Não, hoje não foi um dia muito fácil. Sair de casa às 7h40 para apanhar o autocarro com tempo e calma para estar no Hospital para, mais uma vez, fazer análises para controlar eventuais infecções que possam impedir a toma da segunda meia-dose da medicação.
As análises estavam marcadas para as 9h30. Mesmo saindo com muito tempo de antecedência para ir com tempo e calma, consegui chegar ao Hospital às 9h40. Duas horas metida no trânsito. Não tinha saudades disto.
Entre efectivar a consulta, esperar, ser chamada, ser feita a recolha do sangue, conversar com a enfermeira e voltar a sair com passagem pela cafetaria, não estive lá mais de 25 minutos…
Voltar para a Costa, consulta com o tricologista às 11h30. No cabeleireiro que não dispenso nem troco por nada para uma avaliação do estado do cabelo e perguntas sobre os possíveis danos da medicação no cabelo. “Sim, vai começar a cair“, diz-me ele. E eu, que já tinha lido qualquer coisa sobre isso, pedi-lhe uma espécie de milagre. Que não há, claro. Mas há tratamento possível.
Não me esqueço que foi ali e com ele que, em 2021, consegui transformar um cabelo sem vida, muito mal tratado e sem brilho e/ou força em algo completamente diferente para muito melhor. Sabia que ali ia encontrar resposta à altura dos resultados da medicação no que diz respeito à queda de cabelo. Que pode ser muita. Que pode ser violenta. E que, já sei, quando volta a crescer vem muito fino e muito fraco…
Ainda não sei quando irei iniciar este tratamento, que não é barato. Mas, embora eu não seja Sansão, é também no meu cabelo que vou buscar força. Porque tenho orgulho nele. E porque mexe, e MUITO, com a auto-estima.
Mas o que me custou mesmo foi ouvir “vai perder os caracóis“. E, mesmo sabendo que os meus caracóis têm que ser acordados para aparecerem, aquela frase foi uma espécie de murro no estômago. Para o qual não estava preparada. Perder cabelo também não é exactamente o que mais quero. Mas, saber que perco também os meus caracóis, mesmo na fase em que estão adormecidos mas não deixam de estar lá?!
Isto pode parecer um assunto sem importância, afinal é só cabelo. Não! Não é SÓ cabelo. É uma facada na imagem. Especialmente na auto-imagem que nunca foi muito positiva mas que começou a melhorar consideravelmente nos últimos tempos.
Sim, fiquei triste com o que ouvi: a confirmação de que o cabelo vai começar a cair. Não ao ponto de ficar completamente careca (ou assim o espero!), mas com possibilidade de peladas e perdas mais localizadas. E saber que, mesmo com o crescimento natural que continuará a ocorrer, vou perder os meus caracóis.
É tudo uma questão de imagem, eu sei. Mas a imagem é o nosso cartão de visita. E é o nivelador da auto-estima. Que, aqui, sempre foi fraquinha mas que nos últimos meses, e muito graças ao meu cabelo e aos meus caracóis, evoluiu no bom sentido.
Parece um assunto sem importância. Mas, para quem, como eu, está fragilizada por uma doença que ainda não aceito e com a qual não sei lidar e cuja imagem representativa da doença é tudo aquilo que eu não quero, este não é o momento para abalar o que resta da minha auto-estima.
Não sou Sansão, já o disse. Mas muita da minha actual força vem daquela imagem que, aos poucos, muito lentamente, aprendi a aceitar, aprendi a gostar. Muito por causa do meu cabelo.
Não, não sou a primeira pessoa a perder cabelo. Não, não faço ideia do quanto vou perder e a que ritmo. Mas os meus caracóis… Levei 40 anos para descobrir que, afinal, eu tenho caracóis! Podem precisar de ajuda para aparecerem mais definidos, mas existem mesmo sem essa ajuda! E agora vão deixar de existir.
Eu sei que tanta coisa em mim vai deixar de existir, vai deixar de ser como era antes. Eu própria vou ter que trabalhar muito para descobrir a nova Eu que já cá está em simultâneo com a Eu de sempre. A nova está nas dores, nas limitações, nas dificuldades, no querer trabalhar muito para alcançar a melhor versão possível de mim. A Eu de sempre esforça-se para continuar cá, fazer as coisas que sempre fez só para perceber que há coisas que já não consegue…enfim. É uma luta interna muito grande. E se há dias em que parece que não se passa nada, depois há dias como o de hoje que, mais uma vez, me confirmam que tenho que me despedir de quem eu sou ou era ou o que for.
Sim, preciso muito de apoio, acompanhamento, colo e mimo. Mas, nestes dias menos bons, é quando me sinto mais sozinha e perdida e sem um mapa que me oriente…e então fecho-me sobre mim mesma e são muito poucos os que têm acesso a mim.
Sim, estou triste. Tudo começou por causa de cabelos e caracóis. Mas que são meus! E atrás veio tudo o resto…e voltamos, a Eu actual e a nova Eu, a entrar em conflito. Porque a actual não aceita a nova. E a nova acabará por substituir de vez a actual.
Não quero pensar em processo de perda (que é!) nem em processo de luto (que também é!). Quero continuar a fingir que não se passa nada. Nem que seja fingir até ao momento em que me levantar daqui e não conseguir dar um passo (em segurança) sem me apoiar.
É uma merda! Essa é que é essa! E não há volta a dar a uma coisa que veio para ficar. Há, sim, muito trabalho a fazer por mim e para mim. Tanto que não sei, sequer, por onde começar…
Mas já é tarde. Já devia estar a descansar. Sabendo que amanhã será melhor. Porque os caracóis que foram acordados hoje ainda cá estarão. E o cabelo ainda não começou a cair…