Daily Archives: 05/05/2017

{#página125} 

Até os bichos saem da toca. Para procurar alimento, para irem do ponto A ao ponto B, por curiosidade ou por necessidade. 

Não me incomodam os bichos que saem da toca, cruzo-me com eles, puxo conversa mesmo que não me respondam. Paro para os ver, para os observar. E seguimos por aí, cada um no seu caminho, acabando invariavelmente por regressarmos, ambos, à toca. 

Depois há os outros. Não necessariamente bichos. Mas que apresentam tendência para sair da toca apenas quando espicaçados. Quando algum factor exterior os obriga a dar sinais de vida. Não foi, hoje, a primeira vez. Espero que, comigo, seja a última. Porque se não me incomoda cruzar-me com bichos que espontaneamente saem da toca nos afazeres da sua natureza, os outros incomodam ao ponto de me sentir, novamente, agitada. Inquieta. Ansiosa? Talvez ansiosa. Insegura de certeza. 

Porque um cobarde é um cobarde é um cobarde. E só sai da toca quando espicaçado. Quando provocado. Como em Agosto. Como hoje. Ou quando os seus próprios interesses se sobrepõem ao equilíbrio de terceiros. Como tantas vezes, demasiadas vezes nos últimos anos. 

Não me incomodam os bichos. Gosto deles. Gosto quando nos cruzamos quando ambos saímos de livre vontade das respectivas tocas. 

Não gosto dos outros. Dos que saem da toca, do esconderijo, apenas quando provocados por factores exteriores e que me incomodam, me inquietam, me deixam novamente insegura quando ainda me sinto vulnerável. 

Não vai fazer estragos. Não…? Não sei. Sei que não o posso permitir. Porque, ao fim de tanto tempo, primeiro estou eu. Não o posso permitir porque a vulnerabilidade é ainda demasiado grande. E a linha, aquela linha que não quero atravessar, a linha é demasiado ténue. E não quero regressar onde já estive porque os outros se esconderam na toca quando mais precisei que saíssem sem serem espicaçados. 

O estrago ainda cá está. Marcado como a ferro quente. A ferida ainda longe de cicatrizar. Ainda infecta. Ainda demasiado dolorosa. E o timing está longe de ser o ideal. Mas talvez seja agora porque tem que ser agora. 

Não me incomodam os bichos. Não me assustam. Incomodam-me os outros. Assusta-me a agitação que chegou de repente e parece ter-se instalado mesmo quando os químicos a deveriam deixar ao largo. 

Não me incomodam os bichos. 

Incomodas-me tu. E só hoje percebi o quanto me incomodas. Ainda.