A magia existe. Já o disse aqui tantas vezes. E já disse aqui também tantas vezes que o Jardim da Estrela está carregado dela.
Se dúvidas houvesse, hoje teriam acabado.
Um dia que amanheceu cinzento. Não apenas o céu mas eu mesma também em tom de cinza escuro depois de mais uma noite em branco a ouvir os sussurros dos meus demónios que insistem para que voe. A minha luta com eles. Os diálogos na minha cabeça que não chegam a ser diálogos, apenas monólogos, porque não chegam aos destinos. Adormecer, finalmente, perto da hora de acordar, sempre às voltas com o desassossego.
Sair de casa tão mais tarde do que era suposto porque o peso do desassossego e da noite agitada, em branco, me prendia os movimentos.
Seguir caminho a custo, acompanhando as nuvens cinzentas como eu, a ameaçar chuva como eu. Não conseguir falar a ninguém à chegada, porque o nó na garganta apertava e ameaçava desfazer-se em pranto.
Recusar as brincadeiras matinais habituais que começam ainda no café ao pequeno almoço. E dizer quase sem pensar, de olhos molhados, “hoje não, pára com isso ou mando-te à merda”. Sufocar o choro que quis rebentar ali e rematar com “só não te mando já à merda porque tenho memória” e perceber na troca de olhares que a mensagem foi recebida e entendida. Porque não me esqueço e sou grata, muito, por aquele abraço naquele dia em Belém em que tudo começou a terminar.
Evitar, a todo o custo, falar. Evitar, a todo o custo, levantar os olhos do chão para que não se visse a chuva que ameaçava cair.
Entrar no Jardim……
……entrar no Jardim e tudo começar a mudar. Montar a banca em piloto automático rapidamente. Depois de tudo pronto recolher-me para o meu nicho. Uma espécie de ninho na base de uma árvore. Aquela cuja espécie desconheço mas que já chamo de minha.
Sentar-me no chão, como sempre, encaixar-me, literalmente, naquele nicho e deixar-me ficar. E o céu a ficar azul e eu a perder o cinzento escuro. As nuvens que desapareceram e os meus olhos que secaram.
Regressar lentamente pelo peso do sono e já não do desassossego ao meu posto. E dar por mim, de repente, a alinhar nas brincadeiras que tinha recusado pouco tempo antes, retomando a normalidade.
É ali, sem dúvida, que me encontro. Que me liberto de tantos pesos, que acalmo desassossegos.
É ali que o céu passa de cinzento a azul, lá fora e cá dentro.
É ali que me alimento do que me traz paz. Que me escapou por momentos, dias, mas que faço questão de manter agora que está a regressar. É ali, também, o meu porto de abrigo.
E é moída e cansada que hoje me deito sem diálogos que são monólogos, sem fantasmas que se apresentam e sem demónios que me sussurram para que voe.
Hoje? Durmo em paz. Porque a magia existe.