{de voar}

Lembro-me da primeira viagem de avião. Um vôo de duas horas e pouco com destino à Alemanha. Lembro-me do medo, do pânico de voar.
Lembro-me de, muitos anos antes, ter trocado 2 horas e pouco de avião por 27 horas de comboio rumo a Bruxelas ao sabor de um Amor adolescente, uma paixão de Verão que o comboio, em detrimento do avião, permitiu prolongar até ao Inverno.

Sempre tive medo de voar. Mas a ida à Alemanha não permitia trocar o vôo pelo deslizar dos carris e não podia deixar passar a oportunidade que, sabia, era única.

Recordo a ansiedade galopante nas semanas que antecederam o vôo. As noites mal passadas pouco antes da data da partida. Recordo o medo, que não sabia explicar apenas, sabia que sentia.

Muita gente tentava acalmar-me, dizendo que era seguro, até mais seguro que o comboio, e que “lá em cima não sentes nada, não dás por nada”. Que levantar vôo era engraçado e dava alguma comichão na barriga. E que “o que custa mais é a aterragem”.

Lembro-me da aterragem em Bona. A descida foi, aparentemente, tranquila. Mas, assim que tocámos a pista, assim que regressámos a Terra, o medo voltou. Porque o avião continuava a deslizar na pista, a pista cada vez mais curta, o avião a continuar a deslizar.
Embora inexperiente em vôos e aterragens, percebi que não tinha sido uma boa aterragem. Assustou. Gelou. A tal comichão na barriga à partida transformara-se num murro no estômago, daqueles que cortam a respiração.

Não me lembro da aterragem em Lisboa. Sei apenas que foi mais tranquila, provavelmente por isso mesmo não me lembro. Mas não me esqueço de Bona.

Nunca mais voei. De avião, pelo menos. Nem de qualquer outro meio de transporte aéreo. Mas sei que, de todos os vôos, até mesmo daqueles que não são feitos em meio de transporte aéreo, o que custa mais é sempre a aterragem. Mesmo que se esteja preparado para ela, nunca estamos realmente. Mesmo que se saiba antecipadamente o destino e a hora estimada para a chegada, o pior é sempre a aterragem. E o murro no estômago depois da comichão na barriga.

Mantenho o medo de voar. Mas vou voando. Mantenho o medo de voar não pelo vôo, mas sempre pela aterragem, seja ela imprevista ou previamente programada. Como agora.

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