Diz o Google Maps, muito seriamente, que de minha casa à escola onde está a assembleia de voto, é uma caminhada de meros 20 minutos. Quando vi isto, claro que comecei a rir. Porque sabia que, para pessoas ditas normais, seriam 20 minutos. Ir, votar e voltar, qualquer meia horita e estava feito, certo? Pois…
Saí de casa às 12h40. Segui em direção à escola que fica DO OUTRO LADO da vila. Ao chegar ao centro da vila, ainda longe da escola, já os 20 minutos estavam esgotados.
Parei para beber um café e, claro, descansar um bocadinho. Não demorei mais de 10 minutos na esplanada. Queria despachar o voto rapidamente para voltar para casa e saborear o Domingo. Que, no fundo, é o mesmo que saborear o sofá.
Segui caminho até à escola. Para variar, na minha mesa de voto, a fila era pequena. À minha frente apenas uma pessoa à espera enquanto, lá dentro, outra votava. Chegou a minha vez (prioridade? Yeah, right…talvez se levasse muleta como em Março quando me mandaram passar à frente de toda a gente. Agora, com uma bengala, ainda por cima gira e florida? Não acontece. Em lado nenhum…). Entrei, votei, saí. Às 13h55 estava despachada. Mas, mais uma vez, antes de seguir caminho, tive que me sentar para recuperar e descansar. Estas pernas já viram melhores dias e menos dores.
Hora de voltar para casa. Dever cumprido.
O caminho para casa fez-se ao mesmo ritmo que o caminho até à escola: devagar, muito devagar, mesmo devagarinho.
Regressar ao centro da vila, encontrar um banco de jardim (coisa rara nesta terra! Muito rara mesmo!), descansar mais um pouco e dizer às minhas pernas “aguentem-se só mais um bocadinho, estamos quase lá”, sabendo perfeitamente que ainda faltava o quase!
14h55 e faltavam “só” 900 metros até casa. Bora! Siga caminho! E as minhas pernas a dizerem “ir a direito? Não nos apetece…” Eram só 900 metros. Mas houve muitas paragens pelo caminho. Porque as dores já eram muitas…
15h50 e finalmente entro em casa! TRÊS HORAS depois entro em casa! Já passava largamente das 16h e ainda não tinha almoçado! Mas porra! FUI votar! Não assino cheques em branco!
Agora pergunto: se eu, com tantas dificuldades e limitações em andar, FUI votar, porque é que TU não foste?!
E, um dia, deixas de lutar contra o óbvio e aceitas que está na hora de começar a usar a bengala em casa. E esse dia foi ontem.
Apoiar-me nas paredes e nos móveis já não era suficiente nem para ir da sala à cozinha, ao quarto ou até à casa de banho… Já não me bastava andar de bengala na rua. E agora na rua só a bengala já não me chega. A bengala apoia-me à esquerda, a minha mãe apoia-me de braço dado à direita…
Já tinha passado esta fase. Depois das 30 sessões de fisioterapia no hospital já caminhava muito melhor, tendo chegado a fazer 3 km de caminho sem qualquer tipo de apoio. Mas depois acabou a fisioterapia no hospital… Começou em clínica com um trabalho muito diferente, mas com o mesmo objectivo.
Depois veio o calor. Que, já me confirmaram, é um grande inimigo desta coisa que me apanhou na curva e cujo nome ainda não consigo pronunciar, nem sequer escrever. Ainda estou em negação…
Depois veio uma infecção com direito a um acessório médico que não me permitiu voltar à fisioterapia. E uma semana e meia sem fisioterapia, especialmente já tendo havido regressão por causa do calor, faz muita diferença. E hoje, quando fui votar, percebi bem o quanto piorei em tão pouco tempo. Por isso não me admira que, ontem, tenha cedido à bengala em casa…
Se eu queria isto tudo? Claro que não. Nunca procurei nada disto. Mas, numa qualquer dessas curvas da vida, fui apanhada no caminho.
Por isso, não!, não estou nada animada. Nem com espírito positivo. Adorava poder andar um ano para trás, quando tudo ainda era o dito normal. Infelizmente não posso. Por isso, para já, há que aceitar o novo normal.
Aceitar a doença, essa, vai ter que esperar mais um bocadinho. Continuo em negação… Não sei quando é que começarei a aceitá-la, mas sei que vai doer! Muito! E, neste momento, ainda em negação, estou a tentar proteger-me daquilo que, já sei, vai doer e para quem ninguém está preparado……eu sei que eu não estou…
Quando regressava para casa, depois de votar, disse à minha mãe “apetece-me desligar-me do Mundo”. “Só desligas do Mundo se fores dormir”, respondeu-me ela. Expliquei melhor: não é desligar-me do Mundo nesse sentido. É continuar a fazer as minhas coisas, mas sem OUVIR o que se passa no Mundo ou à minha volta.
Estávamos, nessa altura, a chegar à rotunda da entrada da Costa, e aquele ruído do trânsito (e não era dos piores dias!) estava a incomodar-me. Assim como o som dos aviões que iam passando lá em cima. Ou até as vozes das pessoas que passavam por nós.
Tudo me estava a incomodar, a fazer-me uma grande confusão na cabeça. Como, nos últimos tempos, tudo me incomoda. O Mundo incomoda-me…
Disse-lhe que sabia como desligar do Mundo e continuar a fazer as minhas coisas: pondo os phones e ligando a música. Sempre abafa um bocadinho o ruído na minha cabeça e o desconforto que o Mundo me provoca.
Normalmente ligo a app da rádio. Sempre vou ouvindo as notícias, pessoas a falar e música. Mas, ultimamente, até isso me incomoda. Por isso opto pelo Spotify. Tem anúncios de tempos a tempos, tem a música que eu escolhi e tem sugestões. Não incomoda tanto, mas…
O ruído na minha cabeça continua e desligar o do Mundo, pelos vistos, só vai mesmo acontecer quando for dormir…
Por isso agora, tenho ali mensagens para responder. Desde manhã. Que ainda não respondi por medo. Medo que este nó no estômago se desfaça e as lágrimas comecem a cair. Porque, um dia, elas VÃO ter de cair. Ando há mais de um ano a dizer que não consigo chorar…e vou ter que conseguir. Um dia…
Vou responder às mensagens. De phones postos. Mas sem música. Sem nada. Talvez assim consiga desligar um bocadinho do Mundo enquanto respondo e digo como estou. Spoiler alert: estou tudo menos bem. But who cares anyway?
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