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Hoje? Hoje foi assim, em dois momentos distintos…

“Neste momento? Completamente sem paciência. Para nada. Nem ninguém. Ou para muito pouca gente.

Sem paciência, embirrante, intolerante. Com vontade de simplesmente desaparecer daqui sei lá para onde. Talvez para um sítio onde a doença desmielinizante não exista. Que não me traga as dificuldades que me tem trazido nos últimos meses.

Doença desmielinizante do sistema nervoso central implica a perda de bainha de mielina que é a central de comunicações entre neurónios, a ponte de ligação entre o cérebro e o restante do corpo humano, como por exemplo os membros. A mim está há meses a afectar os membros inferiores, ou seja, as pernas. Que afectam o andar, claro. E que, nos últimos meses, viu um grande avanço nas dificuldades.

Dei pelas dificuldades no andar quando percebi, antes de se começar a desenrolar esta história, que as pernas pareciam não me obedecer… Atribuí essa desobediência ao teletrabalho, ao caminhar muito pouco. Considerei ir para um ginásio para fortalecer as pernas. Há uma rua em Lisboa, que eu percorria todos os dias depois do trabalho, que a cada dia parecia muito mais difícil de subir porque me desequilibrava bastante. Sempre atribui à inclinação da rua.

Não era (nem é) nada disso. E foram as dores de cabeça intensas e persistentes que me trouxeram a este cenário que eu teimo em recusar… Estou cansada disto. Farta, na verdade. E ainda agora está a começar. Mas sim, estou muito rabugenta.

Apetece-me isolar-me de tudo e todos. Mas não posso… Preciso de cada um desse lado, mais perto ou mais longe, não interessa. Preciso de todos…Porque este novo caminho não se faz sozinho. E custa. Muito. Sentir-me tão sozinha, mesmo sabendo que não estou. Há muita gente do outro lado do ecrã. Mas falta-me (muito) a presença de quem está mais perto. Porque eu não posso esquecer-me que eu TENHO uma doença, mas eu NÃO SOU a doença. E só vocês me podem ajudar a perceber isso de vez.

Apetece-me chorar, claro. Mas falta-me um ombro para o fazer. Seguido de um abraço apertado.
Por isso, a vontade é desaparecer. Não sei para onde. Só sei que para longe daqui.
Há quem diga que eu gosto de dramatizar. Pois eu respondo que continuo no mesmo sítio, fácil de encontrar.”

…e mais tarde…

“Hoje, depois do que escrevi a falar sobre a doença desmielinizante que me chateia, compararam-me (e bem!) aos meus velhinhos ténis esburacados. Qualquer coisa como “podes sentir-te velhinha e esburacada mas continuas cá para as curvas e estilosa”. Foi mais ou menos isto, quase palavra por palavra. A verdade é que me deixou a pensar. Porque os meus ténis realmente estão velhinhos e esburacados mas eu não desisti deles. Com mais ou menos marcas de utilização, mais ou menos buracos, continuam estilosos e bons para as curvas. E é isso que eu tenho que pensar de mim mesma. Ainda não estou velhinha, mas já estou esburacada e com marcas de uso.
Ainda não sei o diagnóstico final da doença desmielinizante, uma vez que existem três variantes. Espero, a qualquer momento, fechar o diagnóstico e avançar para o tratamento. Sei que, nesse dia, nascerá uma outra Eu. Que vai olhar a doença de frente e lutar para permanecer igual, com os devidos ajustamentos necessários. E, se não conseguir permanecer igual, então que essa nova Eu consiga ser melhor do que a actual.
Vou continuar a precisar de todos. Todos aqueles que gostam de mim e que me aceitam tal como sou. Só peço que também gostem e aceitem essa nova Eu. Até porque, como os ténis velhinhos e esburacados, vou continuar cá para as curvas. Se calhar mais devagar, devagarinho, mas se for para ir faço questão de ir. E vou. Tal como ainda o faço.
Se não desisti dos meus ténis velhinhos e esburacados também não vou desistir do mais importante: Eu.
Vão continuar a haver dias difíceis, como hoje. Mas também vai continuar a haver Eu.”

…e não me posso esquecer de nada do que escrevi hoje…

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