“A sério? Ninguém diria!”
Pois não. Daquela porta para dentro, em cruzamentos esporádicos no corredor, sempre com um sorriso porque sim e por não saber cruzar-me, ali, de outra forma, não, ninguém diria. Mas daquela porta para fora, daquela porta para fora está o Mundo real, aquele onde não me encaixo, onde não me sinto bem, onde me perco mais do que me encontro, aquele Mundo que cada vez me diz menos, onde o ruído me desorienta, onde não vejo mais do que pressa e rotinas nos outros, confusão, desnorte, desnorte meu, claro, sem rumo, sem objectivos, sem propósito. Daquela porta para fora onde não vivo, sobrevivo. Daquela porta onde a minha cabeça me grita. E a vontade nula de voltar para casa e sem ter outro sítio para onde que não seja para casa.
Não. Daquela porta para dentro ninguém diria. E preferia manter-me ali, daquela porta para dentro, mais tempo. Porque ali o tempo passa, porque ali a cabeça não tem tempo para me gritar, porque ali faço falta ainda que seja somente para ocupar mais um posto, porque ali tenho um objectivo, mesmo que seja apenas um, porque ali sei para onde fica o Norte, porque ali não estou em casa, em minha casa, onde revivo vezes sem conta todas as sombras, todos os ecos, todos os pesadelos em vigília, as noites em branco.
Daquela porta para dentro. Daquela porta para fora. Duas realidades distintas. Duas de mim que sou tantas, que sou nenhuma, que sou nada.
Ninguém diria. Daquela porta para dentro toda uma realidade alternativa.
Ninguém diria. Daquela porta para fora toda uma realidade que me faz querer continuar a fugir.
Não. De facto ninguém diria. Tirando, talvez, os olhos cheios de lágrimas dos zero aos 100 em menos de um nada temporal que não sei definir de tão veloz, de tão rápido.
Não. Ninguém diria. De facto ninguém diria.
Mas sim, essa que ninguém diria sou, de facto, eu.