Dia longo, que começou cedo envolto naquela dorzinha excruciante que não se procura mas que nos encontra. Sempre. Seja em casa ou onde for. Que costumava vir chatear, e doer!, à noite, desta vez passou a noite toda presente e acordou-me de manhã cedo sem eu saber muito bem o que fazer ao meu braço, ali na curva para o ombro, mas que se fazia sentir na clavícula inteira, prendia os movimentos do pescoço, da omoplata, do ombro…sei lá eu mais o quê. Só sei que quando esta dor se instala não há pachorra. Porque dói! Muito! Dorzinha excruciante. Cuja causa é escrita li pelo fisioterapeuta como sendo dois fios eléctricos descarnados que se tocam e entram em curto-circuito…
…o que sei é que dói! Muito! E não encontro nada que me tire esta dor! Agora, o que sei é que começar o dia assim é ter um lobngo dia absurdamente estúpido ou estupidamente absurdo e na versão XXL, tão grande que nunca mais acaba…!
…e tudo o que eu quero? Tudo o que eu preciso? Nada mais do que o abraço e o colo…dele! Tão simples e tão complicado quanto isso…
Sair de casa e vir até ao Fórum também pode ser uma espécie de acto de rebeldia. Quando à tua volta combinam a saída e voltas a dar no Fórum ao mesmo tempo que te dizem “nós vamos e entretanto deixamos-te na esplanada das mesas infinitas”. E apenas porque, conversado por aí, “só atrapalha e demora uma eternidade para dar um passo”…
Não, não fiquei na esplanada. Muito menos fiquei em casa. Precisava de sair. E precisava ainda mais de me sentir um pouquinho normal.
Mas fazer o corredor do Fórum sozinha é um risco…até agora consegui sobreviver à torrente de gente que caminha sem olhar, aos pontapés na bengala que me podiam deitar ao chão e as pernas de crianças enroladas na bengala porque passam a correr e sem ver…
Mas a vontade é fugir e esconder-me do Mundo que já não olha para mim como uma pessoa normal…e eu continuo a ser exactamente a mesma pessoa…!
Partilhar. Momentos de vulnerabilidade. Sem tabus. Sem pressa. Sem pressão. Sem críticas. Sem julgamentos. Mas partilhar.
O simples falar. O descrever um momento. O ouvir, simplesmente. E permitir-me acolher um momento tantas vezes solitário que não tem como não passar a ser um momento a dois. Tão único. Tão nosso. Tão bom.
E, no meu caso, perceber que crescer a dois também é isto: deixar cair a armadura, não ter necessidade de me esconder, permitir-me, mesmo que por breves momentos, mostrar a plenitude do que sou. E, do outro lado, receber exactamente o mesmo tratamento.
Sempre sem tabus. Sem pressa. Sem pressão. Sem críticas nem julgamentos. Sem certo ou errado.
…sempre sem tabus. Sem necessidade de procurar por um abrigo onde me esconder tendo a certeza da combinação perfeita de duas peças de Lego que simplesmente encaixam tão naturalmente. Como nós os dois. Eu e ele.
Há dias mais difíceis do que outros. Hoje foi um desses dias. Quando o corpo cansado e dorido me grita e me dói e me faz chorar. Chorar sem lágrimas. As lágrimas que insistem em não cair. Que estão presas não sei onde, não sei porquê…
Disse-me a Neuropsicóloga do Hospital que não conseguir chorar é um mecanismo de auto-protecção, que o meu subconsciente está a evitar o sofrimento que o chorar irá trazer. Mas também disse que não é saudável não chorar. Porque é demasiada pressão acumulada. É um grande desgaste psicológico. Que acaba sempre por se manifestar de alguma forma física. E não é bom continuar a não conseguir chorar. É urgente que as lágrimas caiam. É urgente aliviar a pressão que me consome…
Tenho trabalho de casa para a próxima consulta daqui a poucos dias. Pôr por escrito como seria o momento ideal para me permitir chorar. Já tenho o local perfeito. É longe, muito longe, não irá ser possível acontecer aí. Mas, e a julgar pelo que as fotografias que ele me enviou, aquela floresta composta por árvores de troncos finos, fáceis de abraçar, era o local perfeito.
Se o queria presente num momento de extrema vulnerabilidade, de extrema nudez emocional? Não. Sim. Não sei… Não por saber da frustração que lhe iria causar. Sim porque o abraço dele me iria permitir desabar sem cair totalmente. Não sei porque…não sei porque não sei…
As lágrimas teimam em não cair. Mas todos os dias choro. Choro sem lágrimas. Choro com as dores. Choro com as dificuldades. Choro de frustração, de raiva, de revolta. Choro de desesperança… Choro a seco…e sexta feira, na consulta com a Neuropsicóloga do Hospital, vou ter que ter por escrito o cenário programado para me permitir chorar…
Entendo que o meu subconsciente me esteja a proteger do sofrimento. Porque sei exactamente o quanto me vai doer nesse momento. Conheço perfeitamente a emoção que me vai invadir. Sinto o meu grito de dor a rasgar-me a voz. Sinto as minhas pernas a cederem ao peso do tanto que me dói. Sinto…sinto que não sou eu a permitir-me chorar quando não me permitem sequer falar…
Sim. Queria tê-lo comigo nesse momento. Ele que, todos os dias, me faz esquecer isto que me apanhou na curva. Ele que, todos os dias, me alivia do peso esmagador que engulo e carrego. Ele que, todos os dias, me seca as lágrimas que não caem. Ele que, todos os dias desde há 2 anos, caminha de mão dada comigo sem nunca largar…
Sim. Queria tê-lo comigo nesse momento. Não. Não quero expô-lo de tão perto à minha dor. Não sei…tenho medo de até eu própria não conseguir suportar a dor intensa que, todos os dias, numa espécie de trapézio sem rede!, me vai consumindo devagarinho…
Todos os dias, sem lágrimas, sem ele saber, choro. E, nos momentos de dor mais profunda, só posso recordar os presentes que a vida me tem dado. E ele é um desses presentes inesperados que aceitou, sem saber ao que ia, amar.
