Sábado e o regresso a alguma normalidade na rotina. Dia 21 de Setembro, Sábado, foi a última aula de Yoga antes da infusão do medicamento pelo qual tinha esperado tanto tempo e que, depois de o receber, me deixou completamente sem sistema imunitário e me levou a uma bolha de auto-isolamento nos primeiros 15 dias, em que pouco saí de casa.
Veio Outubro e o isolamento ainda era necessário, o período mais crítico ainda decorria e tanto a enfermeira como o médico me disseram para esperar mais um pouco, evitar locais com muita gente, centros de saúde, hospitais, centros comerciais, transportes públicos e máscara sempre quando em contacto com os outros.
Adiei o regresso à Fisioterapia que não faço desde Agosto e tanta falta me está a fazer para trabalhar o equilíbrio. Segui o conselho do neurologista: “nem pense em desistir do Yoga!”. Não desisti mas, claro, adiei. Até hoje!
Dei por mim ontem à noite a arrumar as coisas para levar para a aula e a roupa para vestir e não me lembrava onde estavam…eu sei que esta coisa que me apanhou na curva também compromete o funcionamento cognitivo e esquecer alguma coisa faz parte. Mas fez-me alguma confusão ontem à noite não me lembrar do básico que tinha que preparar. Mas também é verdade que, também ontem ao final do dia, não me lembrava de nada do que fiz durante a semana…e mesmo agora que penso nisso há coisas que simplesmente me estão em branco. E não gosto de sentir isso…
Mas hoje foi o dia tão esperado do regresso! E soube tão bem! Não só pela aula em si que me veio confirmar que um mês parada não me fez bem nenhum fisicamente, mas também pela recepção das minhas colegas. Sorrisos de boas vindas quando me viam, abraços, beijinhos enviados pelo ar porque uma delas estava constipada e, mesmo eu estando de máscara, uma constipação não é nada bem vinda.
Depois da aula, boleia de regresso a casa, como sempre. Mas hoje não com a boleia do costume. Hoje com o Professor Pedro que, desde o início disto tudo, tem sido um enorme apoio. Ao chegarmos junto à esplanada do costume disse-lhe que ia ficar por aí porque ainda ia beber um café antes de voltar para casa. “Então vou beber um café contigo!” E foi.
Conversámos. Sobre esta coisa que me apanhou na curva, sobre as aulas e a forma como ele planeia cada aula e que raramente cumpre na totalidade porque deixa a energia fluir e faz os ajustes necessários na altura. Resumindo, tive aquilo que há tanto tempo precisava: uma conversa normal.
E nesta manhã percebi: afinal, até existo! Para um grupo restrito. Que ficou honestamente contente por me receber de volta. Que me acolheu tão bem.
Nenhum deles conseguiu ver o meu sorriso por baixo da máscara à chegada, mas ele estava cá. O Professor Pedro ainda teve oportunidade de o ver quando tirei a máscara na esplanada.
Nenhum deles, desde o Professor Pedro a qualquer uma das minhas colegas, tem a noção do quanto esta manhã me foi tão importante e do bem que me fez.
Voltei para casa com outro ânimo, claro. Moída e com o sono habitual. Mas mais leve. Porque, afinal, existo! E pertenço! Pertenço a um grupo que me recebeu bem em Maio do ano passado quando iniciei esta viagem no Yoga com este Professor. E que, com o passar do tempo, me viram a abrir cada vez mais para o grupo e que, com a evolução desta coisa que me apanhou na curva, souberam acolher-me sempre prontas a ajudar com coisas tão pequenas como “deixa que eu levo!”, fosse o tapete ou a mochila. Para elas, o importante sempre foi ajudar nas mínimas coisas. Sempre lhes agradeci, claro que sim. Mas elas não fazem ideia do quanto lhes sou grata por tudo. E ao Professor Pedro também. Psicólogo de formação, sabe ouvir de outra forma.
Foi uma manhã muito boa. Foi uma manhã muito feliz. Já tinha saudades desta rotina de Sábado de manhã e quinta feira ao final do dia. Só tenho pena de não ser possível haver mais aulas durante a semana. Mas tenho exercícios para fazer em casa indicados pelo Professor Pedro e que, sei, me vão ajudar com o equilíbrio. Só tenho que deixar de ser preguiçosa e começar a mexer-me em casa! Manter as caminhadas para fortalecer as pernas, trabalhar a marcha e o equilíbrio no parque e, de volta a casa, fazer o que foi indicado para, em simultâneo, fortalecer as pernas, alongar o corpo e trabalhar o equilíbrio.
Claro que, à tarde, quando fiquei sozinha em casa, não aguentei e sucumbi ao óbvio: o sono! Assim que me deitei no sofá, com as mantas e a almofada térmica quentinha, ainda tentei manter a conversa com ele. Mas adormeci instantaneamente.
Agora? A noite já roça a madrugada, mas a cama ainda está longe. Porque na minha cabeça está em loop a conversa desta noite com ele. Sobre o facto de eu ser DAS letras, não necessariamente DE Letras, e de ter percebido hoje que escrever, principalmente no éter, é uma espécie de caminho para a imortalidade. Porque “Uma vez na Net, para sempre na Net”. E, lá mais para a frente no tempo, e até já acontece hoje em dia, alguém vai dar um desses tropeções na Internet e acabará, sabe-se lá como ou porquê, vir aqui parar. Como quem me lê na Suécia. E eu não conheço ninguém na Suécia. E vai ficar a saber que por aqui passou alguém que viveu, sofreu, chorou, deu a volta por cima, recuperou, mas que acima de tudo se permitiu sentir. E nunca teve qualquer receio em deixar registado tudo o que sentiu, bom ou mau.
Foi uma conversa com ele com um enorme poder de introspecção. Acho que nem ele se apercebeu disso. Mas a mim deixou-me com a conversa em loop na minha cabeça. Porque eu sempre fui de escrever. Sempre gostei de o fazer, mas não de escrever histórias inventadas. Não. O meu registo de escrita é um registo muito de “Diário“. Que, pelo menos nestes últimos 10 anos, começou como um desafio num momento muito mau e em que eu precisava de reagir. E, de facto, esse desafio que era para durar 100 dias e que eu sempre duvidei que fosse sequer conseguir chegar ao décimo dia, tornou-se uma importante ferramenta terapêutica que me ajudou a superar os piores dos piores dos piores dias que já passei e, afinal, já são mais de 10 anos de escrita diária sem excepção.
A conversa com ele continua aqui em loop na minha cabeça. E, já sei, irá manter-se durante algum tempo. Porque as palavras dele, que também me lê, me fizeram encaixar algumas coisas que já me têm dito sobre o que escrevo. Todas no mesmo sentido das palavras dele. Mas hoje encaixaram de outra forma. E tocaram cá dentro pela primeira vez…
Mas a madrugada insiste em chegar. Está frio. Estou cansada. Moída. Embora com a cabeça a mil e a querer continuar a escrever sobre sabe-se lá o quê agora, os olhos começam a pesar. Por isso, por hoje não vou continuar. Também não há muito mais para dizer sobre hoje. Mas aquela conversa com ele sobre a minha escrita…
Amanhã. Amanhã é outro dia. Agora é preciso descansar. Aquecer. E dormir. Enroscar-me nele, mesmo que ele esteja lá e não aqui. Não interessa. E depois amanhã logo se vê. Por hoje posso dizer: hoje foi um dia muito feliz.