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Segunda feira. Aquele dia em que todos os outros que não eu retomam a rotina do trabalho. Sair de casa cedo, enfrentar o trânsito em veículo próprio ou transporte público. Entrar à hora certa. Cumprir funções. Cumprir horário. Sair do trabalho à hora de sempre ou, em tantos casos, mais tarde do que o horário no contrato dita. Voltar a enfrentar o caminho, desta vez de regresso a casa. Eventualmente ir ao ginásio ou ao supermercado. Tratar do jantar. Tratar dos miúdos quando os há. Olhar para a televisão sem realmente assistir a alguma coisa. Preparar o dia de amanhã em que tudo repete no mesmo horário, no mesmo ritual, no mesmo ritmo.

Tenho algumas saudades dessas rotinas diárias. Não tenho saudades de sair de casa ainda de noite para sair do trabalho já de noite. Mas tenho saudades de acompanhar o nascer do Sol no caminho para Lisboa. Atravessar a ponte. Ver o Sol à direita na ida para lá e ainda a acabar de nascer.

Não tenho saudades do autocarro, nem do trânsito, nem do barulho da cidade logo cedo. Mas sinto falta do segundo pequeno almoço do dia naquele café que adoptei e onde sempre fui bem recebida, bem tratada e bem servida. Tenho saudades do café cheio, intenso e sem açúcar na esplanada a ver os pombos a entrar no estabelecimento e os funcionários a apressarem-se a tentar expulsá-los.

Não tenho saudades do caminho que fazia enquanto fumava aquele que seria o último cigarro nas próximas horas. Mas tenho saudades das montras das lojas onde nunca entrei nem perdi um segundo que fosse a ver o que as montras promovam.

8h50. Passar o cartão, abrir a porta e entrar naquele espaço amplo e quase asséptico onde não é permitido haver um mínimo sinal, fora do horário entre as 8h30 e as 19h, de que quem ali trabalha são, de facto, pessoas. E, mesmo no horário de trabalho, os sinais de que ali estão quase 100 pessoas a pôr uma imensa máquina a mexer têm que ser mínimos.

Não tenho saudades de me sentir apenas um número ou peça de engrenagem numa máquina que precisa dessas quase 100 pessoas para funcionar de forma célere, correcta e satisfatória. Tenho saudades de me rir com os colegas localizados mais perto, mesmo que esses momentos de riso sejam escassos, rápidos porque há clientes para atender ao telefone.

Tenho saudades de fazer atendimento telefónico ao cliente, conhecer o processo em questão, responder às questões que posso responder, resolver o que tenho autonomia para resolver, ser prestável, educada, correcta, amável. Dar o melhor de mim para um atendimento de qualidade. Não tenho saudades das análises mensais de resultados em que, mesmo tendo excelentes resultados em 3 de 4 factores, há sempre um onde falho porque me é exigida a quantidade quando eu dou prioridade à qualidade.

Não. Não tenho saudades de ser um número. Pressionada para ser uma máquina de trabalho e não aquilo que sou: um ser humano. Mas sim!, tenho saudades de rotinas certas e horários que sejam mais do que apenas ir à fisioterapia durante 15 dias úteis para depois ficar novamente sabe-se lá quanto tempo novamente à espera de vaga para retomar os tratamentos. Cumprir 1 hora e meia, se tanto, de exercícios que têm como objectivo recuperar um pouquinho do tanto que já perdi.

Tenho saudades de me sentir útil. De ser aquela miúda do atendimento telefónico ao cliente prestável, educada, correcta, amável e que nas auditorias de qualidade não raras vezes passava dos 90%. Até mesmo dos 95%.

Segunda feira. Aquele dia em que todos os outros que não eu retomam a rotina do trabalho. Eu? Para já mantenho a rotina de sair de casa com o Sol já nascido, apanhar o autocarro que, por vezes, como hoje, falha e não aparece, sair no centro de Almada com tempo mais do que suficiente para beber café com calma na esplanada que, mesmo no Verão, me gela o corpo mas cujas colheres de café são muito giras. Terminado o café, inicia-se a fisioterapia. Terminada a fisioterapia, fazer o caminho de volta a casa. Se o autocarro aparecer. Não sei o que se passou hoje com o autocarro, mas para lá falhou um, para cá falharam dois.

E do que eu não tenho mesmo saudades, porque acontece todos os dias, é ficar a ver o tempo passar. A sentir-me inútil. Continuo educada, prestável dentro do que me é possível fazer, amável com quem me recebe bem.

Do que eu também não tenho saudades, e cada vez tenho menos!, é de ter à minha volta blocos de tijolo e cimento, vulgarmente conhecidos como prédios. Fazem-me sentir ainda mais enclausurada e quase sem conseguir respirar. São blocos de prédios com gente dentro, com vida a acontecer no interior, mas que só nos mostram as paredes exteriores todas mais ou menos parecidas, com uma ou outra excepção, já elas onde não se vê ninguém, como se fosse tudo um amontoado de caixotes de tijolo e cimento.

Sim, eu sei que tenho um parque maravilhoso praticamente à porta de casa e que depois do parque está a praia. Tanto um como o outro me fazem bem, permitem-me respirar, sentir-me um bocadinho mais viva. Mas não é só disso que estou a precisar. E não é de hoje que penso nisto, que sinto isto. Começou antes do Verão a vontade, praticamente a roçar a necessidade!, de ter, ao meu redor, não blocos de tijolo e cimento, mas sim o verde de árvores e as imensas cores da natureza no seu estado não agredido, não derrubado onde, em troca, se encontram os tais blocos de tijolo e cimento.

Preciso, muito!, de campo. Árvores. Flores. Bichos. Grandes, pequenos, o que for. Preciso de algum sítio onde ninguém me conheça, onde ninguém me faça perguntas e simplesmente me deixe estar, me deixe ser, me deixe sentir o pulsar na natureza, onde me permitam tocar em árvores, senti-las, e porque não abraçá-las?, onde possa respirar fundo.

E aí podia criar uma nova rotina qualquer. Porque a rotina faz(-me) falta. Mas não aquela rotina de segunda a sexta, de passar o dia a correr de um lado para o outro para um dia perceber que essa é a rotina de quem apenas sobrevive, também por não ter tempo para muito mais, e não de quem realmente vive! E eu quero viver, não apenas sobreviver. E não quero ser apenas um número ou uma peça de uma qualquer engrenagem onde me é exigido o que não consigo dar, mas onde dou aquilo que deveria ser realmente importante e com muito bons resultados.

Sim. Segunda feira. Dia de regresso à rotina. E eu? Também tenho uma rotina, embora não seja a melhor opção para uma rotina minimamente saudável: todos os dias, sem excepção, ver o tempo passar…apenas e só, ver o tempo passar.

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