Fazes-me falta.
Se em 2008 foi fácil habituarmo-nos uma à outra, hoje não me é fácil habituar-me à tua ausência.
Foram quase 9 anos em que éramos uma só. Onde eu estivesse era certo que estarias também. Mesmo quando e onde não devias, ora em cima da máquina de costura, ora em cima dos tecidos em que estava a trabalhar.
Lembro-me tão bem das primeiras noites contigo. Fazias questão de dormir num cantinho da minha almofada e, de alguma forma, sentires-me ali. Fosse com uma patinha tua no meu pescoço ou a tua cauda na minha cara ou o teu nariz no meu cabelo. Tinhas sempre que estar a tocar-me, a sentir-me de alguma forma.
Lembro-me daquela tua fase, ainda eras tão pequenina, em que me acordavas com patadas na cara. Sempre me ri a contar isso embora gostasse mais quando me deixavas dormir.
Foste crescendo e a almofada deixou de ter espaço para as duas. Adoptaste a minha cintura como ninho de eleição e praticamente todas as noites era aí que começavas os teus sonos.
Era sempre comigo que dormias e nunca percebi como é que uma coisa tão pequena conseguia ocupar tanto espaço numa cama para dois. Mas a verdade é que era sempre eu quem tinha que se moldar à tua presença porque o meio da cama pertencia-te.
Aprendi muito contigo. Aprendi aquela coisa do amor incondicional, que não pede nada em troca nem guarda ressentimentos. Ficavas feliz quando eu entrava em casa, tivesse saído há 5 minutos ou há 5 dias.
Esperavas-me à porta de casa ainda antes de eu entrar no prédio. Muitas vezes bastava-te ouvires-me a estacionar o carro. Quando entrava já te ouvia a miar, a chamar por mim. E, se demorasse mais um bocadinho, não sossegavas até que finalmente entrasse em casa. E depois de me teres em casa tínhamos que ter sempre aqueles minutos só nossos, só nós as duas, contigo ao meu colo a ronronar.
Percebo esta noite o quanto me custa a minha cama vazia sem ti. Não ouvir o teu miado ao entrar no prédio. Não tropeçar em ti porque já não te enrolas nos meus pés quando ando pela casa. Ter o colo vazio de ti e do teu ronronar.
Ontem não tive tempo para encaixar tudo e acho que cheguei a casa meio anestesiada da anestesia que te deram antes daquela última injecção. Hoje revivo na minha cabeça cada segundo que passámos juntas naquele gabinete onde me despedi de ti. Onde te dei colo mais uma vez, mas já sem o teu ronronar, apenas um corpo trémulo quase sem forças. Disse-te que ias ficar bem, que para onde irias estarias melhor. Para não teres medo porque eu estava ali contigo. Pedi-te para ires tranquila, em paz. Disse-te para não te preocupares porque eu fico bem. Ficarei, com tempo. Olhei-te nos olhos, rocei o meu nariz no teu como fazíamos tantas vezes. Fiquei contigo até ao fim. Vi os teus olhos perderem o brilho. Vi o teu corpo a perder a pouca vida que ainda lhe restava. E de repente aquele corpo morto que ali estava já não eras tu. Já não estavas ali… Mas não deixaste, nunca, de ser linda.
Disse-te que te amo e pedi-te perdão. Perdão por ter falhado contigo e não ter conseguido tratar de ti como merecias. Perdão por te fazer passar pelo estado a que chegaste e que eu durante algum tempo, demasiado tempo, me recusei a aceitar que era mais grave do que queria admitir a mim própria. Porque admiti-lo seria, como acabou por ser, mais uma perda para a qual eu não estava preparada. Mais uma ausência para a qual eu não estou preparada.
Não sei como vai ser esta habituação à tua ausência. Sei, sim, que não será fácil. Já não está a ser. Mas prometo-te que vou ser forte, mesmo não te tendo comigo para me enroscar e aninhar e acalmar como sempre fazíamos nos meus dias menos bons, nos meus dias maus.
Era em ti, era contigo que reencontrava alguma serenidade. Que recuperava alguma força para aguentar as cacetadas destes quase 9 anos,mas sobretudo destes últimos 3.
Não sei como vai ser agora chegar a casa e não te ter. Procurar o teu calor na minha cama. Sentir o teu peso a doer-me na minha anca ou ter-te encaixada na curva da minha cintura.
Sei sim que não vou poder ir abaixo. Porque tu não estás comigo para me socorrer como sempre soubeste fazer.
Peço-te, novamente, que me perdoes por ter falhado contigo.
Hoje sinto-me novamente vazia. Porque fazes-me falta, Maria André. Muita. E irás fazer sempre.