensado em ir até à praia seguir as indicações do médico: “caminhar na areia seca para trabalhar o equilíbrio e na areia molhada para estimular os pés. E, se cair, não faz mal! Já está na areia!”.
Pensei em ir, consultei a beachcam para confirmar o estado das praias e das marés, conversei com a minha mãe sobre a eventual ida até à praia também para aproveitar o dia que esteve bonito e não esteve frio. Até adormecer no sofá, com o telemóvel na mão enquanto escrevia numa publicação para o Instagram cujo texto a certa altura deixou de fazer sentido mas que ainda consegui, não sei como, carregar em Publicar. E publiquei, de facto. Não sei como, só sei que já tinha apagado no sofá quando o fiz…
Adormecer com o telemóvel na mão à noite, já na cama, é cada vez mais frequente. E sempre com o Spotify a dar-me música. Mas no sofá foi a primeira vez…
A fadiga faz parte desta coisa que me apanhou na curva. Não tenho que ter feito nada de especial. Ou até mesmo nada de nada! Para ficar esgotada como hoje? Bastaram as noites tardias. E, sim!, é esgotada que me sinto! Não faço nada o dia todo, é verdade. Há mais de um ano que não faço nada que me canse. Mas, todos os dias, me sinto esgotada. Sem energia para nada. Por isso, aquela ida à praia que eu queria para hoje, não aconteceu.
Em situações normais, bastaria um curto período de descanso para repôr energias e recuperar. Mas agora? É preciso aprender a viver com a fadiga, que é diferente do simples cansaço, e eu ainda agora estou a começar a conhecer este sintoma. Vou ter que aprender a auto-regular a energia dispendida para perceber como é que isto funciona…
Mas é horrível e percebo agora quando dizem que a fadiga pode ser incapacitante…
E, por hoje, não quero ter uma noite tardia novamente. Quero descansar. Do quê? Não sei. Mas estou esgotada. E amanhã começa tudo outra vez. E, por isso mesmo, logo se vê. O que é urgente agora é ir dormir, descansar (de nada, eu sei!) e tratar de mim. E amanhã logo se vê.
Há pouco, ao escrever uma mensagem para ele, disse que ia fazer um telefonema. Ou, pelo menos, tentar. Para um daqueles números que, cada vez mais, raramente me atendem. Não o vou fazer. Decidi que não. Se é para, mais uma vez, não me atenderem a chamada, enviar mensagem a dizer “Já te ligo” e, cinco meses depois, ainda não ligaram, então não vale a pena.
Além do mais, com menos de 8% de bateria, vou é desligar o Spotify e esperar a “boleia” da minha mãe para ir para casa. Depois de ligar o carregador, vou continuar a não fazer telefonemas. Estou cansada de chamadas não atendidas e de “Já te ligo” em que o “já” é sinónimo de longos meses de silêncio ensurdecedor.
Obrigada e boa tarde.
Solidão. É a palavra que mais me pesa e incomoda. É o saber-me sempre lá para os outros. E é o perceber-me aqui sozinha.
Sexta feira, aquele dia da semana por quem toda a gente espera. Menos eu, que de tanto ver o tempo passar, já não espero nenhum dia da semana em concreto mas espero, sempre, conseguir chegar ao dia seguinte. E ao outro. E por aí vai.
Mas fica difícil até chegar ao final do dia actual quando, como hoje, a dor de cabeça ameaça explosão a qualquer momento. Resultado, claro, de uma noite muito má. Duas horas mal dormidas durante a noite. Uma hora apagada ali no sofá antes do almoço. Longe, muito longe, das oito horas recomendadas.
Tentar olhar o Mundo de frente também não foi tarefa fácil, porque a visão dupla hoje conseguiu estar ainda mais intensa do que é habitual.
Mantenho o que escrevi ontem à noite: é medo. Mas também é solidão. Aquela onde me falta o colo que me serena, o abraço que me protege, a voz que me diz que vai ficar tudo bem.
A seguir ao almoço furei a minha bolha de auto-isolamento e fui à rua. Não só para espairecer, mas também para beber um café. Ou será ao contrário? E importa a ordem?
Fui com a única pessoa que está SEMPRE presente, a minha Mãe. Mas continuam a faltar-me os outros: os amigos. Aqueles que fazem perguntas e não têm medo de perder tempo a ouvir as respostas. Aqueles que me dão a mão. Que me estendem o braço para caminhar em segurança. Que abraçam quando um abraço faz falta.
Mas, para todos os efeitos, o meu mal foi dor de cabeça por falta de café em casa.
…………só que não é só isso………
Ainda da consulta com o neurologista na segunda feira, há um diálogo que não me sai da cabeça…
Ele: Já sabe que o seu hardware está danificado, mas o seu grande problema está no software…
Eu: já percebi, Dr. Tenho bug, não é?
E pronto, rimos os dois.
A situação clínica não é boa, é verdade. Mas poder brincar ajuda a lidar com isto. E quando o próprio médico ajuda e brinca também numa linguagem que o paciente (neste caso eu!) entende e responde na mesma linguagem, tudo fica mais simples.
Sim, eu tenho um bug! E tu? Qual é o teu superpoder?
