Cansada. Tão cansada. E não é o tradicional cansaço físico que me afecta. Ou que mais me afecta. É o cansaço mental. Psicológico. Emocional. É o sentir-me isolada. O não sair de um rectângulo pré-definido. Aquele rectângulo onde está a minha casa, o Hospital, a Fisioterapia e o CDP. Os únicos sítios onde vou. E, ao Hospital, correndo tudo bem e não havendo nenhuma urgência, só regresso a 30 de Agosto. Ao CDP a 27 de Setembro. O último dia de Fisioterapia é já na próxima segunda feira, dia 12 e, muito provavelmente, só volto a ter vaga duas ou três semanas depois, portanto dificilmente antes do fim do mês. E, a partir daí, o rectângulo diminui significativamente para o meu bairro e (muito) pouco mais…
Sinto-me presa. Como se, à minha volta, houvesse uma qualquer vedação de segurança que me impede de sair. Como se estivesse agrilhoada para não me afastar.
Não vejo ninguém das minhas pessoas. Aquelas de quem eu gosto, aquelas que eu sei que gostam de mim. Raros, muito raros são os contactos feitos por telefone e, quando existem, é sempre com a mesma pessoa. A única que ainda dispende do seu tempo para conversar. Seja sobre o que for.
Ontem o psiquiatra disse-me que não achava que a minha Depressão tivesse agravado. Isto porque eu saio de casa todos os dias para a Fisioterapia e depois ao final do dia para beber café. Mas, desconfio, não deve ter ouvido quando lhe disse que, para além da Fisioterapia, se saio de casa todos os dias é porque me obrigo a isso. Aprendi com o terapeuta fofinho há alguns anos que é importante sair de casa. E é aos ensinamentos dele que tenho recorrido. Mas, na verdade, quando saio de casa para ir beber um café, vou sempre ao mesmo sítio, porque é o mais próximo e é, correndo o risco de exagerar um pouco, como se estivesse em casa. Porque é sempre no mesmo sítio. Como em casa. Onde não está ninguém das minhas pessoas. Como em casa, tendo como excepção a minha mãe. Onde não converso com ninguém. Como em casa, onde falamos mas não conversamos. Onde vejo sempre a mesma coisa. Como em casa. Por isso, obrigar-me a sair de casa todos os dias para beber um café não é, necessariamente, sinal de ânimo, motivação, o que for. É, sim, uma regra que impus a mim própria para apanhar um pouco de ar, ainda ver a luz do dia e mexer um pouco as pernas, mesmo que cada vez custe mais.
Não, nada disto diz que a Depressão não agravou. A solidão é cada vez maior, tal como o silêncio que me rodeia e a ausência de interacção. E a vontade de chorar também passa por aí. Não é apenas pelo que me apanhou na curva e que eu continuo a recusar, ou a negar, ou seja lá o que for! Passa também por cada vez me sentir mais sozinha. Mais presa. Mais isolada do Mundo!
Há umas semanas disseram-me que eu também tinha que fazer a minha parte, a de chamar as pessoas. E na semana passada foi o que tentei fazer. Com quem me chamou a atenção para isso. Até ver, sem sucesso. Provavelmente até já esquecido…sei lá eu.
Eu sei que toda a gente tem a sua vida. O seu trabalho. Os seus afazeres do dia-a-dia. Também sei que Agosto é sinónimo de férias para muita gente. E também sei que chamar alguém para vir até aqui, terra à beira da praia, é pedir que percam horas intermináveis no trânsito de acesso à ponte na vinda para cá e outras tantas horas intermináveis no acesso à portagem no regresso a Lisboa. E, se alguém quiser vir até cá recorrendo aos transportes públicos, é garantida a enorme dificuldade de conseguir entrar num autocarro no regresso. Por isso, não!, não me atrevo a chamar ninguém da outra margem para vir até cá, seja ao fim de semana (que é impensável!) ou seja durante a semana porque Agosto tem trânsito igual todos os dias. E nesta margem, que eu tantas vezes chamo de Margem Cool, são poucas, muito poucas as minhas pessoas.
E também a solidão dói. E deprime. E corrói cá por dentro. E é como se eu me transformasse num saco de pancada agredido por mim própria. Porque é isso que faço todos os dias de diversas formas. Daquelas que poucos, muito poucos, interpretam como uma auto-agressão. Mas é. Porque, estando sozinha, não há quem me pegue na mão e me puxe de volta à Terra, à realidade (por muito negativa que esteja a ser neste momento), que me diga “eu estou aqui“. Porque, na realidade, não está. Ninguém. E eu, sozinha, já o sei: não aguento.
Apoio psicoterapêutico, sugeriram-me há umas semanas. Confirmei que já tinha consulta marcada para o psicólogo para iniciar o apoio psicológico e a consulta de Psiquiatria também estava marcada. Portanto, à partida, o apoio psicoterapêutico já estaria assegurado. E eu sei a importância que tem o apoio especializado. Psicoterapêutico. Com psicólogo. Com psiquiatra. Mas também sei a importância que tem o apoio voluntário de quem gosta de nós e nos quer ver bem. E se tenho o apoio especializado de psicólogo e psiquiatra, só me fica a faltar o apoio voluntário de quem gosta de mim e me quer ver bem…
Porque não!, eu não estou bem. Todos os dias me viro do avesso para encontrar coragem para enfrentar o dia. E descobri a forma mais fácil, que não é necessariamente a melhor: chegar a casa depois da Fisioterapia, almoçar, passar pelo cadeirão enquanto bebo café e faço de conta que o dia já não vai só a meio para depois aninhar no sofá e simplesmente dormir…nunca menos de três horas. Que passam por mim sem eu dar por elas, sem me sentir presa, sem me sentir isolada, sem me sentir sozinha. Sem ter rigorosamente nada para fazer, para me enganar a mim mesma vou pelo atalho do sono e morro para o Mundo por umas horas, só para perceber que, durante esse tempo, também não fiz falta a ninguém, também ninguém deu pela minha falta…
Por isso não me digam que eu não estou sozinha. Porque estou! Cada vez mais presa. Cada vez mais isolada. Cada vez mais sozinha! E eu sozinha não aguento…