Todos os dias, eu e ele. Seguimos o caminho que nos foi apresentado sempre de mão dada…
Na minha bolha. A fazer de conta. Que nãovi. Que não sei. Que não li. Que não senti. Que não vivi.
Na minha bolha. Armadura vestida depois de observados os danos recentes que se juntaram aos danos anteriores. Como cicatrizes, no corpo e na memória, contabilizam histórias. Bem ou mal contadas, são histórias que fazem ou já fizeram doer. Que fazem parte. Que me fizeram crescer.
…que me fizeram endurecer…
Endurecida, mas não amarga. Apenas consciente da e na distribuição do que nãoamargou. Como os meus lápis de cor, que trago em mãos, prontos para distribuir cores por aí. Faltam-me as telas que já foram paredes que já foram pele. Assim como me faltam as letras que formam palavras das cartas que não escrevi. Da carta que, prometida, não cumpri.
Na minha bolha. A fazer de conta. Que nãovi. Que não sei. Que não li. Palavras, em verso ou em prosa, faço de conta que não senti. Que não vivi.
Na minha bolha onde poucos, raros!, entram. Porque eu não deixo. Ou porque não tentam sequer. Na minha bolha, uma espécie de Mundo do Faz-de-Conta. Onde já tudo foi possível. Onde hoje só eu existo. Eu e a minha armadura na minha bolha a fazer de conta.
São só palavras, dizem-me. Sempre me disseram. São só palavras que aproximam. São só palavras que afastam. Mas são só palavras. Falta o toque. O arrepio na pele. As borboletas na barriga que me morreram há tanto tempo com um murro no estômago. Já não morreriam hoje com a protecção da minha armadura.
Palavras como gestos ou movimentos, coisas que nos habituamos a dar como garantidas. Não na minha bolha. Aqui já aprendi a abrir mão de tudo, menos dos meus lápis de cor. E enquanto o silêncio se repete, enquanto o silêncio se mantém, na minha bolha ecoa a certeza de que nada pode ser dado por garantido. De que ninguém pode ser dado por garantido. E muito menos eu, com a minha armadura, me permito sequer ser dada por garantida. Porque não o sou, de facto…
Estão 30 graus lá fora. Está demasiado calor. Mas a armadura…? Essa mantêm-se agrilhoada…
Segunda feira, um calor infernal e impeditivo de ir à rua, um café em casa que aconteceu já há algum tempo, os lápis de cor da minha bolha que se resumem ao lápis preto enquanto esperam por uma oportunidade para a abertura do leque de cores que, durante algum tempo, me preencheram os dias, o silêncio de quem tema pressa de quem perdeu o encanto do que é novidade e não se queda mesmo com medo, mesmo com dúvidas porque encontra em mim aquele contraponto que é o não ter pressa. Que eu não tenho. Deixei de ter.
Porque eu opto sempre pelos caminhos mais difíceis, porque eu opto sempre por cuidar do que existe de facto, porque eu opto por fazer crescer tudo aquilo que construo. Sim, mesmo com medo. Sim, mesmo com dúvidas. Sim, mesmo cansada. Por dentro, onde me pesa tanto tudo o que sinto, tudo o que vivo. Mas deixei de ter pressa.
A armadura prende-me os movimentos para evitar aquele passo que sei ser desastroso. Protege-me do impacto silencioso do confronto com uma realidade que me chegou sem convite.
O silêncio. E eu não tenho pressa. De armadura que me protege do silêncio. Acolhida pela minha bolha onde os meus lápis de cor aguardam pacientemente o seu tempo também sem pressa.
Terminou o encanto da novidade? Para mim não. Todos os dias, desde que sem pressa, encontro novos pontos de encanto que me fazem querer dar uso aos lápis de cor fora da minha bolha. Mas, por agora, será na minhabolha que permaneço sem pressa. Ainda a deixar-me levar pelo encanto do todo, novidade ou não. Até ao dia em que, na minha bolha, a minha armadura me impeça de dar mais um passo que seja. Em direcção ao silêncio. De quem tem pressa e deu por terminado o encanto da novidade…
As minhas pernas. Parte daquele hardware que o neurologista me confirmou estar um pouco danificado mas que o real problema está no software que está em muito mau estado.