Entretanto, são pelo menos mais duas semanas de bolha de auto-isolamento que o médico recomenda porque o sistema imunitário foi bastante abaixo e começou a época das constipações, gripes e infecções respiratórias, ou seja, tudo aquilo que eu tenho que evitar a todo o custo neste momento. Mas, sem café em casa, furo a bolha de vez em quando para ir à rua beber café, com todos os cuidados, de máscara sempre até chegar o café e o mais longe possível de toda a gente.
Se tenho medo de apanhar alguma coisa? Claro que tenho. Especialmente agora que a minha mãe anda todos os dias de autocarro, vai à fisioterapia e está exposta a tudo e mais alguma coisa que pode trazer para casa sem sequer saber.
Mas não posso deixar-me levar pelo medo. Mas, na verdade, andar de máscara em casa é coisa que já me tem passado pela cabeça…
E, quando puder finalmente regressar ao Yoga, vai ser de máscara nas aulas…não quero, nem posso!, apanhar sequer uma constipação. Porque até uma coisa tão simples como uma constipação pode causar grandes problemas. E já chega o que chega…
O corpo continua a recuperar da última toma da medicação, mas hoje já de forma mais acordada e consciente. Nada comparado com o dia de ontem.
Agora que já tenho a medicação milionária a correr-me nas veias está na hora de deixar a medicação fazer o seu trabalho e começar eu a fazer o meu. A vontade hoje era ir caminhar no parque e, quem sabe, chegar ao paredão. Mas sozinha não me atrevo e a minha mãe não estava em condições. E as previsões do tempo para os próximos dias não são nada favoráveis a sair de casa para caminhadas, por isso vai ter que esperar mais um bocadinho. Mas preciso de me mexer. Dar uso às pernas. Esticar-me um pouco. Alongar, pelo menos. Mas, sem orientação, nem sei por onde começar…
Logo se vê. Sei que ainda preciso de recuperar totalmente da toma da segunda meia-dose da medicação. Não devo abusar do corpo para que o corpo não me falhe. Amanhã logo vejo como acordo e o que posso fazer por mim…
Mas já ninguém me pode dizer que não tenho bug! Tenho e está confirmado pelo neurologista. E o que é que eu faço com essa informação? Rio-me, claro! Porque, apesar de ter sido um passar de informação clínica, foi perfeitamente entendida numa linguagem que tanto o médico como eu entendemos. E só isso já é um passo tão importante para conseguir aceitar isto de outra forma.
Resumo do dia de hoje, sem café e sem tabaco, depois da segunda toma da medicação ontem: acordar (relativamente) cedo, tomar o pequeno almoço, aconchegar no sofá. Apagar em menos de nada.
Não me lembro se almocei, sei (mas sem 100% de certeza) que a minha mãe me acordou quando chegou da fisioterapia. No caso de ter almoçado, não me lembro o que foi o almoço. Ainda tentei, de alguma forma, contactar com o Mundo lá fora, mas sem sucesso. Porquê? Porque o sono era mais forte que eu. Não me lembro sequer se lanchei, mas tenho uma vaga ideia de torradas e iogurte…mas não garanto.
Sei que fui acordada perto das 21h para jantar. E isso sei que aconteceu. Estou acordada desde essa hora, sendo agora quase 23h. Mas, depois da toma da segunda meia-dose da medicação, esta reacção não é nada que eu não esperasse já.
Na primeira correu lindamente, sem qualquer efeito secundário, sem sono excessivo, sem nada para contar a história. Mas já me tinham falado no sono excessivo como reacção à medicação. E eis que hoje ele se fez presente. Por isso, claro que vou para a cama já a seguir. Se era preciso pôr o sono em dia, hoje foi o dia.
Continuo sem café e sem tabaco. Mas por hoje já não vou preocupar-me com isso. O mais importante é não me esquecer de ligar o telemóvel ao carregador e tentar não adormecer com o telemóvel na mão e o Spotify a tocar.
Dia de toma da segunda meia-dose da medicação. Com hora de início marcada para as 8h, foi preciso sair de casa (boleia/Uber às 7h30 à porta de casa), acordar às 6h depois de adormecer depois da 1h da manhã, foi o chamado dormir a correr. Mas valeu a pena. Pelo antes de dormir. Pelo acordar. Por causa dele que, apesar da distância, se fez presente. Como está sempre, nem que seja só à distância de um clique.
Chegar ao Hospital cedo, ter tempo para um café e um cigarro, respirar fundo e avançar. Esperar ser chamada deixa-me sempre agitada, meio nervosa, quem sabe se ansiosa, mesmo sabendo o que me espera e que vai ser tranquilo.
Entrei, percebi que o cadeirão ao pé da janela estava livre, bati palminhas de contente porque aquela é, de facto, uma janela para o Mundo. É ali o único lugar naquele piso da Radiologia que consigo ter acesso à Internet. E é com acesso à Internet que não fico sozinha num processo que, já de si, é solitário.
Instalei-me no cadeirão, colocaram todo o material que tinha que colocaral, deram-me o Ben-u-Ron de prevenção e começou a medicação a entrar-me nas veias.
Não tardou muito que adormecesse, não só pelo efeito do anti-histamínico que, já se sabe, dá sono, mas também pela noite dormida a correr. Dormi pouco mais de uma hora até o telefone tocar. Chamada curta. Continuamos a conversa amanhã, provavelmente. Era só para saber o resultado da consulta de ontem. Assim já posso falar também do dia da toma da medicação.
