Ainda desta coisa dos lugares reservados: hoje foi dia de exame ao joelho em Lisboa. Saímos de casa relativamente cedo em direcção ao Centro-Sul para apanhar o autocarro 753 que nos deixaria muito perto da clínica. Chegámos à paragem e, como sempre, uma fila imensa de gente para entrar. Esperei pela minha vez até que um jovem me fez sinal para passar à frente dele. Agradeci e subi para o autocarro.
Depois de validar o passe, virei-me para o corredor e vi que todos os lugares já estavam ocupados. E, os lugares reservados, ocupados por quem não precisava de estar naqueles lugares. Parei e disse, alto o suficiente para o motorista me ouvir e os passageiros dos lugares reservados também: “então agora eu sento-me onde? Em pé é que eu não posso ir!”
De imediato, uma senhora dos lugares reservados se levantou e me fez sinal para me sentar. Agradeci e, a custo, sentei-me no lugar ao qual tenho direito. E, à minha frente, sentado num lugar reservado sem necessidade, um senhor pouco simpático que, a única coisa que disse, foi: “antes, estes lugares eram dos velhos. Agora é o que se vê!”
Respirei fundo. Olhei para o autocolante informativo e fiquei com vontade de lhe perguntar se sabia ler. Não deveria saber, de certeza. E, ao pararmos na paragem das Amoreiras, levantou-se e saiu sem qualquer dificuldade. Portanto, não!, não tinha que estar a ocupar um lugar reservado. E um lugar reservado não é “o lugar dos velhos”. E nem ele era de idade assim tão avançada que se pudesse auto-intitular de velho…
Cada vez tenho menos paciência para estas coisas do meu novo normal…mas depois também encontro, como ontem, pessoas como o Rúben. Quem é o Rúben e o que fez? Já vos conto…
De ontem, e o dar às coisas, aparentemente pequenas, o devido valor. E quem diz coisas, diz pessoas. E quando digo pessoas, digo o Rúben.
Ontem, dia de Yoga, dei por mim já sem tempo de apanhar o autocarro que me leva até ao Grupo Amigos da Costa, local onde são as aulas e normalmente conhecidas como GAC.
Desci até à porta do prédio e chamei um Uber. A app trouxe-me o Rúben. 30 e poucos anos, talvez, simpático, fizemos os 11 minutos de viagem a conversar. Sobre o que eu tenho, como estou a reagir a tudo, a importância do Yoga para trabalhar o equilíbrio.
Chegámos à morada e eu digo que fico já ali em frente ao edifício branco que está do outro lado da estrada. “Ah! Vai para o GAC? Eu dou a volta ali à frente para ficar à porta e não ter que atravessar, não venha aí um maluco qualquer!” Agradeci e, enquanto fazia a manobra, perguntou-me “quer que eu a leve lá acima?”. E, na confusão da minha cabeça respondi que o carro não sobe escadas… Riu-se e disse “não, que eu vá consigo! Ok, eu vou ajudá-la a subir as escadas e levo-a lá acima!”. Ainda tentei recusar, mas o Rúben estava decidido! Ele conhece aquelas escadas sem corrimão e sabe que custam a subir.
Parou o carro à porta, saiu, deu a volta, abriu-me a porta, ajudou-me a sair do carro, carregou a minha mochila e o tapete e estendeu-me o braço esquerdo dobrado para que eu me apoiasse. “Diga-me se estou a fazer bem. Tenho um grande amigo que é cego e já estou habituado a dar o braço”. Disse-lhe que estava perfeito e, mais uma vez, agradeci e sorri por baixo da máscara.
Iniciámos o caminho até à escada, devagar, devagarinho. Subimos os dois com calma e cuidado. E o Rúben sempre simpático, sempre prestável e preocupado. Chegámos ao cimo da escada onde está a entrada estreita para o corredor de acesso às salas. Agradeci novamente e disse que tinha chegado ao destino, embora a sala ainda estivesse um bocadinho mais à frente. “Não! Diga-me qual é a sala e eu deixo-a lá!” Apontei para o banco corrido ao lado da porta fechada onde ainda decorria uma aula de dança de crianças. O Rúben, sempre de braço dado comigo, só me largou quando me sentei no banco.
Fizemos a subida das escadas sempre a conversar, como tínhamos feito na viagem de carro. E pude perceber que Rúben é daqueles que há poucos. Educado. Bem formado. Preocupado. Prestável. Sensível às necessidades do outro. E bem disposto.
Pela milionésima vez agradeci. Por tudo! Desejei-lhe tudo de bom. O Rúben merece. E ainda lhe disse “pode ser que nos encontremos novamente num próximo pedido de Uber meu”. Ele sorriu e disse “espero que sim”.
A minha vontade, quando finalmente nos despedimos, foi dar-lhe um abraço sincero. Porque o que o Rúben fez ontem foi muito mais além do que ser motorista TVDE. Foi um ser humano completamente altruísta. E cada vez há menos desses.
Por isso, sim!, ontem um Uber levou-me ao Yoga até literalmente à porta da sala num primeiro andar! E eu senti-me, novamente, uma miúda cheia de sorte!