Foram as minhas pernas as primeiras a darem-me sinais de que algo estava errado e que eu durante tanto tempo desvalorizei. “Foi muito tempo em teletrabalho, quase não andava durante o dia, elas parecem não obedecer mas voltando a andar mais em trabalho presencial e caminhadas ou até ginásio elas recompõem-se”, repeti eu para mim mesma tantas vezes durante tanto tempo.
Desvalorizei, não dei importância, para mim existia uma razão óbvia. Não podia estar mais enganada. Afinal havia mesmo bug grande no software que se reflectiu rapidamente no hardware…
As minhas pernas. Que eu teimo em querer dar uso. Mas em que há dias em que as dores são tantas que dar um passo que seja é uma espécie de sacrifício.
Dor neuropática, confirmou hoje a Fisiatra do Hospital. Já sabia que era “só” mais um sintoma a juntar aos outros todos, só não lhe sabia ainda o nome.
A acompanhar as minhas pernas que me levam do ponto A ao ponto B está a bengala. E, tantas vezes, em simultâneo a minha mãe. Porque o equilíbrio está aquela estupidez e caminhar sozinha é, de facto, um risco.
A Fisiatra, e eu entendo o papel dela!, sugeriu-me hoje: “e que tal trocar a bengala por um andarilho? Dá-lhe mais estabilidade e segurança.” NÃO! “Mas não porquê?” PORQUE EU RECUSO! NÃO QUERO! Enquanto conseguir continuar a caminhar com a bengala, eu RECUSO o andarilho! “E também há umas cadeiras de rodas com motor eléctrico…” NÃO! Não quero! Recuso! “Está à espera de quê, Catarina? De cair?” NÃO QUERO! Nem um nem outro! E ainda estou à espera de conseguir aceitar isto que me apanhou na curva! E continuo a não aceitar!
Enquanto conseguir, com mais ou menos dores, vou continuar a DAR USO às MINHAS pernas! Aceitei facilmente a bengala. Mas mais do que isso é NÃO!
Venha então a medicação para as dores! Venha o Viparita Karani que o Yoga me trouxe para fazer TODOS OS DIAS e que me ajuda tanto! Venha novamente a fisioterapia! Caminhadas no parque até ao paredão! Venha isso tudo! Mas trocar a bengala por um andarilho NÃO!
na fisioterapia, e ainda por causa das dores nas pernas, novamente um tratamento mais ligeiro, sem esforço muscular, apenas alongamentos, manipulação das pernas e pés e ligeira massagem;
ir aos correios levantar o pacote volumoso que me enviaram e confirmar que vinha exactamente com o que eu já calculava: diospiros do mais natural que existe, sem qualquer químico, alimentados a água e amor;
uma aula de Yoga para recuperação do que tem atormentado as minhas pernas e que, ao sair da aula, pude sentir como as minhas pernas fossem tão leves como uma nuvem e sem qualquer dor;
uma chamada que não atendi, nem ouvi entrar, por estar no Yoga mas que retornei assim que entrei em casa e que me deixou de coração quentinho: aquele amigo que fiz há 10 anos e que me ajudou tanto a sair do fundo do poço quando mais precisei vai ser pai e eu não podia estar mais feliz por ele; claro que a chamada nunca poderia ser breve, foram duas horas e meia que pareceram tão menos do que isso.
A única coisa que falhou neste dia comprido foi o tempo. Que não estica e não me deu oportunidade de fazer tudo o que queria e ainda estar com ele tanto quanto e como gostaria. Mas, agora que está na hora de aninhar e enroscar, é quando vou poder estar mais perto e durante a noite toda, mesmo que à distância de um clique.
A esta hora já a noite roça a madrugada. Outra vez. E amanhã é dia de fisioterapia logo cedo. Por isso, dou o dia de hoje por terminado. E amanhã será um dia bom novamente. Mas com mais tempo para mim, para ele, para nós.
Faltam poucos minutos para a 1h da manhã e alguém já devia estar a dormir há muito tempo. Mas continuo MUITO zangada. Não só comigo mesma, que já estou há muito tempo, mas também com o psicólogo que NÃO SABE ouvir. Que faz consultas de 35minutos, te deixa falar 15 minutos e os restantes 20 são para MAIS UM TESTE de avaliação. O que é que ele tanto avalia? Não faço ideia, mas logo se vê. Pode ser que, quando tiver os resultados, entenda que eu PRECISO de ajuda. Não só para aceitar o diagnóstico, que continua a ser uma batalha diária ao ponto de não conseguir verbalizar o nome do que tenho nem sequer escrevê-lo (e ainda me pergunta “mas sabe o que tem, não sabe?” como se já não estivesse cansada de o saber!), mas também para lidar com a frustração do diagnóstico e com o peso da SOLIDÃO que, coincidência ou não, começou a ser cada vez mais insuportável desejo o diagnóstico. E, já agora, se não for pedir muito!, não me apontar o dedo quando lhe digo que sinto que deixei de existir e ele diz “acho que está muito zangada. Isso não será uma cobrança?”…
Eu sei que fiquei mal habituada ao fim de 8anos com o terapeuta fofinho. Porque, desde o primeiro dia!, ele sempre me soube ouvir, sempre soube ler nas entrelinhas, sempre foi a minha luz-guia que me orientou para eu própria encontrar o meu caminho. Mas com este…desde a primeira consulta em Julho (e esta foi só a terceira) que lhe dei todas as informações necessárias e lhe disse, directa e indirectamente, que PRECISO DEAJUDA! Mas ele não ouve o que lhe digo. Isso ficou explicito logo na primeira consulta.