Não me lembro se voltei a adormecer. Sei, sim, que o dia foi passando tranquilo. Não levei kit de sobrevivência, já sabia que não ia precisar de mais nada além do telemóvel, do powerbank, da garrafa de água e do meu polvinho de tecido para um bocadinho de conforto. Música sempre presente nos phones, excepto quando foi preciso ligar o powerbank. Nesse tempo, a televisão. Em canal de cabo. Canal de séries que vou acompanhando. Por isso, perfeito!
E, sem dar pelas 6 horas passarem, chegou o período de observação pós administração da medicação. Foi uma hora que pareceram 5 minutos.
Cá fora, já a minha mãe à minha espera. Casa de banho. Primeiro autocarro. Segundo autocarro. Mercearia. E casa! Finalmente em casa! Não fiz rigorosamente nada o dia todo para além de estar semi-deitada no cadeirão a receber medicação. Não andei, o dia todo, mais do que 980 metros. Podia jurar que teriam sido ainda menos. Mas não interessa. O que interessa é que, de alguma forma, o cansaço está comigo sempre. Fadiga? É possível que seja. E, claro, faz parte desta coisa que me apanhou na curva.
A ideia, quando cheguei a casa às 18h, seria esticar-me no sofá e relaxar e descansar. Não aconteceu. Instalei-me no cadeirão e fiquei a saborear a presença dele, com momentos de partilha cúmplice. Mais uma (ou várias, como quiserem) tatuagem na memória.
Ele não tem mesmo noção, por muito que tantas vezes lhe diga, o quanto gosto dele. E, todos os dias, gosto mais um bocadinho. E quanto mais vou (re)conhecendo, mais gosto e mais sentido me faz o que temos, mesmo que, até ver, só o tenhamos à distância de um clique. Mas sabemos que estamos lá um para o outro, sempre. Assim como ele me disse, logo desde o início e em que tudo ainda era uma suspeita, que o caminho seria feito a dois, pelos dois, de mão dada. E que, se o caminho se tornasse mais difícil, ele levava-me ao colo. E que o importante é que nunca iria sair do meu lado por causa disto. E a verdade é que o caminho tem sido sempre feito a dois. Não sabe ele é a quantidade de vezes que já me levou ao colo nos dias mais doridos… Mas, mais de um ano depois, continua a fazer o caminho comigo. Continua do meu lado, ao meu lado. Continua a fazer parte daquela equação em que 2 dá 1. Ele+Eu=NÓS. Nós que, mesmo sendo plural, somos só um. Entenda quem quiser. Porque não vou explicar. Eu sei. Ele sabe. Mais ninguém precisa de saber.
Agora, a esta hora, eu já devia estar a dar ao meu corpo o que ele precisa: descanso. Para recuperar da agressão da medicação hoje. E amanhã regressar à minha bolha de auto-isolamento pelo menos por mais 15 dias, talvez um bocadinho mais, logo se vê.
Por isso, sim!, o dia foi longo. Intenso. Cheio de tanta coisa. Especialmente a dois. A medicação volta a ser tomada em Abril. Até lá há muito trabalho a fazer, ela faz o dela, eu faço o meu, que ainda tenho que definir, passar para o papel e, devagarinho, começar a tratar (melhor) de mim. E, já sei, ele vai ser um apoio muito importante como tem sido desde o primeiro dia, 5 de Junho de 2023. Uma data que não esqueço.
Dou o dia por terminado. Estou cansada. Vou enroscar e aninhar como todas as noites faço com ele. E esconder-me, aconchegar-me, proteger-me e ser acolhida naquele abraço completo dele. Amanhã? Sem horários, sem programa, sem nada que não seja permitir ao meu corpo descansar, recuperar e fortalecer-se. E ele sempre presente. Como sempre.
O resto? É só isso mesmo: o resto. Logo se vê.
Dia de consulta. Que ontem ainda me deixava apavorada por não saber o que ia ouvir, e esta manhã já só me deixava ansiosa e nervosa.
A consulta não começou à hora marcada, claro. Até seria de estranhar se não houvesse atrasos.
Mas valeu a pena. O médico, já sabia, é daqueles que diz tudo e não só diz como também EXPLICA! Falámos sobre o tratamento, o que é esperado que aconteça com uma medicação modificadora da doença, que não cura mas dá-lhe uma espécie de novo rumo para travar a progressão. Falámos das lesões que já existem no meu sistema nervoso central. Na coluna, diz-me ele, existem. Mas são irrisórias. Mas no cérebro? Não são só muitas. São bastantes! Mostrou-me as imagens da Ressonância Magnética e esclareceu-me que cada ponto ou mancha branca são lesões. E foi aí que percebi porque é que ele disse que eram bastantes…o meu cérebro, visto na RM, parece uma árvore de Natal decorada com luzes brancas.
São muitos os pontos brancos, são muitas as manchas brancas. Um ponto corresponde a uma lesão. Uma mancha, e algumas são grandes!, são lesões ou de maior dimensão ou que se agregaram ali. Portanto, sim!, as lesões cerebrais são muitas, não são recuperáveis, mas com a medicação é possível travar a sua progressão.
