Na minha bolha. A fazer de conta.

Na minha bolha. A fazer de conta. Que não vi. Que não sei. Que não li. Que não senti. Que não vivi.

Na minha bolha. Armadura vestida depois de observados os danos recentes que se juntaram aos danos anteriores. Como cicatrizes, no corpo e na memória, contabilizam histórias. Bem ou mal contadas, são histórias que fazem ou já fizeram doer. Que fazem parte. Que me fizeram crescer.

…que me fizeram endurecer

Endurecida, mas não amarga. Apenas consciente da e na distribuição do que não amargou. Como os meus lápis de cor, que trago em mãos, prontos para distribuir cores por aí. Faltam-me as telas que já foram paredes que já foram pele. Assim como me faltam as letras que formam palavras das cartas que não escrevi. Da carta que, prometida, não cumpri.

Na minha bolha. A fazer de conta. Que não vi. Que não sei. Que não li. Palavras, em verso ou em prosa, faço de conta que não senti. Que não vivi.

Na minha bolha onde poucos, raros!, entram. Porque eu não deixo. Ou porque não tentam sequer. Na minha bolha, uma espécie de Mundo do Faz-de-Conta. Onde já tudo foi possível. Onde hoje só eu existo. Eu e a minha armadura na minha bolha a fazer de conta.

São só palavras, dizem-me. Sempre me disseram. São só palavras que aproximam. São só palavras que afastam. Mas são só palavras. Falta o toque. O arrepio na pele. As borboletas na barriga que me morreram há tanto tempo com um murro no estômago. Já não morreriam hoje com a protecção da minha armadura.

Palavras como gestos ou movimentos, coisas que nos habituamos a dar como garantidas. Não na minha bolha. Aqui já aprendi a abrir mão de tudo, menos dos meus lápis de cor. E enquanto o silêncio se repete, enquanto o silêncio se mantém, na minha bolha ecoa a certeza de que nada pode ser dado por garantido. De que ninguém pode ser dado por garantido. E muito menos eu, com a minha armadura, me permito sequer ser dada por garantida. Porque não o sou, de facto…

Estão 30 graus lá fora. Está demasiado calor. Mas a armadura…? Essa mantêm-se agrilhoada…

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