Por isso, sim!, continuo muito zangada. Nisso ele acertou. Mas agora já não estou zangada só comigo. Estou zangada também com ele! 35 minutos de consulta, sendo apenas 15 aqueles em que pude falar depois de um intervalo de mês e meio desde a última consulta. E mais mês e meio até à próxima.
São consultas só para picar o ponto, está visto. E quando eu digo que preciso de ajuda, é porque PRECISO MESMO!
A Solidão é uma coisa filha da mãe. E quando aliada à Depressão chega a ser perigosa…e eu não vou negar que tenho medo. De regressar àqueles dias em que pensei EM TUDO. E que só a presença da minha mãe conseguiu impedir…
Primeira toma de Ocrevus. Que me estava a deixar nervosa, ansiosa, assustada, preocupada e perdida. Agora o feedback.
A noite ontem foi passada a correr, adormeci muito para lá da 1h da manhã e o despertador tocou às 6h e às 7h30 já estava na rua.
Continuava super nervosa e ansiosa.
Fui a primeira a chegar ao Hospital de Dia, o que me permitiu escolher o cadeirão ao lado da janela onde TALVEZ conseguisse apanhar a janela. O Hospital de Dia fica no corredor de Radiologia cujas paredes estão carregadas de chumbo para não passar a radiação. E o sinal de Internet não deixa de ser radiação. Mas ali consegui, graças à janela, apanhares sinal do exterior para conseguir ouvir música e comunicar com o Mundo.
As duas enfermeira de serviço ali são super acolhedoras e umas queridas. Não sei se têm real noção do quanto isso é tão bem recebido por quem lá vai por necessidade grande e que, na primeira vez especialmente, vai uma pilha de nervos. Eu sei que eu ia. Mas com elas rapidamente acalmei.
Hora de procurarem veias. Começo a acreditar que não há mesmo veias fáceis. E as minhas têm dias. Uns muito bons e fáceis para encontrar. Outros muito difíceis em que as veias decidem jogar às escondidas. E hoje estava a num desses dias. Não havia forma de encontrar uma veia viável. Mas, ao fim de meia hora, lá houve uma veia que desistiu de jogar às escondidas e decidiu colaborar e dar entrada ao serviço.
Garrote, cateter, tubos, eléctrodos para acompanhar o ritmo cardíaco, manga para medir a tensão arterial de X em X minutos. Tudo pronto para começar. Dois Ben-u-Ron pela goela abaixo e “vamos começar com o anti-histamínco”. Vamos. Sentia a agulha espetada no braço mas sem doer. Não sentia rigorosamente nada em relação a liquido a entrar.
Já não me lembro se o soro foi antes ou depois do anti-histamínco, mas também não é relevante porque não senti absolutamente nada, diferença nenhuma de um para o outro. Até que me dizem “e agora a medicação. Diga-me se sentir bem alguma coisa.” Nada que não a agulha espetada na veia, e até essa deixei de dar pelo incomodo.
Depois disso? Tudo muito tranquilo. Eu já estava a significantemente mais calma, mais tranquila, o medo deve ter saído pela janela para deixar entrar o sinal de Internet. Daqui para a frente foi só estar lá, sem pensar em nada, sem pensar em preocupações, sem perceber sequer que a medicação estava a entrar no meu corpo.
Quando foi preciso ir à casa de banho, toca de desmontar tudo para poder sair. Ao voltar sugeri passar do braço esquerdo para o direito, até porque aquela coisa cujo nome desconheço e que faz o sanguessuga entrar no corpo não estava a funcionar. Ou seja, aquela veia já não tinha mais vontade de trabalhar. Mudámos então para o braço direito. E para quê estar à procura no braço quando as veias das mãos estavam ali bem à vista e salientes? Espetaram na veia foi super rápido e eficaz. Devíamos ter começado logo por aí de manhã, mas fui eu que pedi o braço esquerdo para deixar o direito livre para poder escrever no caderno que levei no meu kit de sobrevivência. Um livro, dois cadernos, um powerbank, snacks para ir mordiscando, um boneco de tecido em forma de polvo para sentir um pouco de conforto durante o dia. Deste kit de sobrevivência apenas dei uso ao telemóvel com música a tocar nos phones, powerbank para recarregar o telemóvel quando a bateria já estava cansada de dar música e de me abrir as portas ao Mundo e, claro, o polvo de tecido para o conforto e aconchego. Estar ali sem ninguém conhecido para nos segurar a mão e dizer que vai correr tudo bem não é fácil…
A certa altura, já não sei quando nem como, acabei por adormecer. Eu acho não devem ter sido mais de 10 minutos. Mas o powerbank estava a carregar o telemóvel e a bateria já estava nos 90%, por isso acredito que até tenha sido mais de meia hora. Fui acordada pela enfermeira já nem sei porquê. Acho que foi para me dizer que estávamos quase a terminar, mas não garanto. Só sei que foi a enfermeira que me acordou.
Até que me dizem “pronto, já está tudo. Agora só tem que ficar aqui mais uma hora em observação antes de poder ir embora”. E uma hora, quando se tem música e contacto com o Mundo, passa a correr.