Próximos passos: caminhadas na praia na areia seca para trabalhar o equilíbrio e na molhada para estimular os pés, voltar ao Yoga logo que possa (são ordens do médico!) e nem pensar em desistir das aulas e trabalho em piscina.
Resumindo, a medicação faz o que tem a fazer, eu faço o que tenho a fazer.
Foram 45 minutos de consulta. Que, diz-me ele, “já me ocupou duas consultas”.
Fiz as perguntas mais importantes que queria fazer. E perguntei sobre fazer uma tatuagem. Ele já conhece as minhas duas tatuagens anteriores e sabe que são marcos. Disse-lhe que queria marcar este momento. Disse-me que sim, desde que não seja muito grande nem tenha muita cor. Perguntou o que quero tatuar. Quando lhe disse o que era, respondeu que faz todo o sentido.
Resumindo, há muito trabalho pela frente. Da medicação e meu. Por isso, vamos a isso!
Foi uma consulta tranquila e, felizmente, com um médico que desde o primeiro dia explica tudo!
Amanhã? Volto ao cadeirão, de preferência o que fica ao lado da janela!, para mais 6 horas a receber a segunda meia-dose da medicação. Depois só daqui a 6 meses é que repito o processo, mas aí já a dose completa.
O despertador vai tocar muito cedo, já é muito tarde, ainda não estou na cama embora esteja cansada. O que me consola? É saber que no cadeirão do Hospital de Dia também se dormem boas sonecas.
Sim, é verdade que, até hoje, sobrevivi a 100% dos meus piores dias…
Hoje? Com consulta com o neurologista a acontecer amanhã de manhã, a primeira desde o internamento em Fevereiro, onde se vai confirmar aquilo que ele já me confirmou por telefone (o diagnóstico), onde se vai falar das lesões que eu já sei que existem mas ainda não sei quantas nem em que áreas do cérebro e se também existem na coluna, onde se vai falar do tratamento que já começou e que recebo a segunda meia-dose da medicação na terça feira, em que se vai falar de futuro e enterrar o passado porque já não volto a ser quem era, com isto tudo, não posso dizer que “só” estou nervosa. Não. Eu não estou “só” nervosa. Eu estou apavorada.
Não é exagero. Tenho muito medo do que vou ouvir amanhã. E tenho tantas perguntas para fazer que nem eu sei quais são.
Por isso, vamos tentar manter os objectivos de sobrevivência a dias maus nos 100%? Dizem que tentar não custa. Mas, com o pavor que sinto neste momento, com a vontade de chorar que não me larga e que não se realiza, tentar é uma árdua tarefa.
Porque, sim!, estou a p a v o r a d a!
Mas depois há quem tenha aquela capacidade de me fazer sentir segura e mais serena, mais tranquila. Que desde o início me disse que faríamos o caminho juntos e de mão dada e que se se tornasse mais difícil me levava ao colo, mas que nunca deixaria de fazer o caminho comigo, ao meu lado.
E, mesmo à distância de um clique, só ouvir a voz dele me trouxe de volta à Terra e me serenou, me tranquilizou. Me fez voltar a respirar.
Sim, continuo com medo. Continuo com uma lista imensa de coisas que quero falar por escrever. Perdi o rumo às horas. E o sono já aperta e não me ajuda a pensar com clareza no que quero falar, por isso a lista será feita amanhã de manhã ao pequeno almoço.
Agora, e depois de mais um momento de partilha de nem-sei-o-que-lhe-chamar-mas-que-é-sempre-uma-partilha-inesquecível, mais uma tatuagem na memória, dou o dia por terminado. Um dia impaciente. Um dia nervoso e ansioso. Um dia de pavor. Um dia em que, mais uma vez, ele teve um papel fundamental. Acho até que nem ele tem bem a noção da diferença que fez ouvi-lo hoje.
A distância é real. O Mas existe. Mas ele, de uma forma ou de outra, está sempre comigo. Está sempre presente.
Até agora, quando eu finalmente me for deitar, é nele que vou aninhar e enroscar. De uma forma só nossa. Que não tem que fazer sentido para mais ninguém. Mas que, desde o primeiro dia, para nós faz. Todo o sentido. Mesmo a 135km de distância, que é o mesmo que dizer à distância de um clique.
E amanhã? Logo se vê como corre a consulta. Logo se vê o que vou ouvir. Logo se vê o que vou saber. Logo se vê o que vou descobrir. E eu ainda tenho tanto para aprender, descobrir, saber.
Agora é hora de tratar de mim e ir descansar. Dormir tranquila. E segura porque acolhida e aconchegada num abraço à distância de um clique.
Em Maio encontrei aquele que, disse para mim mesma, era o caderno certo para apontar sintomas, dúvidas, questões, tudo aquilo que queria apresentar ao neurologista no dia da consulta e que seriam para conhecer melhor esta coisa que me apanhou na curva e que eu ainda estou a conhecer e a aprender sobre. A consulta, agendada em Fevereiro antes do internamento e dos infindáveis exames, ainda antes do fecho de diagnóstico, acontece esta segunda feira de manhã. As questões que quero esclarecer, as dúvidas que tenho, as perguntas para as quais quero resposta são muitas. Tantas. E o caderno de continua por estrear…
A esferográfica está lá, o caderno anda na minha mochila todos os dias. Porque a qualquer momento pode ser o momento. Em que perco o medo e assumo que estou apavorada com tudo isto. E, para combater esse medo, para acalmar esse pavor, começo a pôr no papel tudo o que quero levar para a consulta.
