O que fazes com as primeiras cores da manhã? O que te fazem, a ti, as primeiras cores da manhã?
Com vista privilegiada para o nascer do dia, com o horizonte aberto, sem obstáculos, qual o valor que dás a cada nova cor que o dia te traz?
Às vezes esqueço-me que é tudo uma questão de perspectiva. De ponto de vista. O nascer do dia é o mesmo. As cores, as primeiras cores da manhã, essas são também as mesmas. Muda apenas o ângulo. E, ainda que observadas ao mesmo tempo, no mesmo exacto momento, podem ser tão diferentes. Porque tu, com uma vista privilegiada para o nascer do dia, com o horizonte aberto, sem obstáculos, tens as cores como certas, garantidas. Sem esforço consegues chegar-lhes. Mas e elas? As cores que te entram por essa vista privilegiada, nesse horizonte aberto, sem obstáculos, essas cores que tomas como certas, garantidas, será que chegam a ti? Permites sequer que te cheguem?
Talvez o problema passe, também, por aí. Pela facilidade de uma visita privilegiada, de um horizonte completamente aberto, absolutamente sem obstáculos. Talvez o problema passe, precisamente, por tomares essas cores como certas, como garantidas. Tudo isso te traz essa sensação de conforto que, no fundo, não passa de um conforto ilusório. Porque não te esforças para perceber que existem outras formas de chegar às primeiras cores da manhã. Sem vistas privilegiadas, com uma linha de horizonte muito fechada, repleta de obstáculos. Mas nem por isso com menos cor.
Ainda me lembro dessa vista privilegiada. É, de facto, um privilégio acordar com as primeiras cores da manhã a tocar os lençóis. Mas prefiro, muito mais, a linha de horizonte fechada, repleta de obstáculos, onde as primeiras cores da manhã pintam os recortes dos prédios.