Entrei lá às 8h. Saí às 14h. Foram 6 horas ali. Mas foi tudo tão tranquilo, tão simples, tão calmo, que não dei por passarem 6 horas.
Sim, ontem à noite estava muito nervosa, ansiosa, assustada, preocupada, confusa, com medo! Tudo por causa do desconhecido. Do não saber como iria ser. Do que sentir. Do que esperar. Por isso vim até aqui fazer perguntas. E uma coisa que retive foi o sono que tanta gente apontou. Não apenas sono. MUITO sono. É verdade que eu acabei por adormecer durante talvez 30 minutos. Mas, depois de sair de lá, não senti nada, nenhum sono nem qualquer outro efeito secundário. Amanhã logo se vê se aparece alguma coisa, mas acredito que não. Eu vim para casa preparadíssima para fazer o que faço todos os dias depois do almoço: enroscar no sofá e dormir. Mas hoje nem isso aconteceu. Em vez de enroscar no sofá estive das 16h30 até às 21h no cadeirão da varanda a escrever. Mas sempre sem sentir absolutamente nada no que diz respeito a efeitos da medicação. Por isso posso dizer que foi tudo muito tranquilo.
Peço desculpa desde já desculpa pelo tamanhão do texto. Mas eu não sei (mesmo!) fazer resumos. Além de que escrever é, para mim, mais do que uma simples paixão, é, sempre, um enorme prazer. E a esta hora (já passa das 2h30) é quando as palavras mais facilmente me voam para o éter.
Obrigada a todos os que ontem me orientaram nesta coisa que para mim é novidade. Diagnóstico apenas em Abril, primeira vez que faço medicação a este nível, estava (muito) aflita. Por isso muito obrigada.
E muito obrigada também a quem conseguiu ter a paciência de ler até aqui ??????????? prometo que vou aprender a fazer resumos ????
Muito obrigada e uma excelente noite a todos os que me lerem ainda esta noite, um excelente dia a quem já só vai ler amanhã.
E agora continua-se como antes da medicação: um dia de cada vez. Sem pressa. Sem pressão. Devagar, devagarinho.
(Um feedback e um agradecimento escrito para um grupo de apoio no Facebook. Nem sempre os grupos de Facebook são a melhor opção, mas quando não existem grupos de apoio presencial é o que se arranja…)
E para quem não está no grupo, garanto que, daqui a 15 dias, o kit de sobrevivência será substancialmente menor: telemóvel, powerbank, polvinho de tecido e garrafa de água. Mais nada…
23 de Setembro de 2024. Hoje. A minha Data de REnascimento. O dia em que FINALMENTE, e depois de uma LONGA e lenta espera, tive acesso à medicação que me vai ajudar. Não me vai curar. Mas vai tentar travar a progressão.
Progressão de quê? Esclerose Múltipla Primária Progressiva. Alguns (poucos) de vocês já sabiam. Agora acho que é o momento de abrir o jogo e, também desta forma, começar a trabalhar para aceitar o que me apanhou na curva e que veio para ficar. E que eu continuo a recusar aceitar que é para sempre…
A Esclerose Múltipla NÃO tem cura. MAS NÃOÉ contagiosa. Não é fatal. É só o meu próprio sistema imunitário a atacar a minhabainha de mielina, aquela substância que existe no cérebro (e em todo o Sistema Nervoso Central) e protege os neurónios e conduz a informação.
No meu caso já existem várias lesões cerebrais (na coluna ainda não sei), não sei quantas nem em que localizações, mas na consulta com o neurologista a 7/Outubro vou ficar a saber.
As lesões foram primeiramente detectadas numa TAC Craneo Encefálica devido às fortes dores de cabeça, intensas e persistentes, que me atacaram em força de Março a Junho do ano passado. “Lesões isquémicas“, “recomenda-se Ressonância Magnética para identificar origem“. Fiz a RM. E na TAC como na RM o neurologista privado percebeu tudo e resumiu “nadadisto é bom!“.
“Provável Doença Desmielinizante. Possível Esclerose Múltipla.” ia no relatório para a médica de família. Disse-me que devia pedir à médica de família reencaminhamento para neurologia no Hospital público, porque nenhum privado pega num problema como este, especialmente para diagnóstico e as seguradoras não pagam o tratamento dado o elevado valor.
Dia 10 de Agosto foi feito o pedido com carácter de urgência. A 24 de Novembro a psiquiatra do Hospital reforçou o pedido e prescreveu RM completa que seria necessária para diagnóstico na consulta.
A RM completa aconteceu algures num fim de semana de Janeiro. A consulta com carácter de urgência foi marcada para 5 de Fevereiro.
A reacção do neurologista do Hospital? A mesma do neurologista privado: “nada disto é bom“. Sugeriu, e bem!, internamento rápido para fazer todos os exames em falta. O internamento aconteceu no mesmo dia da consulta. 5 dias no Hospital, muitos testes, muitas análises, muitos exames e uma punçãolombar.
E, em Abril, quando o neurologista teve acesso aos resultados todos, a confirmação da suspeita desde a primeira RM: EscleroseMúltipla. E, nessa altura, a identificação de que tipo de EM: Primária Progressiva.