Mas, já sei, as dúvidas, questões e perguntas são tantas que nem eu sei quais são. Por isso é que (ainda) não escrevi nada. E ou escrevo amanhã ou não sei o que fazer quando entrar para a consulta.
Não vale a pena mentir a mim mesma e dizer que estou a lidar bem com tudo isto, porque não estou. Que não tenho medo quando estou apavorada. Que não é nada que não seja possível combater quando as dificuldades são já muitas e eu não sei nem o que fazer nem por onde começar.
Aparento, por fora, uma calma que não tenho por dentro. E as vozes na minha cabeça estão de volta e fazem muito barulho que me deixa ainda mais confusa.
Há relativamente pouco tempo dizia que estava perdida por estar num sítio sem o pino de localização. Ainda não tenho o pino de localização mas já tenho várias placas informativas de eventuais caminhos a seguir. Já passei a primeira meta que era aquela que eu esperava há meses: o início da medicação. A primeira meia-dose já aconteceu. Daqui a três dias é dia de receber o restante. E foi ao passar essa primeira meta que começaram a surgir as placas informativas de eventuais caminhos a seguir. Mas continua a faltar-me o pino de localização. E esse tem que ser o neurologista a indicar-me o local. Só depois vou poder perceber quais são as placas informativas que posso seguir com segurança.
Eu sei que a medicação não me vai curar, claro, afinal esta coisa não tem cura. Também sei que não vai tratar sintomas e fazer regredir as limitações e dificuldades que já tenho. Vai, sim, travar ou abrandar a progressão desta coisa. E isso já é tão importante e necessário. O resto, o alcançar alguma espécie de melhora se for possível alcançar, tem que passar por muito trabalho meu. A fisioterapia, claro, será para manter sabe-se lá até quando. O Yoga, que também tem um papel muito importante naquilo que procuro alcançar, será para retomar, mas nunca antes de Novembro. Mas falta o resto. Ginásio. Piscina. Caminhadas até à praia quando não chover. Estão nos meus planos. E é também aqui que o neurologista vai ter que me ajudar. Dizer-me o que posso ou não fazer. O que devo ou não fazer.
Estou muito perdida ainda. Sei que na consulta vou querer saber o resultado de todos os exames feitos em Fevereiro, o que é que revelam sobre as lesões que sei que tenho. Quantas lesões são. Onde é que estão localizadas. O que é que afectam. Vou querer saber tudo sobre mim, porque é de mim que se trata.
Vou querer saber o que posso esperar. O que devo esperar. O que não devo esperar. Como evitar aquela imagem de recurso a uma ferramenta que recuso por não a aceitar para mim.
Sei também que é importante aceitar esta coisa que me apanhou na curva. Esta coisa que insisto em nem sequer pronunciar o nome sempre que o puder evitar. Como agora. Não é para esconder de ninguém, não é para me vitimizar. É só mesmo porque ainda continuo a não querer aceitar que é isto que tenho. E também porque pronunciar o nome disto é torná-lo (ainda mais) real. E eu continuo à espera de acordar de um longo sonho menos bom. Claro que não vai acontecer. Eu sei que não. Mas…
O neurologista vai ter um papel importante no processo de aceitação. Mas o trabalho maior vai ser, claro, feito por mim com a preciosa ajuda do psicólogo. Eu não sei como se faz para aceitar um diagnóstico de uma doença sem cura e que me virou a vida do avesso e ainda agora estamos no início… Não sei mesmo. Sei que já tenho saudades da outra Eu, aquela que eu era antes de sequer se levantar a suspeita e que morreu com o fecho do diagnóstico. Tenho andado no limbo à espera da medicação e assumi a data da primeira meia-dose como a minha data de REnascimento. Uma espécie de Fénix a renascer das cinzas. Mas esse processo assusta-me. Porque não sei quem é esta nova Eu. E tenho medo que seja tão diferente da anterior…
Ele disse-me há dias que eu devia estar contente pelo que tenho alcançado. E sei que se aplica também ao que ainda vou alcançar. Mas e se o que eu conseguir alcançar não for suficiente? Se não for o que me fará chegar ao objectivo de me transformar na melhor versão de mim que me for possível? Tenho medo de desiludir. Seja desiludi-lo a ele, seja desiludir quem me apoia, seja desiludir a minha Mãe que está acima de todos os outros. E, mais importante e o que mais me assusta realmente, tenho medo de me desiludir a mim mesma… Desenhar objectivos na minha cabeça, programar todos os passos para cuidar de mim no campo da minha recuperação e depois…e depois não ser capaz de o fazer.
Eu tenho, neste momento, um enorme nó no cérebro. Estou confusa. Quero tudo e não quero nada. Mas quero, acima de tudo, sair deste filme! Não vai acontecer, eu sei. E vou precisar tanto de todos aqueles que gostam de mim e me querem ver bem. Não precisam de me vir segurar na mão. Só preciso que me aceitem neste papel de uma nova Eu. Tão simples e tão complicado quanto isso.
