Sair de casa relativamente cedo e meio à pressa para conseguir chegar a horas ao analista. Depois das alterações que o meu corpo sofreu no último mês e meio, alterações perfeitamente naturais e, até, já expectáveis mas ainda assim intensas, fazer análises tinha que acontecer.
Análises feitas, pequeno almoço tomado e entre o pequeno almoço e o almoço, das duas uma: ou apaguei completamente a informação da minha memória ou não se passou mesmo nada digno de nota. Já não sei. E, neste momento, já nem me esforço para tentar saber…
Almoço na vila. E, entre o almoçar e o ir apanhar o autocarro de volta para casa, outra memória em branco. Sei que não bebi café na vila, vim bebê-lo à esplanada do costume. Não sei, não me lembro!, a que horas cheguei…sei, sim, que ainda não foi hoje que voltei à esplanada das mesas infinitas para, com tempo e sem pressa, organizar as minhas ideias e passá-las para o papel. Ou, e porque também quero muito fazê-lo, escrever aquela carta prometida há tanto tempo, uma daquelas cartas ridículas, como são todas as cartas deste género, como afirma o poeta. Uma pedida e prometida carta de amor. Amor esse que todos os dias, e desde há tantos dias!, cresce mais um bocadinho. Ele existe, é real, é um facto, é bonito, é especial, é único. É nosso. E, talvez por ser tão único, tão bonito, tão especial, eu tenha algum receio de não estar à altura das palavras que essa carta há tanto tempo pedida, há tanto tempo prometida, merece.
Sei que cheguei a casa demasiado cansada, sei que foram demasiadas horas fora de casa e sei, também, que não cheguei bem. Cabeça muito confusa, cabeça muito cansada, extremamente sensível ao mínimo ruído que me confundia ainda mais. Pela primeira vez em muito tempo, busquei o silêncio… Nem a música, que me acompanha sempre para todo o lado, era algo que conseguisse tolerar… E aquela necessidade, que eu considero básica, de conversar com a minha mãe, claro, não aconteceu. E eu precisava tanto…
Há momentos em que tudo isto que me apanhou na curva tem um peso insuportável. E preciso de o partilhar. Em primeiro lugar, com quem me acompanha de perto todos os dias, 24 sobre 24 horas. Que foi tão apanhada desprevenida quanto eu. Só não teve direito a diagnóstico, mas não duvido que seja o que for que me afecte a mim, também a afecta a ela: a minha mãe. E era com ela que eu estava tanto a precisar de conversar, desabafar. E dou por mim, agora, passadas estas horas todas desde que chegámos a casa, sem me lembrar do motivo que me fez precisar tanto dela como precisei hoje. O que é que me estava a incomodar tanto naquele momento em que, mais uma vez, me senti simplesmente posta de parte por quem eu estava a precisar tanto…
Acabei por, mais uma vez, depositar nele parte deste peso imenso. Conversámos e, mais uma vez, ele me trouxe de volta à Terra para, através das palavras dele, perceber que se para mim não é fácil também não o será para a minha mãe. Que para ela será demasiado. Que para mim é a minha realidade. Mas, pelo que eu sinto, também é demasiado para mim. E, mais uma vez, ele me confirmou que não estou sozinha. Tenho-o a ele. Longe, à distância de um clique. Mas tenho-o a ele.
E foi aí, foi a conversar com ele que assumi a minha frustração. De não ser melhor. Melhor filha. Melhor irmã. Melhor tia. Melhor amiga. Melhor pessoa. Melhor o que for! O não querer ser um peso para ninguém, muito menos para a minha mãe e para ele. E é isso que sinto que sou, neste momento: um peso, um estorvo, um empecilho, um atraso de vida para todos à minha volta. E não quero ser isso. Não quero! Não posso! Mas é o que sinto estar a ser…
Não, não estou bem. E, mais uma vez o digo: eu preciso de ajuda. Urgente…
E, ao final do dia, recebi no email o resultado das análises desta manhã: uma anemia. Grande. Nada que não suspeitasse. Mas porra…a sério?! Não há mais nada?!