Esclerose Múltipla Primária Progressiva, aquela que chega e, sem pedir licença nem desculpa, vai aumentando as dificuldades e limitações. Que, no meu caso, são (para já!) limitadas ao equilíbrio e à marcha. Daí a necessidade de apoio à esquerda com a bengala e, agora novamente, à direita, seja a minha mãe ou quem se oferecer a caminhar comigo. Que, já se sabe, é devagar, devagarinho.
Desde Abril que esperava por autorização para fazer medicação biológica. Autorização de quem? Dos médicos especialistas, depois do Conselho de Administração do Hospital, posteriormente do Ministério da Saúde terminando o processo de autorização com o aval do Ministério das Finanças.
O tratamento é muito caro? Não . É bem mais do que apenas muito caro. E é suportado totalmente pelo SNS.
Podem dizer muito mal do SNS, que há desinvestimento, que não sabem como cativar médicos. Posso concordar com muita coisa que está mal ou menos bem no SNS. Mas o SNS SALVA vidas. Seja a vida de um rico, de um remediado, de um pobre ou de um miserável. Salva todos por igual, sem querer saber do saldo bancário. E a Saúde (de TODOS) NÃO PODE ser um negócio.
E, quando não é caso de vida ou morte, trata! Como é o MEU caso. Se não fosse o SNS eu não podia ter tratamento, fosse ele qual fosse. Mas com o SNS tenho. E pago zero. A cada 6 meses lá vou eu para nova dose de um tratamento estupidamente caro.
O tratamento cura? Não. A EM, seja ela qual for (e há vários tipos), NÃO TEM cura. Mas, no meu caso, o tratamento vai abrandar (ou, até, travar) a progressão que em menos de um ano progrediu muito e muito rapidamente.
Hoje foi o dia da primeira toma. Dia 8 de Outubro recebo o restante uma vez que a primeira toma é divida em duas vezes para o corpo se habituar. 300ml de aplicação com intervalo de 15 dias para atingir a dose total. Depois da segunda toma então entro no ritmo normal da aplicação da medicação: 1toma de 600ml a cada 6 meses.
É uma bomba para aguentar o efeito durante 6 meses? É, com certeza. Mas o que tomei hoje é considerado o medicamento topo de gama para o meu caso. É medicação biológica (seja lá exactamente isso o que for) e, até ao momento, sem qualquer efeito secundário. Excepto o muito sono, que é característico, portanto é considerado um efeito secundário normalíssimo e sem importância.
Depois, é voltar à máscara, ao álcool gel, às medidas de higiene e segurança, afastamento, não estar em contacto com pessoas doentes, nem com uma simples constipação. Porquê? Porque o meu sistema imunitário vai todo abaixo para ser posteriormente reconstruído com a medicação.
Portanto, se já pouco saía de casa, agora é que vai ser ainda mais raro sair. Yoga? Pelo menos duas semanas após cada aplicação não devo fazer. Sendo que a segunda aplicação é daqui a 15 dias e depois dela tenho que estar novamente pelo menos 15 dias longe do Yoga, só devo voltar no fim de Outubro, se não for só em Novembro.
Vai-me fazer falta? Muita. Mas nem o Professor Pedro quer que eu faça nada em casa para dar oportunidade ao meu corpo de recuperar desta bomba. Mas, assim que puder, estou lá novamente para parar e respirar!
Mas há uma postura que eu posso (e devo!) fazer, e é até recomendada. Se todas as posturas são asanas, acho que o nome desta postura é qualquer coisa como sofásana. Que mais não é do que esticar-me no sofá. Posição fetal, enroscada e aninhada também são posturas válidas no sofásana. O importante é parar para respirar fundo de forma consciente e simplesmente estar ali. Onde não existe mais nada nem ninguém a não ser eu e a minha respiração.
Tentar evitar o mesmo que na noite passada. Mais uma vez adormeci com o telemóvel na mão, o que resultou no post de ontem não terminado de forma consciente, deixando que a última frase só fizesse sentido na primeira palavra sendo seguida por letras aleatórias sem sentido. Spotify a tocar num volume que, em situações normais, não me deixaria adormecer. Cabo do carregador não ligado ao telemóvel. Resultado? Acordar sozinha às 8h30 com a bateria completamente esgotada, logo com o telemóvel desligado. Depois de pôr a carregar, ao ligar o telemóvel fui ver do post. E lá estava ele nos rascunhos com uma última linha de caracteres aleatórios e a criação de uma segunda página dentro do mesmo post. Spotify aberto. Instagram aberto…
Está bem…adormecer com o telemóvel na mão enquanto tento enviar uma mensagem ou escrever no blog começa a ser recorrente. Tenho que contornar isto.
Não sei como é que acordei tão cedo sem o despertador. Aliás, até sei. Mais uma vez algo que começa também a ser recorrente: bexiga muito cheia. Costuma acordar às 3h ou às 5h da manhã. Hoje acordou-me a horas decentes. E a vantagem de acordar às 8h30? Ter tempo depois do pequeno almoço para ir à rua beber café e ter um bocadinho de tempo para aquilo que chamo de “meu momento”.