A noite, hoje, já há muito tempo que passou a madrugada. Mas, novamente, acompanha-me a ansiedade e a inquietação. E, também, aquilo que eu tenho tentado negar e esconder de mim mesma: o medo. O melhor a fazer, por agora, e mesmo que ainda vá ser preciso algum tempo para me convencer a mim mesma a ir para a cama, é dar o dia por terminado. Um dia que foi, todo ele, dedicado a ver o tempo passar.
E não me posso esquecer: amanhã é o último dia antes da consulta para passar para o papel tudo aquilo que quero conversar com o neurologista. Na capa do caderno está escrito “I’ll do it my way”. E foi precisamente essa capa que me fez trazer o caderno para casa. Porque, sim!, vou fazer tudo à minha maneira. O neurologista dá-me as setas informativas dos próximos passos a dar e, dentro do que é previsto ter que acontecer, tudo o que é previsto ter que fazer, irei cumprir sempre. Mas, de alguma forma, será sempre à minha maneira.
Mais um dia igual aos outros. Sair da cama de manhã para o sofá, sair do sofá para o cadeirão. Sair do cadeirão para o sofá. Voltar para o cadeirão. De volta ao sofá, desta vez para me esticar e aconchegar certa de que rapidamente iria adormecer. Não adormeci. Nova ida ao cadeirão. Novo regresso ao sofá. Só para voltar ao cadeirão. Decidir ir à rua beber café depois do jantar. Está a chover. Volto ao sofá. Insisto em ir à rua beber café mesmo que esteja a chover. Já não está. E vou.
Uma hora na esplanada vazia a uma sexta feira à noite. Voltar para casa. Cama? Não me apetece. Regresso ao cadeirão. Preciso de conversar. De viva voz. Com ninguém em particular, apenas com quem quiser conversar comigo. Sobre o quê? Sobre tudo. Sobre nada. Só não converso sobre futebol porque é coisa que não percebo mesmo nada. Conversar sobre o estado do tempo é uma conversa perfeitamente válida.
A minha rotina diária é esta: cadeirão, sofá, cadeirão, sofá, cadeirão, sofá e por aí vai até serem horas de ir dormir. Que hoje já passaram há muito tempo. A noite já roça a madrugada. Mas, cá dentro, uma inquietação que não sei explicar e me prende ao cadeirão. Não gosto de me sentir assim. Nada mesmo.
O que preciso mesmo é de uma voz do outro lado, que me responda, que me questione, que comigo veja o tempo passar. Falar sobre tudo ou falar sobre nada. Desde que de viva voz. Seja ao vivo, seja do outro lado do telefone. Não interessa. Já não me chega a interacção escrita. Já não me é suficiente. Preciso desse momento de viva voz que é profundamente terapêutico e me recorda que, afinal, eu ainda existo. Eu ainda estou cá. Eu ainda sou Eu.
Não admira que, seja no Hospital, no CDP, onde for, quando apanho alguém um bocadinho mais disponível, por norma uma enfermeira, eu fique muito tempo a conversar. Sobre tudo. E tantas vezes sobre nada. Basta sentir um mínimo de disponibilidade do outro lado. E não me calo. Até a minha mãe me dizer que já chega. Porque, afinal, quem está do outro lado, está a trabalhar e eu estou a atrapalhar.
Não é isso que eu quero. Não quero ser aquela que atrapalha. Que não se cala e não deixa os outros trabalhar. Não. Não é isso que eu quero. Mas eu quero e preciso de conversar. De viva voz. Com alguém que tenha disponibilidade e vontade para isso. Porque, não o fazer, faz-me sentir cada vez mais sozinha, cada vez mais inexistente. Mas eu ainda cá estou. Eu ainda sou Eu. Profundamente sozinha. Embora saiba que, na realidade, não o estou. Mas, ao mesmo tempo, estou. E não quero. Não posso. Não me ajuda. Não me faz bem.
Não custa nada conversar com alguém. Pois não? Ou custa assim tanto conversar comigo? Eu já ando suficientemente perdida no meio disto que me apanhou na curva. E fico mais perdida ainda quando me sinto profundamente sozinha. Quase como posta de parte. Numa prateleira qualquer. Onde fico a ganhar pó. E sem qualquer utilidade. Já só falta mesmo sentir que me enfiaram no saco das tralhas para as rifas de uma qualquer quermesse.
Eu só preciso de ter com quem conversar de viva voz. Não peço mais nada que não seja um pouco de tempo para conversar. Para perceber e sentir que sim!, ainda cá estou! Ainda sou Eu! Não estou numa qualquer prateleira a ganhar pó. Não estou no saco das tralhas para as rifas de uma qualquer quermesse.
E, com isto, esta sensação de vazio que trago cá dentro por não ter com quem conversar, a inquietação que sinto e que me incomoda tanto, não só não converso com ninguém como me recuso a sair do cadeirão para ir para a cama.