Voltar para casa, tomar banho, vestir-me, almoçar com calma às 11h30 e ao meio dia em ponto ter os bombeiros a tocar à campainha para descer…
Claro que dei entrada no serviço de Fisioterapia pouco antes das 12h30 com a sessão marcada para as 13h30. Tive tempo de, com calma, ir beber café e enfrentar o vento e a chuva. Mas tive mais do que tempo para isso.
Mais uma sessão de disparate, risota e muito trabalho e esforço. Mas que valeu a pena. Já se começam a perceber algumas melhorias em algumas questões de equilíbrio. Mas ainda longe do que se pretende. Mas, devagarinho e com muito trabalho, hei de lá chegar…
Chegar a casa muito cansada às 15h30 e obrigar-me a resistir ao sofá. Claro que acabei por não resistir e adormeci. Duas horas depoimj,
E, ao quinto dia, ela tem alta de um internamento inesperado mas necessário.
Acordar muito cedo, 6h30m, à hora habitual da enfermeira vir medir a tensão ou trazer-me os primeiros comprimidos do dia. Hoje, por algum motivo, a essa hora não veio nem uma nem outra.
Ver o tempo passar, anda de noite, a Ponte com as luzes apagadas excepto as luzes de sinalização.
Continuar a ver o tempo passar. Já depois das 8h um merecido banho em paz e sossego. 8h30 pequeno almoço. E aquela vontade imensa de um café.
Ainda de manhã cedo mais um exame. Ecografia às artérias do pescoço e da cabeça.
Voltar a ver o tempo passar até chegar a minha companheira incansável, a minha mãe.
Almoçar e esperar pelo médico para me dar alta. Na realidade são dois médicos que me têm acompanhado no internamento. Entregaram-me nota de alta, trataram da baixa por internamento, vieram dar mais indicações dos passos seguintes. O médico principal, o chefe de equipa, sempre muito simpático, daqueles médicos que explicam tudo para que não haja dúvidas. O segundo médico, provavelmente interno, também sempre prestável e de sorriso no rosto.
Está dada a alta. Saímos a tempo de apanhar o autocarro das 14h45 até Almada onde, depois de uma longa espera, apanhámos o autocarro para casa. Claro que antes de ir para casa tive que ir à esplanada do costume. O tão desejado café ia ser bebido ali. E foi! Se me soube bem? Prefiro a qualidade Nespresso que tenho em barda em casa à espera de nova máquina. Mas terei que continuar a aguardar. Bebe-se café no sítio do costume.
Já em casa foi difícil não me perder a responder a tantas mensagens que foram chegando ao longo da tarde. Como, aliás, aconteceu toda a semana. É tão bom e tão importante saber que não estou sozinha.
Jantar. E, às 20h20m, o telefone toca. Número privado, não há como saber quem liga. Mas o meu primeiro instinto de resposta foi imediato: é o médico. E era! Que havia novidades resultantes das Ressonâncias Magnéticas feitas em Janeiro. Quando toda a gente se concentra nas lesões no cérebro, ele decidiu ver o resto: a cervical e a dorsal. E encontrou outros sinais que não achou normais. Mostrou o exame a uma colega especialista em Cabeça/Pescoço e, depois de ter exposto a sua dúvida pediu a opinião à colega que corroborou a opinião do médico: fazer exame adicional para perceber daquelas lesões que mostram gânglios inflamados e é preciso perceber porquê. E até eventualmente tirar um para análise.
Não tenho medo do exame, tenho medo, claro, das possibilidades de resultados. Vamos esperar para ver.
O que eu não esperava era ter o médico a ligar-me às 20h20 para me informar da necessidade deste exame e ainda explicar o porquê.
Com este médico sinto que estou em boas mãos. O exame vai ser marcado para o mais breve possível. Depois logo se vê.
Mas, se estes 5 dias de internamento serviram para alguma coisa a nível pessoal, foi perceber que não estou sozinha, há muita gente a acompanhar-me. E isso é tão importante neste momento.
Um dia de cada vez. Agora é aproveitar que estou de volta à minha casa, ao meu cadeirão, à minha cama e estou a dois passos da esplanada do costume onde posso beber café e deixar-me estar.
Dia muito estranho o de hoje… Acordar cedo porque as dores nas costas não me deixaram dormir. Sair de casa para beber café e aproveitar o Sol. Soube muito bem. Já tinha saudades de dias de Sol sem frio como esta manhã.
Voltar para casa muito tempo depois de ter saído e optar por repetir o exercício de Yoga que devo fazer todos os dias. Viparita karani asana. Deitada no chão e esticar as pernas na parede. Durante 10 minutos fazer respirações profundas e conscientes. Relaxar. E funciona.
É uma posição que ajuda a relaxar e ajuda a regular o sono de qualidade. A verdade é que, depois dos 10 minutos, foi difícil sair do estado de relaxamento em que me encontrava. Até almoçar foi difícil. Tudo muito devagar, devagarinho.
Depois do almoço, experenciar pela primeira vez dormir de olhos abertos. É muito estranho. Mas foi o que aconteceu…,até me esticar no sofá e, durante 4 horas, dormir profundamente…
Não sei de onde veio tanto sono. Mas ficou presente o resto do dia. E agora continua.
Dizem que é sexta feira. Na minha cabeça, por algum motivo, foi Sábado…
Não me lembro de metade do dia. Da manhã não há registo. E é tão estranho não me lembrar… Sei que não aconteceu nada. Agora, ao fazer um esforço, lembro-me que fui à rua beber café e comprar tabaco já muito perto da hora de almoço…depois e até voltar a sair de casa para ir à vila não me lembro…
É muito estranho sentir a memória em branco. Mas também é verdade que nos meus dias não se passa nada…
À tarde sim, lembro-me. Fui à vila tratar de mim. Depois uma rápida passagem pelo supermercado. E o regresso a casa.
Mas depois há aquela presença à distância de um clique que, cada vez mais, me sabe tão bem, tão certo. Não há tempo certo ou errado, há tempo e o que se faz com ele. E, neste momento, é isto o mais importante: o que é sentido e vivido a dois, ainda que os kilometros que nos separam sejam 135…
Devagarinho vou-me rendendo a um amigo ou outra palavra certa…a medo, claro. A voz da experiência grita-me a recordar-me de experiências anteriores que não correram bem mesmo que não tenha dado uso às palavras certas. Sei que, desta vez, tem tudo para dar certo, para correr bem. E daí a vontade de dar uso às palavras…
O que está do outro lado, o que está à distância de um clique é o que mais sentido faz. É o que é certo. Mesmo com tanta coisa pelo meio. E há muito tempo que não me sentia assim…
Amanhã vai ser um dia longo. Mas vai ser um bom dia. Porque, à distância de um clique, está a pessoa certa que me acompanha sempre e para todo o lado. E que me aconchega só por estar lá.
Dia de consulta com a médica de família. 5 minutos na sala de espera, 1 hora no consultório. Manter vigilância, repetir exames lá para Maio. Análises para rever valores pós medicação. Prolongamento da baixa por mais um mês…
Tratar de mim fez parte do dia. Porque só eu posso fazê-lo. E não gosto do momento actual. Mas quando penso que terei que voltar ao trabalho há um calhau com olhos que me relembra como cheguei a este ponto. E porquê também…
A incompetência é gritante. E isso perturba-me mais do que devia. Eu tento desligar mas não consigo. Especialmente quando tenho que comunicar a continuação da baixa e, como resposta, me pede o que já tinha sido enviado e não sabe onde está… É, eu mereço. Só pode. Claro que estas coisas mexem demasiado comigo, mesmo quando não deviam.
Tenho um mês para recuperar e reunir estratégias de defesa contra o que me perturba desta forma… 31 dias. E nesses 31 dias alguma coisa tem que mudar. Ou seja, eu tenho que mudar. Para melhor. Que é o mesmo que dizer que eu tenho que melhorar. A todos os níveis. Só não sei por onde começar…
Sexta feira longa. Cansada, claro. Com sono. E a preparar-me para acordar cedo amanhã para mais uma aula de Yoga logo cedo para começar bem o dia.
Amanhã? Será melhor. Gostava de sair e ir a algum sítio, mas nem sei onde nem sei fazer o quê. Mas apetecia-me um dia diferente. Que não vai acontecer. Mas o tempo também não parece que vá estar favorável, por isso estar em casa dedicada ao sofá, mantas e televisão é um plano tão bom como outro qualquer.
Por hoje chega. Amanhã logo se vê. Mas será melhor.
Voltando ao tema da publicação anterior: soltar e deixar ir dói para caraças. Mas consegue doer mais quando não se solta e deixa ir.
Soltei. Deixei ir. E o espaço que libertei foi preenchido por coisas e pessoas que não me fazem esperar. Até porque eu posso não ter pressa e não cedo a pressões, mas também (já) não fico eternamente à espera do que sei que nunca irá acontecer.
Soltar e deixar ir. Sempre me disseram que não era fugir. Era só não colocar pressão. Soltei. Deixei ir. Mas de vez em quando ainda volto lá atrás só para não me esquecer. Mas especialmente para não me esquecer de mim.
6 anos depois, lembro-me onde estava a esta hora. São 19h50. Estava numa esplanada, que não a do costume, à espera…
Mal sabia o que me esperava nos 5 anos que se seguiram: esperar, esperar, esperar. Sempre. Até que decidi deixar de esperar. E, há um ano, decidi que não ia esperar mais. Mesmo assim não desisti no imediato. Ainda demorou dois meses e pouco até bater com a porta de vez. Antes disso, disseram-me “um dia destes vamos jantar”. Está bem. Só que não. Porque, se não tivesse desistido de esperar, estaria hoje há 11 meses à espera de “um dia destes” para um jantar que eu sempre soube, desde o primeiro momento, que não iria acontecer. Não vai acontecer.
Foi há 6 anos que esperei naquela esplanada. Hoje já não espero. Segui o meu caminho. E ainda bem que o fiz. O que ganhei ao longo deste ano, as pessoas que ganhei!., valem muito mais do que ficar à espera de uma ilusão.
Há 6 anos a esta hora esperava numa esplanada que não a do costume. E o jantar, prometido logo de início e repetido algumas vezes, foi sushi. E anda a apetecer-me muito ir ao sushi. Mas já não espero na esplanada, seja aquela de há 6 anos, seja aquela de todos os dias.
Quem quiser ir ao sushi, só precisa de dizer “bora”. 6 anos depois, as botas são as mesmas, as meias às riscas ainda existem e a magia acontece sempre que me apetecer.