Estou cansada. Mas não fisicamente. Afinal, não faço nada o dia todo para me cansar… Mas estou cansada mentalmente. Estou cansada emocionalmente. Inquieta, muito. Cansada, demasiado. E, mais uma vez, a minha vontade é deitar a cabeça num colo e chorar. Não vai acontecer, já sei. Há mais de um ano e meio que quero chorar. E não consigo…
Eu só preciso de conversar com alguém de viva voz! Sem minutos contados. Conversa sem rumo definido. Falar sobre tudo. Falar sobre nada. Dizer disparates quando for para dizer disparates. Falar sério quando for para falar sério. Eu só preciso de conversar com alguém de viva voz. Mais nada…
Acho que não peço muito. Mas fazem-me sentir que peço demasiado…e eu só preciso de conversar com alguém de viva voz. Mais nada…o resto, o reencontrar-me e certificar-me de que não estou posta na prateleira, que não estou no saco das tralhas para as rifas de uma qualquer quermesse, esse resto eu faço.
Eu só preciso de conversar com alguém de viva voz. Mais nada…
Ontem foi o Dia do Não Sei. Hoje? Não sei mais do que ontem. Acho até que cada vez sei menos…
Também não foi dia de ver o tempo passar. Vi passar a manhã, sim, mas à tarde não vi nada. O meu corpo picou o ponto no estado de Muito Cansado e a única acção possível de acontecer foi, muito de vez em quando, virar-me no sofá ou simplesmente ajeitar-me um bocadinho por ter a gata a dormir em cima de mim. E, se passei a tarde no sofá, como é que não vi o tempo passar? Simples: estando a dormir o tempo continua a passar, mas nem damos por isso.
Sim, continuo a não saber tanta coisa. Sim, continuo a ouvir o meu corpo e a obedecer-lhe. Hoje seria dia de Yoga, mas em período de auto-isolamento não acontece. Poderia já acontecer na próxima semana, mas terça feira é dia de receber a segunda meia-dose da medicação e começa tudo de novo: a bolha de auto-isolamento e o professor Pedro a não querer que eu faça nenhum Yoga em casa para dar tempo ao meu corpo para recuperar.
Entretanto, tento manter a minha cabeça no melhor estado possível, sabendo que a minha saúde mental já não é nada de especial. Mas, para já, vai-se aguentando.
De resto, é dormir se o corpo assim o pedir. E desligar aquelas 500 mil ideias que tenho na minha cabeça e que quero concretizar para pôr o meu corpo a mexer para combater esta coisa que me apanhou na curva. Não será para ficar melhor, será apenas para manter o que ainda não perdi totalmente: o equilíbrio e a mobilidade. Tenho muito trabalho para fazer nesse sentido, mas não consigo organizar-me.
Amanhã, e ainda não vi as previsões do tempo, quero ir caminhar no parque. Quem sabe até ir ao paredão. Se o vou fazer? Pois, essa é outra coisa que não sei…
Como sempre, logo se vê. Agora é dar o dia por terminado. Ligeiramente mais cedo do que nos últimos dias, mas sempre mais tarde do que gostaria. E porquê? Também não sei…
Decididamente, hoje foi (e ainda é) o dia do Não Sei.
Não sei o que fiz na Segunda feira.
Não sei como me estou a tornar tão intolerante ao ruído, não apenas sensível.
Não sei explicar o incómodo que sinto quando a televisão está em determinados canais.
Não sei explicar o incómodo, seja ele por que razão for.
Não sei porque é que, por vezes, me sinto tão confusa mentalmente.
Não sei porque é que passei o dia todo com vontade de deitar a cabeça num colo e chorar.
Não sei porque é que continuo a não conseguir chorar.
Não sei como me sinto.
Não sei como é que o meu corpo se sente.
Não sei como traçar o (suposto) plano que tenho para combater isto que me apanhou na curva.
Não sei porque é que estou há horas no cadeirão quando prometi a mim mesma que ia dormir cedo e, neste momento, a noite já roça a madrugada.
Não sei onde estou nisto que me apanhou na curva.
Não sei o que me espera na segunda feira na consulta com o especialista.
Não sei o que esperar da consulta de segunda feira com o especialista.
Não sei quais são as perguntas que quero fazer na consulta apesar de serem muitas.
Não sei o que esperar da medicação.
Não sei o que esperar da progressão apesar da medicação.
Não sei sequer porque é que estou a escrever esta lista.
Só sei que hoje foi (e ainda é) o dia do Não Sei.
Estou confusa. Baralhada. Perdida. Não sei o que fazer para que isto passe.
Acho que o melhor é mesmo ir descansar. Dormir. Aninhar. Aconchegar-me à distância de um clique naquele abraço onde me escondo do Mundo até amanhã.
Não sei como vai ser amanhã, mas deve ser novamente um dia a ver o tempo passar.
Não sei. Decididamente, hoje foi (e ainda é) o dia do Não Sei.
E eu não sei até quando é que vou conseguir aguentar tudo isto em cima de mim…
Não, hoje não foi um dia muito fácil. Sair de casa às 7h40 para apanhar o autocarro com tempo e calma para estar no Hospital para, mais uma vez, fazer análises para controlar eventuais infecções que possam impedir a toma da segunda meia-dose da medicação.
As análises estavam marcadas para as 9h30. Mesmo saindo com muito tempo de antecedência para ir com tempo e calma, consegui chegar ao Hospital às 9h40. Duas horas metida no trânsito. Não tinha saudades disto.
Entre efectivar a consulta, esperar, ser chamada, ser feita a recolha do sangue, conversar com a enfermeira e voltar a sair com passagem pela cafetaria, não estive lá mais de 25 minutos…
Voltar para a Costa, consulta com o tricologista às 11h30. No cabeleireiro que não dispenso nem troco por nada para uma avaliação do estado do cabelo e perguntas sobre os possíveis danos da medicação no cabelo. “Sim, vai começar a cair“, diz-me ele. E eu, que já tinha lido qualquer coisa sobre isso, pedi-lhe uma espécie de milagre. Que não há, claro. Mas há tratamento possível.
Não me esqueço que foi ali e com ele que, em 2021, consegui transformar um cabelo sem vida, muito mal tratado e sem brilho e/ou força em algo completamente diferente para muito melhor. Sabia que ali ia encontrar resposta à altura dos resultados da medicação no que diz respeito à queda de cabelo. Que pode ser muita. Que pode ser violenta. E que, já sei, quando volta a crescer vem muito fino e muito fraco…
Ainda não sei quando irei iniciar este tratamento, que não é barato. Mas, embora eu não seja Sansão, é também no meu cabelo que vou buscar força. Porque tenho orgulho nele. E porque mexe, e MUITO, com a auto-estima.
Mas o que me custou mesmo foi ouvir “vai perder os caracóis“. E, mesmo sabendo que os meus caracóis têm que ser acordados para aparecerem, aquela frase foi uma espécie de murro no estômago. Para o qual não estava preparada. Perder cabelo também não é exactamente o que mais quero. Mas, saber que perco também os meus caracóis, mesmo na fase em que estão adormecidos mas não deixam de estar lá?!
Isto pode parecer um assunto sem importância, afinal é só cabelo. Não! Não é SÓ cabelo. É uma facada na imagem. Especialmente na auto-imagem que nunca foi muito positiva mas que começou a melhorar consideravelmente nos últimos tempos.
Sim, fiquei triste com o que ouvi: a confirmação de que o cabelo vai começar a cair. Não ao ponto de ficar completamente careca (ou assim o espero!), mas com possibilidade de peladas e perdas mais localizadas. E saber que, mesmo com o crescimento natural que continuará a ocorrer, vou perder os meus caracóis.
É tudo uma questão de imagem, eu sei. Mas a imagem é o nosso cartão de visita. E é o nivelador da auto-estima. Que, aqui, sempre foi fraquinha mas que nos últimos meses, e muito graças ao meu cabelo e aos meus caracóis, evoluiu no bom sentido.
Parece um assunto sem importância. Mas, para quem, como eu, está fragilizada por uma doença que ainda não aceito e com a qual não sei lidar e cuja imagem representativa da doença é tudo aquilo que eu não quero, este não é o momento para abalar o que resta da minha auto-estima.
Não sou Sansão, já o disse. Mas muita da minha actual força vem daquela imagem que, aos poucos, muito lentamente, aprendi a aceitar, aprendi a gostar. Muito por causa do meu cabelo.
Não, não sou a primeira pessoa a perder cabelo. Não, não faço ideia do quanto vou perder e a que ritmo. Mas os meus caracóis… Levei 40 anos para descobrir que, afinal, eu tenho caracóis! Podem precisar de ajuda para aparecerem mais definidos, mas existem mesmo sem essa ajuda! E agora vão deixar de existir.
Eu sei que tanta coisa em mim vai deixar de existir, vai deixar de ser como era antes. Eu própria vou ter que trabalhar muito para descobrir a nova Eu que já cá está em simultâneo com a Eu de sempre. A nova está nas dores, nas limitações, nas dificuldades, no querer trabalhar muito para alcançar a melhor versão possível de mim. A Eu de sempre esforça-se para continuar cá, fazer as coisas que sempre fez só para perceber que há coisas que já não consegue…enfim. É uma luta interna muito grande. E se há dias em que parece que não se passa nada, depois há dias como o de hoje que, mais uma vez, me confirmam que tenho que me despedir de quem eu sou ou era ou o que for.
Sim, preciso muito de apoio, acompanhamento, colo e mimo. Mas, nestes dias menos bons, é quando me sinto mais sozinha e perdida e sem um mapa que me oriente…e então fecho-me sobre mim mesma e são muito poucos os que têm acesso a mim.
Sim, estou triste. Tudo começou por causa de cabelos e caracóis. Mas que são meus! E atrás veio tudo o resto…e voltamos, a Eu actual e a nova Eu, a entrar em conflito. Porque a actual não aceita a nova. E a nova acabará por substituir de vez a actual.
Não quero pensar em processo de perda (que é!) nem em processo de luto (que também é!). Quero continuar a fingir que não se passa nada. Nem que seja fingir até ao momento em que me levantar daqui e não conseguir dar um passo (em segurança) sem me apoiar.
É uma merda! Essa é que é essa! E não há volta a dar a uma coisa que veio para ficar. Há, sim, muito trabalho a fazer por mim e para mim. Tanto que não sei, sequer, por onde começar…
Mas já é tarde. Já devia estar a descansar. Sabendo que amanhã será melhor. Porque os caracóis que foram acordados hoje ainda cá estarão. E o cabelo ainda não começou a cair…